Augusto de Campos: “A poesia que faço é a de um artesão”

Ana Lúcia Vasconcelos


Augusto de Campos, 83 anos, foi — juntamente com seu irmão Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari (1927-2012) — um dos fundadores do chamado Movimento Internacional de Poesia Concreta, que nasceu em São Paulo, nos primeiros anos da década de 50. Os três pretendiam criar uma nova linguagem poética, e suas primeiras experiências foram publicadas na revista Noigandres, fundada pelo grupo em 1952. Noigandres teve vida curta — apenas cinco números — e foi sucedida por outra: Invenção, na década de 60. Mas o que afinal pretendiam os concretistas paulistanos?

Em primeiro lugar uma retomada crítica da evolução da linguagem poética, diluída no após-guerra, e, para tanto, partiram para o estudo dos autores que haviam contribuído para a transformação das formas poéticas. Segundo: constataram a morte do verso convencional. Para eles havia uma crise do verso, como acontecera uma crise do artesanato na era pré-Revolução Industrial. Era preciso criar uma nova forma de expressão, mais objetiva, mais direta que exprimisse a nova realidade.
Poetas como Mallarmé, Ezra Pound, Cummings, Apollinaire, escritores revolucionários como James Joyce, os futuristas e os dadaístas foram os mentores do grupo. Mas Augusto, Décio e Haroldo não pararam sua pesquisa nos autores estrangeiros: garimparam a poesia brasileira e descobriram alguns poetas e escritores marginalizados pela crítica literária em função do caráter inovador do seu trabalho, como Sousândrade (1832-1902) e Kilkerry (1885-1917).
Em 1953 Augusto de Campos produziu a série Poetamenos, onde os elementos semânticos eram assinalados por cores diferentes, poemas inspirados na “melodia de timbres” (melodia fragmentada por vários instrumentos) do compositor de vanguarda austríaco Anton Webern. Em 1955 o trabalho foi apresentado no Teatro de Arena de São Paulo. Em 1956 o grupo de concretistas participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes Plásticas e Poesia) no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), sendo que a esta altura novos poetas juntavam-se aos pioneiros: Ferreira Gullar, Ronaldo Azeredo e Wladimir Dias Pinto. A partir de então o movimento explodiu internacionalmente, chegando a ganhar espaço no Suplemento Literário do Times de Londres nos anos 60. 
Em 1958 os concretistas lançavam o Plano Piloto para a Poesia Concreta, que proclamava em vários idiomas o “advento de uma nova ordem poética” e o “ fim do verso como unidade rítmica formal”. Ficam evidenciadas as relações com a nova música eletrônica e com a pintura, a cibernética, a Teoria da Informação, o cinema e as técnicas de comunicação. A partir de 1962 novos colaboradores surgem: José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Edgar Braga e José Paulo Paes.

 

Tocar o gênio da língua

Palavras soltas no espaço, superpostas, poemas coloridos, interação das artes, visão planetária da criação, a “sagrada liberdade”, o mergulho dentro da materialidade da palavra, eis algumas palavras de ordem da poesia concreta. “A tarefa essencial do poeta,” diz Augusto de Campos, “é tocar o gênio da língua”. E, citando John Cage: “A arte é um ato criminoso. Não se submete às regras, nem as próprias.”.
Exatamente por não ter regras fixas, novas experiências foram incorporadas posteriormente à poesia concreta, como o poema código ou semiótico, de Pignatari, e os símbolos da comunicação em massa — recortes de jornais, fotomontagens —, nos poemas “popcretos”. A fronteira entre a poesia e a pintura estava sendo derrubada. Surgem o poema-livre, os poemas permutacionais e os poemas-objeto
Se considerarmos a exposição do MAM como ato fundador do movimento, o concretismo comemorou, no ano de 1986 (data desta entrevista), quase três décadas de existência, e neste ano completará cinco décadas. Mas como todo movimento que se pretendia de vanguarda, também o concretismo teve suas dissidências. Ferreira Gullar, que aderira ao grupo em 1956, rompeu no ano seguinte, juntamente com o poeta Reinaldo Jardim, que então editava o Suplemento Literário do Jornal do Brasil, rebelando-se contra o “racionalismo” e a “matemática da composição” dos paulistas.
A partir de 1961, inspirando-se na célebre afirmação de Maiakóvski — “sem forma revolucionaria não pode haver poesia revolucionária” —, o grupo concretista se volta para uma temática participante, sem abrir mão do experimentalismo formal, fazendo com que se aproxime do movimento o poeta José Paulo Paes. 
A poesia concretista interagiu fortemente com as artes visuais e a música, sendo evidentes, no movimento, influências de pintores como Mondrian e Malevitch, e de músicos como Webern e Cage. Por sua vez, o concretismo teria um desdobramento nas artes visuais com artistas como Fiaminghi, Sacilotto e Júlio Plaza, e influenciaria, além da música erudita de vanguarda brasileira, também a música popular, via Tropicalismo (principalmente Caetano Veloso) e compositores mais jovens na época, como Arrigo Barnabé.
Nos anos 80, sempre atentos a novas mídias e às modernas tecnologias, os concretistas investiram no casamento aberto da poesia com a informática e a holografia, sendo que ao longo de sua polêmica trajetória o concretismo recebeu críticas de várias procedências, em especial contra a sua tendência formalizante. 


Processo criativo e sistema de edição dos textos


À época desta entrevista, realizada na sua casa em São Paulo, e publicada na revista Artes (SP) em junho de 1986, Augusto de Campos, com 55 anos, trabalhava na tradução de dois poemas: Herodias, de Mallarmé, e A Jovem Parca, de Valéry. Pretendia publicar seu álbum EXPOEMAS em edição comum para que pudesse ser consumido pelo grande público. Aqui ele fala especialmente do seu processo criativo, das suas traduções e do sempre trabalhoso sistema de edição dos textos dos poemas. Afirma, entre outras coisas, como cultiva uma espécie de aversão pela poesia espontânea, que ele chama de “arranca-toco sentimental”. Sua poesia, milimetricamente construída, mantém um nítido compromisso com o rigor formal.

Pergunta: Gostaria que você falasse do seu processo criativo: como o poema acontece? Você, que trabalha com o visual-conceitual, vê o poema no espaço, escuta o poema?

Augusto de Campos: A princípio há algum dado intuitivo, uma combinatória de palavras e imagens que se liga. A partir desse “acidente feliz” entra a fabricação do poema. Ao lado da poesia espontânea, do arranca-toco sentimental, existe uma poesia-arte, como existe o futebol-arte. É esta a poesia que eu pratico. Poesia de “faber”, operário, artesão. E como minha concepção de poesia está profundamente vinculada às artes visuais e à musica, é claro que quando surge a idéia-instigação, tento logo “ver” o poema projetado no espaço, materializá-lo graficamente, e armar a sua constelação sonora. Em suma, como dizia Valéry, os deuses nos dão de graça o primeiro verso, mas cabe a nós construir o segundo.

P.: Onde escreve? Como é sua mesa? Usa algum tipo de papel especial, caneta, lápis, letraset, tintas? Enfim, conte tudo... Seu escritório é na sua casa? Só escreve nele ou não importa o lugar, desde que tenha a ideia da coisa?

Augusto: Como todo mundo, posso tomar nota de uma palavra em qualquer lugar. Mas trabalho basicamente no meu escritório, em mesa comum, em minha casa. De início passava as primeiras anotações para a máquina de escrever, uma pequena Continental alemã, mas de teclas sólidas de metal que me possibilitava grande precisão datilográfica. Em 1953, quando fiz o POETAMENOS, comecei a usar tintas coloridas e carbonos de cor, com os quais, utilizando papel almaço, fiz as primeiras versões — com até seis cores —, que distribuía entre os amigos. A partir da década de 60, comecei a recorrer a outros métodos, passando das colagens de letras a imagens dos jornais e revistas (série dos POPCRETOS), aos fototipos (LUXO) e, finalmente, a letraset. Em alguns casos desenho as letras (VIVA VAIA, TUDO ESTÁ DITO) ou projeto o “layout”, ou executo um “rough” (caso dos PROFILOGRAMAS ou das capas-poemas de vários dos meus livros). Uso também hidrográficas coloridas para os estudos de cor. Desde os anos 50 tive muito contato com os artistas visuais do grupo concretista: Cordeiro, Fiaminghi, Sacilotto, Maurício Nogueira Lima, Geraldo de Barros, e aprendi muito com eles. A partir de 1968 conheci Julio Plaza, pioneiro dos intermídia, e com ele pude realizar muitos projetos envolvendo os mais variados veículos. Desde POEMÓBILES (objetos-poemas tridimensionais que se moviam à manipulação) até CAIXA PRETA (com poemas e objetos-poemas), em formas não convencionais, até as experiências com videotexto e o recente holograma executado por Moisés Baumstein a partir de projeto de Plaza sobre um dos “poemóbiles”. Trabalhei ainda em um computador gráfico na versão do poema PULSAR, de que resultou o vídeo-clip produzido pelo Olhar Eletrônico. Meu último poema, ANTICÉU, exigiu uma impressão especial em Braille, feita na Fundação do Livro do Cego. A primeira impressão foi feita em máquina de escrever. O Braille eu executei batendo os pontos no verso do papel com o marcador em branco entre o azul e o vermelho, de modo a obter o relevo no anverso. Fiz uma pequena edição tipográfica. Finalmente surgiu o contato com o Omar Guedes, jovem mestre da serigrafia, que me permitiu realizar a impressão em cores do poema, numa versão mais requintada para a qual reexecutei em cores o texto em letraset.

Pedras de toque

P.: Você disse em outras entrevistas que só traduz autores pelos quais se apaixona, quando tem afinidades com eles. Isso significa que lê muitos idiomas? Tem preferência por algum?

Augusto: O que quis dizer é que não traduzo por encomenda, nem tenho interesse em projetos de obras completas — mania de alguns editores. Está fora da minha ideologia, que é — como costuma dizer o Haroldo, que comunga das mesmas idéias — a tradução intensiva e não extensiva. Traduzo só os que julgo conseguir recriar com análoga intensidade poética em português. Assim, não faz sentido para mim traduzir todo o Finnegans Wake (Joyce) ou toda A Divina Comédia (Dante). Me interessam as pedras-de-toque.. Os momentos mágicos, as leituras privilegiadas. A única exceção no meu trabalho de tradutor são as canções de Arnaut Daniel. Mas são apenas dezoito e levei muitos anos para traduzi-las sem a predeterminação de completar o conjunto: quando vi, tinha chegado ao fim. Traduzo do espanhol, italiano, francês, provençal, latim, inglês, alemão e russo. Parece muito mas não é. O português e o latim, que estudei sete anos desde o ginásio, facilitam muito o aprendizado dos quatro primeiros idiomas. Sou do tempo em que se estudava francês e até espanhol no colégio. Aprimorei o meu inglês por conta própria indo a cinema, decorando letras de canções populares (Frank Sinatra, Billie Holiday, etc.) e monólogos de Shakespeare, estudando aqui e ali e lendo muito. Aprendi um pouco de alemão com um professor particular, um pastor protestante, e russo com o Boris Schnaiderman, quando o curso ainda não estava institucionalizado, era um curso livre, entre 1962-1964. De todas, o russo é a língua mais difícil e eu não ousaria dizer que a domino. Graças ao bom Acaso, Boris está aí para conferir. Gosto muito de línguas e tenho facilidade para assimilá-las. Mas acho que não tenho preferência por nenhum idioma. Cada um me fascina de algum modo. O que sinto mais distante é o alemão, que sempre me soou um tanto áspero. A plasticidade e a funcionalidade molecular do inglês me assombram até hoje. Como a mobilidade das palavras na frase latina. Ou a música provençal. As línguas são também matéria de poesia. Poesia fóssil — diria Emerson.

Desobediente Civil

P.: Me fale sobre a tradução de E.E. Cummings — 40 Poem(a)s, editado pela Brasiliense. No prefácio você diz que começou a traduzir Cummings em 1954 e só em 1960 sairia a primeira edição dos dez primeiros poemas, e fala das idas e vindas das provas para o autor em Nova York, da impressão (pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura com o apoio de Simeão Leal e Oliveira Bastos), que ficou conhecida como o pesadelo dos tipógrafos. Conte esta história e fale da importância de E. E. Cummings no cenário da poesia mundial.

Augusto: Escrevi a Cummings em 1956 e ele exigiu rever as provas do texto original, alegando que até em sua edição de poemas completos, apesar do cuidado dele, da mulher e de um revisor especializado, tinha havido muitos erros. A apresentação gráfica dos poemas de Cummings é de alta precisão. É um artesão extremamente rigoroso e sutil. Cada letra tem uma posição determinada no espaço, e há diferenças entre o “datilografês”, o “tipografês” e o “linotipês”, que exigem adaptações. Os poemas eram compostos no Rio, na Imprensa Nacional, em tipografia manual. Eu pedi duas provas de cada página. Vertia as correções de Cummings para a prova-gêmea e guardava as corrigidas pelo poeta. Os tipógrafos corrigiam aqui e descorrigiam ali. Houve ao todo oito provas e a batalha só terminou quando eu tirei férias e fui à Imprensa Nacional no Rio trabalhar pessoalmente com o tipógrafo. Afinal, a edição saiu quase sem erros (descobriu-se depois um parêntese fora do lugar na última linha do poema “i will be”). Foi trabalhoso, mas em compensação fiquei com uma documentação valiosíssima — as correções do próprio punho de Cummings, das quais selecionei algumas páginas para a edição da Brasiliense, pela primeira vez publicadas com as cores originais. Cummings fazia correções e comentários à máquina, usando fita preta e vermelha, e à mão, com lápis de cor azul e vermelho. Que eu saiba, nenhuma das edições dedicadas ao poeta apresentou documentos como esses agora. Cummings pertence ao elenco dos inventores da linguagem poética do nosso tempo, na base da qual está Mallarmé. A contribuição de Cummings — um autor que é contemporâneo dos nossos modernistas, já que seu primeiro livro de poemas, Tulips and Chimneys, é de 1923 — está no radicalismo, desconvencionalizando a sintaxe e a própria ortografia. Esse recomeçar a zero de sua poesia deu um extraordinário impulso aos desenvolvimentos poéticos que por volta dos anos 50 — quando Cummings estava vivo e atuante — procuraram reestruturar a linguagem poética, com vistas a uma organização não–sintática ou para-sintática e à exploração dos novos “mídia” visuais e auditivos. Por outro lado, Cummings é um poeta-crítico, de um lirismo explosivo e moderno, tingido de humor, que satiriza a sociedade de consumo e o progresso norte-americano, da perspectiva do anárquico individualismo do artista, esse “homem sem profissão”, como diria o seu contemporâneo Oswald de Andrade. Ele é um autêntico “desobediente civil” da linhagem que vai de Thoreau a John Cage. Quem definiu muito bem o impacto de sua obra foi William Carlos Williams quando disse que, diante dele, sentia-se como Robinson Crusoe ao defrontar-se com a impressão de uma pegada humana na areia. Cummings é imprescindível. Quem não conhece sua poesia ainda não pisou direito no século XX.

 

Projetos visuais


P.: EXPOEMAS é seu ultimo livro de poesia? Quanto tempo demorou para ser produzido?

Augusto: Sim, aí estão 13 poemas produzidos entre 1980 e 1985. Trata-se de um livro especial. Um álbum com folhas soltas, de 32 por 45 cm., impressas em serigrafias manuais em cores por Omar Guedes. Executei eu mesmo todos esses poemas em letraset. Alguns haviam sido publicados no Folhetim [Suplemento de Cultura da Folha de São Paulo na época], em grandes tiragens — caso de AFAZER, SOS e PÓS-TUDO. A idéia do álbum ocorreu depois que Omar fez as serigrafias de dois pôsteres de minhas INTRADUÇÕES para a exposição TRANSCRIAR, organizada por Julio Plaza. Um desses trabalhos, sobre um poema de Cummings, está na capa da edição dos 40 POEM(A)S, em duas tonalidades de verde. Eu trabalho com projetos visuais que funcionam muito bem em grandes dimensões e em cores. Você pode colocar na parede. Acontece que os editores opõem os maiores obstáculos ao uso da cor, alegando que encarece a produção. Daí a idéia de fazermos, eu e o Omar, um trabalho com plena liberdade com os meus poemas. Resolvemos assim, nós dois, bancar a edição. A técnica da serigrafia não permite grandes tiragens. Assim a edição teve que ser limitada a 300 exemplares. Em compensação pudemos fazer uma edição-padrão de alto nível de design, com as cores mais incríveis —verde sobre fundo vermelho, preta sobre preta, ouro sobre preto — já que o Omar tem um domínio absoluto da técnica serigráfica: ele “grava perfume”. Na impressão de ANTICÉU, usamos um “dégradé” de azuis até o branco sobre branco na área em que entra o Braille. Este último poema foi o que deu mais trabalho. Perdemos trezentas cópias devido a um problema com o fotolito, que reduzira ligeiramente as letras. Na minha programação o ajuste entre os tipos-Braille e as letras tem que ser muito preciso para que se estabeleça o espelho icônico entre as letras “l” e “p” e os signos correspondentes em Braille. Originalmente o projeto tinha cerca de 20 poemas, incluindo algumas “intraduções” [traduções criativas de poesia, com reprogramação visual independente do original]: para evitar que a edição ficasse demasiadamente cara, acabamos reduzindo os textos. Os que sobraram vão para o segundo álbum, que terá esse nome: INTRADUÇÕES. Espero também, no futuro, fazer uma edição mais cursiva e simplificada, em off-set, desses poemas. Claro, não será tão bonita, nem terá a mesma qualidade que o Omar consegue. Ele está produzindo também pôsteres serigráficos com meus poemas. O problema é como distribuir esse material não convencional. Estamos criando um público que por enquanto é mais virtual que real.

P.: Você escreve rápido? Diria que ele está vendendo mais que os outros?

Augusto: Eu não escrevo rápido. Escrevo muito pouca poesia, embora quase que só poesia. Na minha concepção, a quantidade da produção é o que menos importa. Acredito, com Valéry, que um poema vale pela quantidade e pela qualidade de suas recusas. Recusa à facilidade, recusa à repetição, recusa à banalidade. Tenho como uma responsabilidade social minha levar a público aquilo que considero digno de publicação. E sou um crítico muito exigente. Quanto à venda do livro, você já viu por tudo que eu disse que é um livro especial — não há como compará-lo com outros. Vendeu-se já pouco mais de um terço da edição, o que significa que ela se pagou. No mais, o álbum se situa em algum lugar entre o mercado das artes plásticas, onde ele seria ridiculamente barato — custa CZ$ 600,00 [era a época do cruzado], o que quer dizer menos de CZ$40,00 por uma serigrafia manual, fora a capa —, e o do livro convencional, cujos consumidores estão pouco habituados a comprar livros com alto nível de impressão, não se permitindo gastar com beleza gráfica o que esbanjam com outras formas banais de lazer. Temos que jogar na esperança da re-sensibilização do ser humano. De minha parte entendo que o que me cabe é o fazer o melhor possível.

P.: Você diz em outras entrevistas que seus livros de poemas vendem menos que as traduções. A que atribui a menor demanda para a poesia concreta de parte do público ledor? Seria aquela velha estória de que brasileiro não lê?

Augusto: É uma coisa lógica. As traduções sempre têm como referências nomes já institucionalizados, mesmo na área da vanguarda, como a poesia russa moderna, Maiakóvski, Mallarmé, Joyce, Pound, Valéry. A poesia concreta é mais recente e ainda muito contestada pela crítica e pelos próprios poetas militantes, muitos dos quais se sentem atingidos por ela, na medida em que ela pôs em xeque a produção convencional de poesia, que constitui a prática generalizada. É necessário uma assimilação. E esta é sempre lenta no caso da poesia de vanguarda, experimental ou de invenção. Acho, no entanto, que a demanda por essa poesia tem crescido entre nós. No que me diz respeito, a edição do meu livro VIVA VAIA (Poesia 1949-1979) esgotou-se este ano. POEMÓBILES reeditado ano passado — 1.000 exemplares — também está praticamente esgotado. O principal problema é a timidez dos editores e a sua dificuldade em acolher recursos gráficos não-ortodoxos (que incluem cores, no meu caso). O público se mostra interessado. O fascículo da Abril (Literatura Comentada) sobre POESIA CONCRETA teve mais de uma tiragem e cerca de 30 mil exemplares vendidos. E o poema PULSAR, incluído no LP de Caetano, VELÔ, teve uma edição de mais de 100 mil exemplares, em couchê no encarte. Numa danceteria ouvi um público cantando junto com Caetano. Quem sabe as coisas não estão assim tão mal paradas?

Os trabalhos publicados

Autor de vasta obra, Augusto de Campos publicou dezenas de volumes de poemas, ensaios e traduções. Suas obras foram incluídas em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967), Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968), Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968).
A maioria dos seus poemas acha-se reunida em VIVA VAIA, 1979, DESPOESIA (1994) e NÃO (com um CD de seus Clip-Poemas), 2003. Outras obras importantes são POEMÓBILES (1974) e CAIXA PRETA (1975), coleções de poemas-objetos em colaboração com o artista plástico e designer Julio Plaza.
Como tradutor de poesia, Augusto especializou-se em recriar a obra de autores de vanguarda como Pound (Mauberley, The Cantos), Joyce (Finnegans Wake), Gertrude Stein e Cummings, ou os russos Maiakóvski e Khliébnikov. Traduziu também Arnaut Daniel e os trovadores provençais, Donne e os "poetas metafísicos", Mallarmé e os Simbolistas franceses, sendo que uma primeira antologia de sua obra tradutória é VERSO REVERSO CONTROVERSO (1978). Algumas de suas últimas publicações são: RIMBAUD LIVRE (1992), HOPKINS: A BELEZA DIFÍCIL (1997) e COISAS E ANJOS DE RILKE (2001). 
Como ensaísta é co-autor de TEORIA DA POESIA CONCRETA, com Haroldo de Campos e Décio Pignatari, 1965, e autor de outros livros tratando de poesia de vanguarda e de invenção, como POESIA ANTIPOESIA ANTROPOFAGIA, 1978, O ANTICRÍTICO, 1986, LINGUAVIAGEM, 1987, À MARGEM DA MARGEM, 1989. Com Haroldo e Pignatari escreveu REVISÃO DE SOUSÂNDRADE, 1964). BALANÇO DA BOSSA (E OUTRAS BOSSAS), 1968-1974, reuniu seus estudos pioneiros sobre o Tropicalismo e a MPB, assim como as suas intervenções no campo da música contemporânea tratando de Charles Ives, Webern, Schoenberg e os compositores brasileiros do Grupo Música Nova. Ensaios posteriores enfocando a música e a poesia de Cage e as obras radicais de Varèse, Antheil, Cowell, Nancarrow, Scelsi, Nono, Ustvólskaia, entre outros, foram recolhidos no livro MÚSICA DE INVENÇÃO (1998). 
A partir de 1980, intensificou os experimentos com as novas mídias, apresentando seus poemas em luminosos, videotextos, néon, hologramas e laser, animações computadorizadas e eventos multimídia, abrangendo som e música, como a leitura plurivocal de CIDADECITYCITÉ (com Cid Campos), 1987/ 1991. Seus poemas holográficos (em cooperação com Moyses Baumstein) foram incluídos nas exposições TRILUZ (1986) e IDEHOLOGIA (1987). Um videoclipe do poema PULSAR, com música de Caetano Veloso, foi produzido por ele em 1984, numa estação Intergraph, com a colaboração do grupo Olhar Eletrônico. 
POEMA BOMBA e SOS, feitas com música de seu filho, Cid Campos, foram animados numa estação computadorizada, Silicon Graphics, da Universidade de São Paulo, 1992-1993. Sua cooperação com Cid, iniciada em 1987, ficou registrada em POESIA É RISCO (CD editado em 1995 pela Polygram) e se desenvolveu no espetáculo de mesmo nome, uma performance verbivocovisual de poesia/música/imagem com edição de vídeo de Walter Silveira, apresentada em diversas cidades do Brasil e no exterior. Suas animações digitais — os CLIP-POEMAS — foram exibidas em 1997 numa instalação que fez parte da exposição Arte Suporte Computador, na Casa das Rosas, em São Paulo. Alguns dos seus poemas visuais podem ser vistos/ouvidos também no site oficial do autor:

http://www2.uol.com.br/augustodecampos/home.htm

 

http://www.ubu.com/sound/decampos.html

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=definicoes_texto&cd_verbete=9594&cd_item=237&cd_produto=84

http://armonte.wordpress.com/tag/augusto-de-campos/

Sobre a poesia concreta

http://www.poesiaconcreta.com/imagem.php

Haroldo de Campos no programa Jogo de Ideias

http://www.youtube.com/watch?v=kFzP-M308pI

Haroldo de Campos no Programa Roda Viva da TV Cultura

http://www.youtube.com/watch?v=0oKlfa0bVWs

Casa das Rosas

http://www.casadasrosas.org.br/centro-de-referencia-haroldo-de-campos/

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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