Ignácio de Loyola Brandão um escritor urbano

Ana Lúcia Vasconcelos


 

Conheci o Loyola nas redações da Editora Abril em São Paulo - ele trabalhou na Claudia, Realidade, Setenta e  depois nos revíamos em outras editoras - foi editor da revista Planeta, e na Editora Três das sofisticadas Vogue, Homem Vogue e Lui. Mas a gente se encontrava muito no Shopping da Avenida Paulista chamado Center Três que fica defronte do Conjunto Nacional onde está a famosa Livraria Cultura, e na própria livraria, que é um dos points prediletos de jornalistas, escritores, intelectuais em geral, e diversas vezes, nos metrôs. Ele pelo que me consta, não dirigia - sempre preferiu andar a pé, de ônibus, táxi ou metrô para curtir a cidade. Fiz esta entrevista em 1987 quando ele escrevia livros e colaborava com crônicas para um jornal que só circula na cidade de São Paulo e que é ótimo: Shopping News.

ALV

      Paulista de Araraquara, onde já atuava como critico de cinema desde os 16 anos, Loyola foi para São Paulo, cidade por quem era apaixonado-pelo menos era (até a data desta entrevista ) em 1957 onde começou trabalhando no jornal Ultima Hora como repórter. Seu primeiro livro foi Depois do Sol-contos, lançado em 1965, o segundo foi Bebel que a Cidade Comeu, que saiu em 1968. Em 1974, foi lançado na Itália o romance Zero, sua obra mais conhecida. O livro saiu no Brasil em 1975, mas foi proibido em 1976 pelo Ministério da Justiça do governo Geisel. Em 1977 publica Dentes ao Sol (romance), Cadeiras Proibidas (contos) e o infanto juvenil Cães Danados. Em julho de 1976 Zero recebe o prêmio de Melhor Ficção, concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal. Em novembro o livro é censurado pelo Ministério da Justiça e sua venda é proibida. 

    Em 1978 viaja a Cuba e escreve o livro-reportagem Cuba de Fidel - viagem à ilha proibida, após participar, em 1978, do júri do Prêmio Casa de Las Américas. Em 1979 Zero é liberado no Brasil e neste mesmo ano Loyola deixa o jornalismo para se dedicar exclusivamente à literatura. Em 1980 ele viaja por várias cidades dos Estados Unidos fazendo conferencias em universidades de Nova York, Flórida, Georgetown, Albuquerque, Tucson, San Diego a convite da Fundação Fullbright, dos EUA.     

    Na sequência continua viajando e escrevendo: em 1981 sai Não verás país algum, uma visão surreal da realidade brasileira e considerado por um critico do New York Times como uma das quatro distopias mais importantes da literatura mundial juntamente com Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, 1984 de George Orwell, e Nós do russo Yevgeny Ivanovich Zamyatin. É Gol sai em 1982 e em março deste ano, viaja, a convite da Fundação Alemã de Intercâmbio Cultural para Berlim, onde fica por dezesseis meses. Lá, publica Oh-ja-ja-já, uma seleta de seu diário berlinense, ainda inédito em português.

   Em 1983 Voltando ao Brasil, publica Cabeças de segunda-feira (contos). Em 1984, lança O verde violentou o muro, onde narra sua experiência alemã. O senador italiano Amintore Fanfani lhe entrega o Prêmio IILA, do Instituto Ítalo-Latino-Americano, pelo romance Não verás país nenhum, publicado na Itália no ano anterior. Assume a vice-presidência da União Brasileira de Escritores, onde permanecerá até 1986.

     Em 1986, volta a Berlim, como convidado especial, para participar dos festejos dos 750 anos da cidade. Participa de Encontro sobre Literatura Brasileira promovido pela Universidade de Colônia, na Alemanha, ao lado de João Ubaldo Ribeiro e Haroldo de Campos.  Escreve em 1987 O ganhador (romance) e O homem do furo na boca (contos) que obtém o Premio Pedro Nava da Academia Brasileira de Letras e de Melhor Romance da APCA. Participa das Jornadas Literárias na cidade de Passo Fundo (RS), em 1985. Desde então, lá comparece a cada dois anos para participar do evento.  Lança o romance O beijo não vem da boca.

     Em 1987 Não verás país nenhum é encenado no Teatro José de Alencar, em Fortaleza, sob a direção de Júlio Maciel. Em 1988 publica A Rua de Nomes no ar - Manifesto Verde que havia sido publicado em 1985, como brinde da editora Circulo do Livro e lança o livro infanto juvenil O homem que espalhou o deserto.   Em 1990 voltou ao jornalismo assumindo a direção da revista Vogue e passa a escrever crônicas para o jornal Folha da Tarde.  Zero, um espetáculo de dança realizado pelo Balé da Cidade, inspirado em seu romance homônimo, é apresentado no Teatro Municipal de São Paulo no ano de 1992. Vai à Zurique, na Suíça, onde participa de leituras de sua obra.
Em 1993, começa a escrever crônicas no Caderno Cidades de O Estado de São Paulo que, a partir de 2000, seria transferida para o Caderno 2.

      No ano de 1995 realiza três lançamentos: O anjo do adeus (romance), Strip-tease de Gilda (crônicas) e O menino que não teve medo do medo (infanto-juvenil). Em 15 de abril inaugura, no Instituto Moreira Salles de São Paulo, a série O escritor por ele mesmo. Em 1996, viu a morte de perto, segundo conta, quando foi surpreendido por um aneurisma cerebral e teve que passar por uma cirurgia que durou onze longas horas.  Mas como tudo é tema para jornalistas e escritores o evento virou um livro: A Veia Bailarina publicada em 1997.

     Em 2000, recebeu o prêmio Jabuti por O homem que odiava a Segunda-feira.  Em 2005, virou cronista do jornal "O Estado de S. Paulo". Em 2008, o romance O Menino que Vendia Palavras, publicado pela editora Objetiva, ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano. Em 2016 foi agraciado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Em dezembro de 2010, foi agraciado com a comenda da Ordem do Ipiranga pelo Governo do Estado de São Paulo. Em março de 2019, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Sua obra vasta percorre vários gêneros: contos, crônicas, romances, não ficção, infanto juvenis, livros de viagens, biografias, relatos autobiográficos, teatro sendo que está traduzido para diversos idiomas: alemão, coreano, espanhol, húngaro, inglês, italiano.

    Nesta entrevista ele fala da sua trajetória entre o jornalismo e a literatura, seu processo criativo, como constrói seus livros a partir sempre de uma imagem que trai sua antiga paixão: o cinema.

ALV- Você veio de Araraquara para São Paulo com vinte anos? Porque São Paulo?

 Ignácio de Loyola Brandão - Porque São Paulo era o grande sonho da gente. São Paulo era onde estavam os jornais, as editoras, era onde estava principalmente o cinema.

 ALV- De que você gostava...

Loyola - Adoro cinema. Na verdade meu primeiro sonho era ser diretor de cinema e também fazer roteiros.

 ALV-  Em Araraquara já tinha feito alguma coisa?

Loyola - Lá o grupo do qual eu participava tinha feito teatro, tinha um teatro de Arena muito bom.

 ALV - Você era ator ou diretor?

Loyola - Não nunca fui ator, eu trabalhava na assistência de direção, na assessoria de imprensa, na produção, na mecânica por trás.

 ALV - Nos bastidores...  

Loyola-Nos bastidores... E este grupo de teatro se uniu a uma turma de Foto Cine Clube que tinha duas câmaras de 16 mm e fizemos um filme quer era uma mistura de ficção e documentário: A Aurora de Uma cidade sobre a fundação de Araraquara.

 ALV- Mas já escrevia na época?

Loyola-Eu escrevia para jornal. Vim para São Paulo e comecei a trabalhar na Ultima Hora onde fiquei de 1957 a 1965. Depois fui para a Editora Abril onde fiz Claudia, Realidade, Setenta. Depois fui para a Editora Três onde fiz Vogue Homem Vogue.

 ALV - Você fez a adaptação brasileira da Planète não é?

Loyola - É eu fiz a Planeta.

 ALV- Quando deixou o jornalismo e partiu para a literatura?

Loyola - Na Editora Três fazendo Lui. Acontece que os franceses não gostaram da edição que a gente fez. Enquanto seguíamos a fórmula francesa a revista foi um fracasso. Ela começou a melhorar quando fizemos uma fórmula nossa, brasileira, mas antes eles romperam o contrato alegando não ser esse o espirito da Lui. E a Editora Três não sabia o que fazer comigo e me demitiu. Foi uma coisa muito engraçada- a primeira e única demissão da minha vida.

 ALV- Qual foi a sensação?

Loyola - Muita insegurança, mas ai eu pensei- é agora a chance de eu tentar a carreira de escritor e ver o que dá, ou ser funcionário de editora até o fim da vida.

 ALV - A esta altura você já tinha publicado vários livros?

Loyola - Meu primeiro livro foi Dentes ao Sol, contos em 1965. Deste livro saíram dois filmes o Anuska, Manequim e Mulher de Francisco Ramalho baseado num conto do livro e o outro foi um episódio que está dentro do filme Memórias do medo baseado no conto que se chama Um Retrato de um Jovem Brigador. O segundo livro foi Bebel que a Cidade Comeu. Enquanto eu fazia o livro o Maurice Capovilla leu o original e fez um primeiro roteiro. Quando o livro saiu, eu e o Mário Chamie trabalhamos neste roteiro e o filme saiu quase junto com a primeira edição que foi dentro de uma antologia organizada pela Bloch Editora e atualmente (em 1987) está na 15º. Edição e depois É Gol que é um livro objeto, um grande conto ilustrado. Ai veio Cabeças de Segunda Feira em 1983, O Verde que Violentou o Muro em 1984 que está na 13º. edição e O Beijo não Vem da Boca em 1985. E em agosto de 1987 O Ganhador.

 ALV - Mas você já sonhava ficar só na literatura?

Loyola - Sim eu já sonhava com isso, acontece que não tinha esquema, não vendia o suficiente. Mas ai de repente em 1979 o Cuba estava vendendo muito bem. Então eu me agarrei nisso. Fora isso eu fazia free lances e descobri que podia ganhar por palestra que eu e o Antônio Torres e João Antônio fazíamos desde 1975. A gente descobriu uma coisa interessante nas cidades onde íamos falar, os livros aumentavam as vendas ou passavam a vender. A gente fazia isso profissionalmente, íamos a editoras conferir mesmo. Vimos então que este era um caminho para formar um publico e começamos a receber cartas de professores, um recomendava o outro e a coisa ia crescendo.

 ALV- Um rastilho...

Loyola- Um rastilho mesmo, a ponto de a gente ter que recusar porque àquela altura tínhamos emprego e só podíamos fazer palestras aos sábados e domingos. Quando me libertei do emprego passei a fazer palestras quase que diariamente dependendo dos convites e ai não importava se era quarta ou segunda-feira.

 ALV- Ficou livre...

 Loyola- A primeira conquista que eu fiz foi a completa indiferença sobre o dia da semana. As pessoas diziam: ah terça é feriado, vamos fazer ponte. Faço ponte o ano inteiro. Esta foi a grande conquista. As pessoas perguntavam se eu estava ganhando dinheiro. Estava para sobreviver, mas a liberdade, a disponibilidade de andar nas ruas, ir ao cinema, ou ficar em casa escrevendo, isso era maravilhoso.

 ALV - Além do Shopping News você escreve crônicas para outros jornais?

Loyola - Fico só no Shopping News, mas eventualmente faço coisas para determinadas fascículos, certos house organs.

 ALV - O Shopping News e o City News e o Jornal da Semana, enfim este um conglomerado, enfim vende 500 mil exemplares  que significa que você é lido por milhões de pessoas em São Paulo. Como é isso? Você sente a repercussão?

 Loyola - Sim é um publico muito engraçado: o porteiro le, o zelador, a empregada, o advogado, o engenheiro, o dono da casa, domingo o jornal à mão. É um publico super eclético.

ALV - Bom, a gente sempre se encontra na Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, em plena Avenida Paulista. Primeiro você vive na Cultura? E depois, deve gostar muito da Paulista, não?

 Loyola - Vivo la, a Cultura é meu quartel general, as pessoas deixam bilhetes, recados. Eu gosto da Paulista, eu vejo a Paulista daqui (mostra a paisagem la fora. De onde estamos sentados fazendo a entrevista, defronte da janela do seu apartamento, vê-se lá embaixo a avenida Paulista). Eu moro a uma quadra da Paulista. Eu fico vendo a fonte do Banespa em dias de calor, fico vendo a água jorrando.

 ALV - Você gosta de São Paulo? Por que afinal você é um típico escritor da cidade, urbano, fala sobre o homem massacrado, massificado, um numero perdido na multidão. Apesar de tudo diria que a cidade tem seus encantos?

Loyola - Eu gosto de São Paulo. Estou um pouco espantado com o mal que fizeram à cidade. A cidade não em culpa. Ela agora está respondendo na mesma medida, ou seja, está agredindo o homem. Cortaram as árvores, cortaram tudo e agora ela está respondendo.

 ALV - Pois é, virou a famosa selva de pedra. Olha a paisagem que você tem daqui - só prédios.

Loyola - Por sorte se a gente for ver la do terraço, do outro lado, a paisagem já é diferente, porque eu vejo o Parque Trianon. Mas veja é muito pouco verde para a quantidade de prédios que há na região. Mas de qualquer forma eu tenho uma grande paixão por esta cidade. Você vê, eu vim para cá São Paulo era um mito. Quando adolescente em Araraquara e era fascinado por cinema: aqui estava a Vera Cruz, que foram os anos 51,52, 53,54 anos importantes para minha cabeça. Então eu queria fazer cinema na Vera Cruz. E as outras razões: porque a gente tinha que vir estudar porque no interior não havia faculdades

 ALV- E você fez o que? Quero dizer escola?

Loyola- Não fiz nada, fui direto para o jornalismo. Eu já fazia critica de cinema, reportagem. Quando cheguei aqui, dez dias depois estava trabalhando na Ultima Hora. Pensei que seria por pouco tempo, mas de repente vi que o jornal era uma maravilha. E através do jornal comecei a descobrir a cidade porque eu tinha que andar muito, a Ultima Hora  na época era um jornal incrível. Eu ia para tudo que é bairro, ninguém queria ir fazer determinada matéria, eu queria e andando eu conhecia a cidade. E fui me apaixonando, peguei esta paixão que te leva a gostar da cidade independente dos defeitos dela. E na reportagem eu fiz muito isso, andando de ônibus, a pé, porque é assim que você conhece uma cidade. Aí foi nascendo um relacionamento com a cidade e eu me interessei muito pelas pessoas que vinham como eu e não tinham estrutura e que acabavam destruídas.

 ALV- Vencidos pela cidade...

Loyola- Vencidos pela cidade... Bebel que a cidade comeu. No fundo este livro representa todos. A cidade é personagem. Eu sou super urbano, super paulista.

 ALV- Voltando ao nosso encontro na Cultura, andando ali pelo Conjunto Nacional você foi assediado por três senhores que falavam de uma crônica sua. Isso é comum, quer dizer você ser reconhecido na rua?

Loyola- As pessoas me reconheciam na rua através de um desenho que saia no Shopping News onde só tinha uns traços. Isso acontece muito. E as velhinhas param... Umas bonequinhas. Mas isso é uma coisa que acontece agora com o Shopping porque já escrevi em outros jornais-Folha de São Paulo, Jornal da Tarde, Caderno Dois do Estadão e isso não acontecia.

 ALV- Por que era outro publico?

Loyola- Outro publico e por preconceito. E também porque acho que sou um cronista muito engraçado-lógico que isso vai desaparecer-mas eu falo do cotidiano, falo da prateleira do super mercado... Eu não sou cronista do tipo do Sabino, não conto estórias, lógico às vezes eu conto estórias.

 ALV- Você usa na sua literatura uma linguagem cinematográfica: foca num ponto, depois abre e faz um zoom, depois um travelling. Fala das minúcias e do geral.

Loyola- Você definiu bem. As colunas do shopping inclusive foram a base para o Verde que violentou o Muro.

 ALV- Então me conta um pouco sobre o teu processo. Cada louco com sua mania, qual é a tua? A Clarice Lispector escrevia em pequenos papéis e depois juntava tudo, a Lygia Fagundes Telles anda quilômetros pensando e toma notas no caderninho. E você?

Loyola- Eu escrevo nos caderninhos, cadernões. Eu leio um jornal, recorto colo, falo desenhos, esboços, rabiscos. Anoto o tempo inteiro coisas que eu ouço, que me impressionam, olhando a janela, isso tudo vai para o caderninho, até que uma imagem qualquer- e isso é uma constante- me impressiona mais. Depois veja, eu passei anos indo ao cinema desde a infância, então tudo é imagem para mim.

 ALV-A linguagem está incorporada em você, a linguagem do cinema?

Loyola- Está incorporada a imagem... Então de repente é o olhar de uma pessoa que eu conheço no qual começo a pensar em cima, tento construir um personagem com aquele olhar e ai a viagem começa. O Zero nasceu de um olhar. Bebel nasceu de um suicídio - uma mulher que se atirou de um prédio, eu não vi, mas ficava imaginando.

 ALV- Ela caindo...

Loyola- Ela caindo, batida de sol. Dentes ao Sol é um livro que nasceu de uma pessoa que se escondia atrás de uma arvore e eu ficava olhando aquele movimento de cabeça e comecei a trabalhar em cima. Isso se passava em Araraquara, porque Dentes ao Sol se passa em Araraquara e é meu favorito.

 ALV- Você já falou isso. Por quê?

Loyola- Não sei por quê. Talvez porque é a estória-base real- de um amigo meu que era o mais talentoso da turma e que se acabou se entregou, não teve coragem, não tentou fazer as coisas, não tentou fazer o sonho. Esta coisa das pessoas não tentarem realizar o sonho me impressiona muito. Não Verás País Nenhum nasceu de uma imagem de um ipê que enchia o chão de flor e este ipê foi morto justamente por que, entre aspas, sujava o chão. Uma mulher assassinou, jogou veneno, etc. Ai eu fiquei pensando na falta de consciência das pessoas em relação à natureza, à beleza e ai comecei a pensar que não eram só as pessoas, mas a sociedade, o governo. E começou a aparecer na minha cabeça a hipótese: e se não apenas aquela mas se todas as arvores daquela rua forem mortas, se as arvores daquela cidade,  ou daquele pais. Então é sempre uma imagem e ai começo a ter o livro. A partir desta imagem eu trabalho vou a todas as anotações em laudas e vou consultando e retirando coisas que podem ser encaixadas. E evidente que na medida em que vou tendo a ideia, que eu chamo de situação e vou desenvolvendo esta situação, de que maneira ela vai entrar no livro, desde o elevador, frases soltas, a rua, tudo...

 ALV- Ai você já está no clima, tomado pela ideia do livro...

Loyola- Ai já estou dentro do trem e o trem sai a toda a velocidade. Nem sempre a ideia inicial que a imagem me leva é a ideia final. Muitas vezes você desvia a termina noutro ponto. Isso é muito relativo.

 ALV- E como surgiu a ideia de ir para a Alemanha? Você escolheu ou foi escolhido?

Loyola- Fui escolhido. O Zero foi publicado na Alemanha com grande sucesso de critica, não foi sucesso de vendas. A minha agente literária- ela é apaixonada por literatura latina americana, ela dirige as coleções latinas americanas na Zurkamp que é a principal editora alemã, ela fala português, me mandou uma carta dizendo se que queria passar seis meses em Berlim - nunca tinha passado pela minha cabeça ir para a Alemanha, mas também se me convidam de Cotia a Hong Kong eu estou sempre pronto (risos). Eu vou depois eu vejo.

 ALV- Aliás, você escreveu seguindo até o conselho que o Cohn Bendit deu ao jornalista amigo dele do New York Times que ia escrever sobre a Alemanha: que ele fizesse uma colagem, escrevendo só o que percebesse o que sabia de verdade. Você mesmo cita isso no livro. Você fez uma colagem?

Loyola - Não sei se é uma colagem. É um painel de onde tirei as coisas que achei mais importantes. Teve muita gente que criticou o Verde dizendo: ah não é um estudo das duas Alemanhas, está faltando o livro político. Mas não fui fazer isso, não sou cientista político. O que me interessa é o homem dentro do sistema e isso está lá. Agora hoje a Alemanha é um pais que eu gosto, que eu via com muito preconceito e que hoje não tenho. Muitos dos meus melhores amigos são alemães e quando eles são amigos são para valer.

 ALV- Você fala uma coisa interessante no Verde que é justamente a identificação que de repente encontrou em Berlim e Araraquara- a luminosidade, alguma coisa que te remetia a um passado, ao teu pátio interno. Fale sobre isso.

Loyola- Não me peça para explicar isso. De repente uma luz que só tem em Araraquara e em Berlim tinha isso e eu perguntava por que em Berlim? Sabe mesmo um dos episódios que acionaram a feitura do Verde - são vários, mas foi especialmente a sandália vermelha que está lá relatado que é o seguinte. Uma tarde eu fui ao cinema em Berlim, à cinemateca-fim de tarde, tudo muito tranquilo, muito quieto. Berlim é muito provinciana quando quer ser e estou olhando os cartazes e vem uma alemãzinha morena com uma sandália de tirar vermelhas. Ai pronto, eu fui lá longe e bateu numa época que eu tinha 16 anos, em 1952 e eu estava vendo uns cartazes, num fim de tarde em Araraquara e eu gostava de uma menina e ela chegou usando uma sandália de tiras vermelhas. E este episódio acionou toda a feitura do livro. Ai escrevi para esta moça que hoje é minha amiga e em cima de quem escrevi a personagem Ana que considero um dos bons personagens meus, que é uma mulher de 40 anos que resolve jogar tudo para cima e sair em busca do amor dela.  Enfim eu tenho uma relação muito estranha com Berlim.

 ALV- Você acredita no acaso?

Loyola- Não acho que haja qualquer coisa gratuita. Às vezes há acasos provocados. Mas acho que tudo neste planeta está meio amarrado. Pensando em minha carreira, mesmo em palestras quando me perguntam se eu sempre quis ser escritor - acho que não, cai por acaso. Eu fazia jornal, me divertia muito e esqueci aquela estória de ser diretor de cinema e no final foi o jornalismo que me deu a base para a escritura - toda aquela vivencia com a cidade, com o país, com as pessoas, fui tendo um conhecimento da realidade que não teria se fosse um bancário. Então às vezes penso porque me transformei num escritor.

 ALV- Esse estilo rápido, sintético, com intertítulos dividindo os textos, as vezes curtos, as vezes mais longos, sem critério de espaço causa um efeito fulminante. A sensação é como se fosse uma bomba explodindo dentro de você e se espalhando em mil estilhaços. O teu texto é real e surreal ao mesmo tempo. Você diria que isso vem um pouco do jornalismo?

Loyola - Isso só ocorre no Verde e no Zero. E vem um pouco do meu aprendizado gráfico, do jornalismo, mas o Zero é uma reconstituição do caos que era o Brasil na década do horror e eu via mesmo o Brasil explodir. Agora o Verde, a minha intenção foi outra: é como se você pegasse um trem numa estação qualquer e passasse a atravessar o país e descesse onde bem entendesse. Já o Zero é mesmo estilhaços porque era o quadro que a gente tinha. Agora lógico que esta coisa sintética vem do jornalismo, porque a gente chegava da rua e o editor dizia: dez linhas. Você argumentava: dez? Mas eu tenho uma matéria incrível! E ele: é dez se quiser que saia... e ai você escrevia dez, aquele esforço de síntese. Claro que eu trabalhei isso literariamente. Agora é muito interessante que o Zero é um livro lido até hoje. Muita gente diz: é porque foi proibido esta coisa toda. Acho que não, porque dos livros proibidos o Zero é o único livro que ainda tem presença em livrarias e já se passaram oito anos. E é muito lido por jovens de 15, 16 anos.

 ALV- Jovens que não viveram aquela época...

Loyola - E que não estão acostumados com aquele tipo de literatura. E os garotos me dizem: puxa este livro é incrível. Eu digo: mas o livro é difícil e tal. Um dia, um garoto em Porto Alegre me disse: não é difícil. O livro parece um videoclipe. Eu achei a melhor definição para o Zero.

 ALV- Você introduziu o vídeo clipe na literatura brasileira?

Loyola-(rindo) Introduzi o vídeo clipe... Porque o vídeo clipe tem uma musica no fundo e uma série de imagens. Aqui no livro é uma ideia como pano de fundo e uma série de imagens.

 ALV- Fale um pouco sobre o teu romance O Ganhador (à época o ultimo dele). Qual seria a novidade dele em relação aos outros. Você continua falando da vida urbana, da falta de perspectivas do homem, agora não mais nas grandes cidades, mas numa pequena cidade.

 Loyola- Acho que ele tem alguma novidade na linguagem, é um pouco um livro de suspense, pretende mostrar um Brasil paralelo. Meus personagens estão sempre à margem, só que exatamente agora neste numa pequena cidade do interior. Então você vê aquele pequeno mundo, aquela mitologia interiorana, as loucuras, o misticismo, a maioria das personagens é inusitada, todos meio loucos. Tem uma mulher que vira chefe de igreja depois que vê cair cubos de gelo cheios de peixe dentro.

 ALV-Você mistura o real e o surreal. Interessante os críticos não apontarem isso, quer dizer, este parentesco com George Orwell de 1984, a escritura de Cortázar e outros latino- americanos conhecidos lá fora.

Loyola-Mas o Brasil é tudo isso. Agora os críticos não relacionarem isso já é preconceito que existe.  Eles citaram todos os autores nesta linha e nunca citaram Não Verás País Nenhum. Já um crítico do New York Times quando fez uma resenha do livro disse que havia quatro livros fundamentais sobre o que ele chamava de distopia (que é o oposto da utopia). O primeiro seria: Nós do russo Yevgeny Ivanovich Zamyatin, depois vinha Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley, 1984 do Orwell e o meu Não Verás País Nenhum. Então a critica estrangeira fala e a nacional não. Acho que é preconceito mesmo, porque você acha que vão julgar um autor nacional com a mesma estatura desta gente?

 ALV- Os seus personagens me parece, não vislumbram uma luz no fim do túnel. Você vislumbra?

Loyola- Não, acho que não. (lembrar que estávamos em 1987). Eu mesmo não vejo. Eu vivo uma desesperança ainda mais com essas pessoas que estão agora no governo.

 ALV- Qual é a sensação que você tem lendo jornal hoje? Política nacional?

Loyola- Apocalipse. É aquilo que o Paulo Francis falou: o Brasil passou da pré-história para a história sem ter atingido a civilização. E não vai atingir porque- ai você diz- mas não é culpa é do povo, é culpa do governo. É culpa do povo sim, e é culpa do governo. Nós somos culpados pelo fracasso das coisas que acontecem aqui.

 ALV- Você viveria fora do Brasil de novo?

Loyola- Se continuar essa coisa que está viveria até para sempre porque eu não aguento mais. Você fala: é acabou a ditadura, começou a democracia, mas não é nada disso. São as mesmas pessoas, mentira em cima de mentira, os homens não tem mais responsabilidade. Não sei se estou ficando moralista, mas estou começando a exigir meus direitos mínimos. Não tenho mais paciência para atravessar a rua e o cara vir em cima de mim e estou atravessando na faixa. Chegamos a um ponto em que não existe mais lei, nem ordem, mais nada. Quer dizer as pessoas entraram nessa paranoia.

 ALV- Qual seria a sociedade ideal para você?

Loyola- Bom para começar sem essas pessoas que estão no poder. Mas enfim, aquela sociedade onde eu tivesse certa paz, certa tranquilidade, onde as pessoas pudessem comer e beber tivessem trabalho.

Obras

Esportes

A Saga de um Campeão (1996 - sobre o São  Paulo Futebol Clube) 

 Contos e Crônicas 

      Depois do sol (1965)

  • Cadeiras proibidas (1976)
  • Pega ele, Silêncio (1976)
  • Obscenidades para uma dona de casa (1981)
  • Cabeças de segunda-feira (1983)
  • O homem do furo na mão (1987)
  • A rua de nomes no ar (1988)
  • Strip-tease de Gilda (1995)
  • Sonhando com o demônio (1998)
  • O homem que odiava segunda-feira (1999)
  • Calcinhas secretas (2003)

Não Ficção 

Manifesto Verde (1989)

Romances

Bebel que a Cidade Comeu (1968)

Infanto-juvenis 

Cães danados (1977). Reescrito e publicado como O menino que não teve medo do medo (1995).

Viagens

  • Cuba de Fidel: viagem à ilha proibida (1978)
  • O verde violentou o muro (1984)
  • Acordei em Woodstock: viagem, memórias, perplexidades (2011)
  •  

Biografias 

Fleming, descobridor da penicilina (1973)

  • Edison, o inventor da lâmpada (1973)
  • Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus (1974)
  • Ruth Cardoso - Fragmentos de uma Vida (2010)
  •  

Relatos autobiográficos

Veia bailarina (1997)

  • A morena da estação (2010)
  •  

Teatro

Zero (1992)

  • Tragédias Cariocas para Rir (1996)
  • A última viagem de Borges (2005)
  • Traduções
  • Para o alemão
    Null (Zero), Suhrkamp, 1979
    Kein land wie dieses (Não verás país nenhum), Suhrkamp, 1984
  • Para o coreano
    Zero, Seto, 1990
  • Para o espanhol
    Cero (Zero), Galba, 1976
    El hombre que espandió el desierto (O homem que espalhou o deserto), Global - México, 2000
  • Para o húngaro
    (Zero), JAK, 1990
  • Para o inglês
    Zero, Avon Books, 1983
    And still the earth (Não verás país nenhum), Avon Books, 1984
  • Para o italiano
    Zero, Feltrinelli, 1974
    Non vedrai paese alcuno (Não verás país nenhum), Mondadori, 1983
    Vietat le sedie (Cadeiras proibidas), Marietti, 1983
  • Adaptações
    Para o teatro

    Não verás país nenhum. Direção de Júlio Maciel, Fortaleza, Teatro José de Alencar, 1987, baseado no romance homônimo
  • Para o cinema
    Bebel, a garota-propaganda. Direção de Maurice Capovilla, 1986 - baseado no romance Bebel que a cidade comeu
    Anuska, manequim e mulher. Direção de Francisco Ramalho, 1969 - baseado no conto Ascensão ao mundo de AnnuskaPrêmios


Para saber mais sobre ele:

http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-conversa-com-o-escritor-ignacio-de-loyola-brandao/2660781/

http://www.youtube.com/watch?v=7AF6mM0p_Pw

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa282/ignacio-de-loyola-brandao 

https://www.ebiografia.com/ignacio_de_loyola_brandao/

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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