Leo Gilson Ribeiro apostando na literatura brasileira

Ana Lúcia Vasconcelos


Nesta segunda entrevista que fiz com Léo Gilson Ribeiro publicada na Revista Artes em junho/julho e agosto de 1989 fala mais especificamente de sua carreira, livros, seu processo de trabalho, mas ainda da importância da literatura latino americana no contexto mundial, dos novos escritores que apareciam na cena brasileira. Evidente que alguns fatos que ele narra e dos quais reclama como a lentidão dos correios e a dificuldade em conseguir livros importados, acredito que estejam bastante minimizados com o advento da internet. Mas era o que tínhamos naquele momento- aquele panorama.

 
P. – Leo você é crítico literário há quantos anos? Começou na Veja?

Leo Gilson Ribeiro – Olha, desde 1960. Comecei no Rio de Janeiro, no Diário de Notícias, um jornal que não existe mais e o Correio da Manhã. Então o Mino Carta inventou que eu devia ser jornalista, tinha gostado muito do meu livro Cronistas do Absurdo e aí ele me colocou inicialmente no Jornal da Tarde e depois para a Veja onde fiquei como um dos primeiros fundadores há oito anos.

P. – Cronistas do Absurdo (José Álvaro, editor, 1964-RJ) sobre literatura hispano americana foi seu primeiro livro?

Leo – Foi meu primeiro livro. Ele falava de Ionesco, talvez pela primeira vez no Brasil, falava de Brecht, falava de Büchner, de Kafka, um livro que surpreendentemente, apesar de ser um livro de ensaios chegou à quarta edição.

P. - Eu adorei este livro, aliás, para quem gosta de teatro do absurdo e esses outros autores é um prato cheio. Você escreve muito, não é Leo? Você escreve ainda em máquinas ou já tem um micro?

Leo – Infelizmente minha vida é em cima de uma máquina de escrever. Não, não tenho um micro, sacrifiquei as férias para poder comprar uma máquina elétrica porque a minha coluna vertebral não rimava com meu salário (risos). Então uma vez fiz um artigo sobre a Revolução Russa, sobre um brilhante intérprete norte-americano que teve acesso a muitos arquivos secretos do tempo de Kruschev e era um livro de mil e tantas páginas sobre o qual escrevi um artigo de três páginas para o Jornal da Tarde sobre a verdadeira história bolchevista...

P. – O que deu... Quantas laudas?

Leo – Quase cinquenta laudas.

P. – Quantas laudas você escrevia por dia no Jornal da Tarde?

Leo – Variava, às vezes quando o livro exigia eu escrevia 22,27 laudas. Quando era uma matéria menor escrevia 120 linhas. Mas raramente escrevia menos de 200 linhas para o Caderno de Sábado. As segundas eu escrevia mais umas 80 linhas para aquela seção chamada Biblioteca onde enfocava principalmente livros estrangeiros que não chegaram ao Brasil.

P. – E a propósito quantas línguas você lê?

Leo – Ah. Eu leio só meia dúzia. Quatro latinas, o alemão e o inglês.

P. – E o russo que eu sei que está estudando?

Leo – Arranho o russo, que é uma das paixões da minha vida.

P. – E lê muito? Quantas páginas por dia?

Leo - Todos os anos tenho que mudar as lentes dos óculos, porque além de serem livros grandes e eu faço o confronto com a edição original, vejo se a tradução está bem feita, depois procuro datas, dados sobre o autor, tenho que me manter atualizado. Então eu leio, por exemplo, aquela revista alemã, Der Spiegel, leio L’Express, leio Time, leio News Week, leio do New York Time o The Book Review e quando consigo leio o Lire. Ou seja, fora o material que tenho que ler há toda uma constelação de livros que é preciso ler, que preciso ler profissionalmente. E, além disso, há os livros que tenho que lançar pioneiramente no Brasil.

P. - Você escreve ainda naquela revista da Goodyear?

Leo – E a coisa mais importante free lance que fiz nos últimos anos é da Goodyear na qual escrevia sobre escritores brasileiros, de maneira acessível. Você sabe que de house organ ela virou uma revista de muito prestígio no Brasil? Começou a ser vendida em banca. E de vez em quando, quando o tempo é possível, eu escrevo para algumas revistas da Alemanha e dos Estados Unidos.

P. – Quais?

Leo – Eu escrevi para aquela The Kennyon Review sobre literatura americana e difusão no Brasil, já escrevi sobre Maria Carolina de Jesus numa revista alemã chamada Christ und Welt(O Cristão e o Mundo) e também já fiz um perfil para as revistas Lever da Inglaterra. Traduzo muito teatro: já traduzi Abelardo e Heloisa, o Peer Gynt, do Ibsen para o Antunes Filho, já traduzi Caixa de Sombras e Filhos do Silencio para o Odilon Wagner e a Valéria. E tudo isso não deixa de ser pequenos free lances. Então você vê que nós da classe média - isso são dados estatísticos do DIESE, perdemos 80% do nosso poder aquisitivo. Então eu tenho que me disciplinar muito, tenho que usar tudo que eu aprendi de disciplina na Alemanha...

P. – E por falar nisso você viveu na Alemanha em que época?

Leo – De 1953 a 1958.

P. – Foi lá que você escreveu Os Cronistas do Absurdo?

Leo – Não, escrevi no Brasil. Na Alemanha você é forçado, você tem sua alma mater, há uma lei não escrita que é o seguinte: se você vai se laurear por determinada universidade você tem que visitar outras. E daí eu fui para Heidelberg e lecionei literatura brasileira na Universidade de Hamburgo. Isso porque, na Alemanha há o que eles chamam um Weck Student, quer dizer um aluno que paga seus próprios estudos. Assim eu falava em Hamburgo sobre Cecília Meirelles, Jorge de Lima, grandes poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade. Eles traduziam para o alemão, traduziram, por exemplo: Morte no Avião que foi publicado no mais importante Suplemento Literário da Alemanha que é o do Jornal Frankfurter Algemeine Zeitung.

P. – Afinal você fez universidade aqui ou lá?

Leo – No Brasil fiz até o que se chamava o clássico. Com 18 anos fui embora e fiquei onze anos entre Estados Unidos, Alemanha e Itália. Nos Estados Unidos fiz o (M.E.) e na Alemanha o PHD para o qual você precisa escrever uma tese complicadíssima.

P. – E você escreveu sobre?

Leo – A saudade como permanência de raízes plotinianas na poesia de Teixeira de Pascoaes que era uma coisa que me animava muito por eu estar muito enfronhado em Plotino naquela época. Eu via naquele movimento da presença da saudade na poesia de Teixeira de Pascoaes uma profunda afinidade com aquela noção do passado, do vivido anteriormente e consignado pela memória. Foi uma preparação para depois ler Proust.

P. – Você gosta de Proust?

Leo – Adoro Proust. Já li nove vezes, quer dizer, são 38 mil páginas – À la Recherche du temps perdue.

P. – Você escreveu um livro sobre Literatura Hispano Americana, O Continente Submerso que foi premiado. Por que Continente Submerso?

Leo – Foi premiado unanimemente pela APCA como o Melhor Ensaio publicado no Brasil em 1988 e eu fiquei muito contente. É Continente Submerso porque nós somos um continente submerso. Quer dizer a Europa já está recendendo a alfazema e procurando no baú sua memória perdida, debruçada sobre sua própria esclerose. Lá não tem nada comparado ao que o Brasil e a América Latina apresentam no plano literário. Ela tem tecnologia, riquezas econômicas. Aliás, nem os Estados Unidos está numa fase muito boa. O Canadá, você sabe é um deserto literário. Então a América Latina é a coisa mais avançada do mundo ocidental porque ela engloba a reinvidicação política, ela exalta o que o Alejo Carpentier e Lesama Lima- cubanos chamaram de “realismo mágico maravilhoso da flora e da fauna, da história trágica da América Latina”. Além disso, a América Latina tem uma enorme riqueza de vocabulário apoiada não só na tradição literária espanhola, sólida-já que eles têm universidades duzentos anos mais antigas que as nossas enriquecidas pela cor local dos vocábulos quíchuas ou astecas ou de outros locais que eles aproveitam. Então você vê a América Latina, com Borges, na Argentina, com Juan Rulfo, no México, com Guimarães Rosa no Brasil e com Mário Vargas Llosa no Peru, revolucionou todo o conceito de literatura porque ao mesmo tempo em que está presa àquela matriz europeia de Flaubert para cá, ela tem outra vivência dos problemas políticos sociais e ecológicos que se forma agora com todo seu atraso econômico, sua miséria, sua fome, sua plutocracia. É uma literatura de imaginação transcendente com Guimarães Rosa, Cortazar e não precisa dizer com a nossa querida Hilda Hilst também. De maneira que eu acho que é uma literatura apesar do boom que houve e que não inclui o Brasil, ainda insuficientemente conhecida.

P. – Mesmo na Europa?

Leo – Mesmo na Europa. Na Europa eu acho que foi um fenômeno de coisas óticas, de preencher uma lacuna que a Europa não preenche mais e também porque era uma literatura em grande parte traduzível, pelo menos nos países latinos. Agora, nos países que não são de língua latina- Alemanha, Inglaterra, países nórdicos, este boom já houve de uma maneira amortecida. Agora, os alemães têm o mal gosto de pensar que literatura hispano americana são os horrores de romances de Isabel Allende.

P. – Você atribui isso a que? A falta de divulgação da literatura brasileira no exterior? Que mais?

Leo – Evidente. O Brasil não divulga nada, não tem institutos culturais brasileiros de divulgação da literatura, arte, traduções, conferenciais. Para cocktails existe, mas para cultura séria, não.

P. – E por falar nisso, a quantas andam a literatura brasileira? Você diria que estamos vivendo uma fase rica de novos autores?

Leo – A literatura vai muito bem. Uma das poucas coisas, aliás, que anda bem no Brasil. Dentro de um país falimentar, nós temos uma literatura que nunca deixou de apresentar em cada geração, dois, três, quatro e cinco importantes nomes.

P. – E quem seriam esses autores novos bons, que surgiram recentemente?

Leo – Eu acho que apareceram no Brasil, jovens ou iniciantes como o Vicente Cecin que é um paraense que escreve literatura surrealista muito boa, muito bem escrita, não exatamente influenciada por ninguém, ele é apenas levemente surrealista, mas um surrealismo que está presente em Dona Flor e Seus Dois Maridos, em Macondo, de Cem Anos de Solidão, é a atmosfera latino americana...

P. – Mas nós somos surrealistas... (risos)


Leo – Pois é nós estamos falando aqui e o dinheiro brasileiro está se desvalorizando 1% a cada dia que passa-. é a América Latina. Depois, eu tenho a impressão que o Ricardo Guilherme Dicke, um grande escritor que está começando a aparecer agora em Mato Grosso e que tem toda uma temática de busca de Deus, de culpa do homem, de reivindicações, de exorcismo, de diabos que se apoderam, da ganância, do egoísmo do ser humano. Ele escreve com muita força, com uma renovação vocabular... Depois eu gostei muito também do Wilson Bueno, do Paraná que é um rapaz muito jovem e que está dirigindo uma revista brilhante chamada Nicolau, especializada em literatura. Escreveu um livro muito bonito que é mais ou menos uma crônica do que uma juventude absolutamente desorientada sente hoje no Brasil. Está entre a droga e Lênin (risos). Depois há o Benito Barreto que escreveu Os Guaianás, em dois enormes volumes em que ele, ainda que eu não possa dizer de uma maneira leviana- mas é novamente toda uma temática regionalista que deve abranger a Bahia, Goiás, Minas Gerais e que funde certas intenções do Guimarães Rosa, com certas apreensões do Mário Palmério quer dizer o poder político, os cangaceiros, se é que há cangaceiro em Minas, os preconceitos, a situação da mulher, as transformações sociais, enfim.

P. – Ele faz uma panorâmica, é épico?

Leo – Exatamente, é um grande painel. E, além disso, eu gosto muito do João Ubaldo Ribeiro, aquele livro O Povo Brasileiro eu acho muito engraçado aquilo que ele escreve que o brasileiro é um povo que macaqueia todo mundo, que aqui é o país da bagunça mesmo, que não adianta você botar métodos europeus que não adianta. Agora falando de coisas de qualidade eu constato que a Hilda Hilst mantém uma qualidade assombrosa no seu texto, como o Amavisse e também constato que mantém uma grande uniformidade de qualidade, a Marly de Oliveira nas suas poesias com exceção do seu último livro que foi dos melhores que ela escreveu e também do próprio João Cabral de Mello Neto que continua na mesma linha sem quebrar a qualidade. Ou seja, não estamos mal. Naturalmente o que está acontecendo é que a nossa profunda crise econômica, como ela tem consequências psicológicas, ela influi sobre o que o artista vai escrever.

P. – A sobrevivência fica mais difícil?

Leo – Não aí não, porque as editoras estão oferecendo quase que contratos americanos, eles gostam do rascunho que você escreveu e te dão uma soma grande em dólares para você escrever o livro. Isso é bom. Eu por exemplo já tive quatro editoras querendo lançar meu livro. Isso é bom porque há uma concorrência. Então esta situação está realmente mudando. Agora, o calcanhar de Aquiles eterno é a tradução que é péssima.

P. – Por que, eles pagam mal os tradutores?

Leo – Possivelmente porque não pagam bem e também porque são pessoas afoitas que dizem que sabem espanhol, inglês, francês, alemão e não sabem. Então você na realidade tem no Brasil, uma meia dúzia de ótimos tradutores e no mínimo dois não são brasileiros. Aprenderam português como Herbert Caro que traduziu Thomas Mann e que é alemão e que traduziu Herman Broch e mora no Rio Grande do Sul. Você tem a Tatiana Belink que é russa e traduz magnificamente para o português. Depois você tem a Lya Luft que é bilíngue que fala otimamente alemão e português e traduziu Gunther Grass maravilhosamente bem. Depois temos o Jaime Cristaldi que traduziu o Ernesto Sábato muito bem e tem o Milton Pessoa que traduz Hemingway e o Remy Borba Filho que traduz muito bem os livros do Mário Vargas Llosa e a Martha Calderaro que demorou dezoito anos traduzindo a Yourcenar e o José Paulo Paes que traduz os gregos, o que é muito pouco. Fora os livros muito importantes que não são sequer mencionados.Tenho mais de cem.

P. – Mas isso é problema dos editores que não investem fundo em cultura?

Leo – Sim porque eles não têm a audácia de saber que vão perder dinheiro num livro que vai vender pouco, mas que é importantíssimo. Há um sábio, um estudioso norte-americano, Boswow que passou anos da vida dele, estudando hebraico, aramaico, latim, persa, grego antigo, inglês, francês, provençal, português espanhol e que escreveu um livro fundamental sobre história e que foi o melhor livro de história daquele ano e inclusive ganhou o Pullitzer e que era um livro chamado A Cristandade, a Homossexualidade e a Tolerância Social onde ele mostrava que até santos, bispos e papas haviam sido homossexuais e, portanto esta atitude de absoluto preconceito da Igreja Católica era uma coisa da Renascença para cá, mas que na Idade Média era de certo modo abafado, tolerado. E no Brasil ficamos privados desse livro, Depois também um livro importantíssimo daquele matemático russo Leonid Plyushen, ele escreveu Carnaval da História, onde relata o que foi o seu julgamento sumário, como dissidente e sua prisão numa clínica psiquiátrica na qual lhe aplicavam alucinógenos na jugular e na carótida. E ele sobreviveu e está na França. Outro livro que foi pouquíssimo divulgado no Brasil numa edição quase clandestina é Contra Toda a Esperança daquele poeta cubano que estava em cadeiras de rodas. Enfim, são livros que por motivos ideológicos ou eclesiásticos não chegam ao Brasil.

P. – Isso significa que ainda existe censura?

Leo – Existe uma forte censura. Existe aquele livro importantíssimo de três volumes do Kolakoski que é talvez a maior autoridade mundial do marxismo e ele estuda as origens, o auge e a decadência do marxismo. Porque os vários PCs que o existem no Brasil impedem que debatamos, por exemplo, o problema do Gorbatchev. Foi preciso uma editora de bastante peito, chamada Best Seller para lançar no Brasil, porque parece que havia certa dúvida: quanto tempo ele vai durar no governo. E também porque Fidel Castro não aprova o Gorbatchev e isso brecava um pouco. Porque o comunismo brasileiro de modo geral é estalinista, nós estamos quase setenta anos atrasados até no comunismo...

P. – Até no comunismo?

Leo – Em tudo. Veja no Japão você tem uma máquina pequenina para controlar o televisor. Agora na parede você pode tomar a parede inteira se você quiser com a tela. E mais uma coisa ali na tela tem um bocal que tem um disco, igual ao do telefone e quando acaba o programa, o filme, o musical seja o que for, sai um número e você anota o telefone e liga para a emissora diz o número de cópias que quer daquilo, diz o número da sua conta telefônica e daí a vinte minutos a fita cai em suas mãos. (gargalhadas)

P. – Quer dizer que estamos anos luz atrasados?

Leo – É como eu digo, não estamos com reserva de informática, estamos com reserva de burrice. O Brasil é uma burrice que vai do Oiapoque ao Chuí (risos).

P. – Somos Prêmios Nobel?

Leo – Somos. Existem capitanias de burrice com donatários importantíssimos e que não largam, são piores que a Nomenklatura. Somos os marajás da incultura que deixam o Brasil se atrasar tecnologicamente cada vez mais. E isso não acabou quando o Sarney saiu. O Sarney, o Jango, o Getúlio Vargas sem dúvida, os piores desgovernos que tivemos. Porque o Sarney é um político do interior do Maranhão e com uma cabeça correspondente, ele quis dirigir uma Nação que está em grande parte industrializada como se fosse um feudo nordestino. Agora isso só agrava o problema do feudalismo econômico do próprio Nordeste onde você está criando crianças sem cérebro porque estão desnutridas, elas comem farinha com água. E depois de cinco anos você pode dar quantidades imensas de comida que não adianta nada. Isso faz parte de um memorando antigo feito pela UNESCO sobre a infância desvalida, agora vamos ver o que vai dar porque não é possível também um país entregar aos grandes proprietários rurais de um lado e de outro lado, os utopistas cubanos. Vai dar uma rumba que ninguém vai poder dançar (risos).

P. – Escuta Leo, aquela velha história sobre o pequeno número de brasileiros que lê, seria verdadeira ainda hoje, ou você diria que houve um progresso neste sentido? As novas gerações ainda lêm em sua opinião e mais literatura brasileira? Afinal pode-se dizer que há uma maior divulgação da literatura nos últimos, digamos dez anos com alguns autores como Loyola, Lygia Fagundes Telles, João Antonio e outros fazendo campanha de divulgação através de palestras em escolas, participação em congressos nacionais e internacionais. Você diria que esta atividade tem sido responsável pelo alargamento do público ledor de literatura nacional?

Leo- Houve um progresso dentro do esgotamento do poder aquisitivo da classe média porque quando justamente a classe média estava ascendendo, ela ficou achatada no seu salário. E lógico, toda família a primeira coisa que corta é o livro, o meu livro eu lamento, está acho excessivamente caro. Ele começou a R$ 3,50 eu acho triste porque eu preferia abrir mão de alguns direitos meus e que ele chegasse a mais gente. Já a editora não fez nenhuma divulgação do livro, que eu achei singular. Eles publicam o livro e não divulgam.

P. – E, no entanto é a Best-Seller que é da Editora Abril e você além de tudo é jornalista.

Leo – Se não fossem meus amigos, jornalistas, críticos que gostaram e escreveram... Você vê, nunca fui convidado para ir a TV. É muito estranho porque afinal eles fazem o livro, gastam um dinheirão, quer dizer seria benéfico para a própria editora. Agora, hoje, há uma grande curiosidade para a leitura e hoje as pessoas estão recorrendo a uma espécie de consórcio individual para poder comprar livros, fazer compra na livraria e pagar em prestações. Eu comprei a Correspondência do Flaubert, da Gallimard, que me custou cinco meses de salário. Agora respondendo a sua pergunta anterior, a presença do escritor estimula muito a plateia a conhecer a obra, sem dúvida. E há muitas professoras de nível ginasial, abnegadas que conseguem incutir em meia dúzia de alunos o gosto pela literatura. Claro que houve uma explosão, porque apesar de todas as falências do Brasil, ele já é o terceiro ou quarto produtor de livros das Américas, quer dizer Estados Unidos, México e Argentina. Agora realmente o mercado de livros ampliou-se mil por cento. Você vê muitas pessoas percorrendo sebos e não são apenas bibliófilos. São pessoas que querem os livros, não importa se é velho. E agora tem uma novidade: Os editores não têm mandado livros para nós, os críticos. As editoras têm uma cota para divulgação. E como vou saber da existência do livro? Tenho que ir as livrarias e comprar.

P. – E quanto aos veículos que divulgam a literatura? Vamos recordar: Suplemento Cultura de O Estado de São Paulo, o Caderno Leitura do Jornal da Tarde, o Suplemento Ideias do Jornal do Brasil, os Cadernos Dois dos vários jornais, enfim você diria que eles são suficientes? Você teria números para comprar com outros países?

Leo – Olha pode parecer que eu esteja falando em causa própria, mas o Caderno de Sábado do Jornal da Tarde, dirigido pelo Cleber de Almeida com muita competência já ganhou dois prêmios da Câmara Brasileira de Livros e um prêmio da APCA como melhor órgão de divulgação do Brasil. É superior, dizem eles, ao Jornal Ideias do Jornal do Brasil. Então existiu o Leia, mas o Leia era mais informativo, o Nicolau, o 34 que é uma revista de literatura e não podemos esquecer o Suplemento Literário de Minas Gerais que continua sendo muito importante. Eles não são suficientes porque nós não temos, por exemplo, uma revista exclusivamente de livros como a França tem o Lire. O Lire está ligado a um programa de mais de uma hora que fala só de livros. Então ele convida o autor, o crítico ou ele mesmo fala sobre o livro. A nossa televisão divulga muito timidamente o livro. O Mauricio Kubrusly de vez em quando faz isso e a Márcia Carpentier recebe alguns escritores, fala de livros. Mas enfim vejo esta questão com certa esperança.

P. – Seria fundamental que as próprias editoras fizessem a divulgação. Afinal elas seriam as primeiras beneficiárias. Isso é contraditório, não é?

Leo – As editoras americanas, só das universidades, fizeram ano passado, publicidade no valor de 2 bilhões de dólares e nós não fizemos nada. Cada editora devia ter uma percentagem de publicidade paga nos veículos. E agora houve aquele projeto do Jece Valadão e do Jorge Cunha Lima o ticket cultural que dará acesso a espetáculos. Eu já sugeri ao Jornal da Tarde que assim como eles fornecem cupom que dá desconto de 30% aos espetáculos de teatro, que fizessem o mesmo com livros. A Grande São Paulo tem 13 milhões de habitantes ou mais. Se calcularmos que no ano 2000 serão 30 milhões, que é a segunda cidade do mundo, depois da Cidade do México, como não temos aquela padaria espiritual que não fecha, como em Nova York?

P. – Dia e noite...

Leo – Dia e noite, até quatro, cinco da manhã. Muitas vezes você não está com vontade de ver televisão, porque os programas são ruins, você pega seu carro vai para a rua, para as livrarias. O acesso ao livro do ponto de vista comercial é muito restrito aqui no Brasil, é quase horário bancário se a gente exagerar um pouco. Durante o dia, todo mundo está trabalhando e de domingo? Ninguém pode comprar livro? Restaurante, teatros ficam abertos até tarde da noite, porque não livrarias? Depois era preciso tornar mais ágil o tal do reembolso postal. Você pede o livro e paga quando ele chegar só que é um pouco moroso o trabalho, porque o livro não chega ao destinatário com grande velocidade. Por exemplo, se é um livro que vem do estrangeiro você tem que ir a uma repartição e esperar horas na fila para recolher seu colie postaux. Tudo precisaria ser agilizado.

P. – Como isso funciona em outros países?

Leo – Eles entregam na sua casa e no período de 24 horas. Isso não ocorre aqui porque o Brasil ainda é lusitanamente burocrático, ficou na era colonial a era da desconfiança em que os dízimos de ouro não chegavam à Coroa. É o país dos certificados, dos carimbos. O brasileiro parte da desconfiança. Agora não podemos esquecer que a Editora Abril tem o Círculo do Livro que já tem um milhão de sócios e eles atingem muita gente porque o livro fica barateado com edições grandes e chega a um número bastante amplo de pessoas perdidas em aldeias no Tocantins, Goiás onde não há livrarias. Eu insisto nisso há mais de vinte anos: deveria haver um plano estadual ou municipal para que cada livraria tivesse uma verba para comprar seu imóvel, porque muitas livrarias desaparecem porque o aluguel sobe tanto. Então a empresa estadual ou municipal teria uma verba da Educação. Há lugares no Brasil em que não há uma livraria.

P. – Isso sem falar em bibliotecas, não é Leo?

Leo – Ah, a biblioteca é um negócio muito sério. Você vê a Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo, capital, está numa situação calamitosa. O acervo há oito anos não é atualizado, as portas estão seguras com pilhas de jornais, os livros raros não tem ar condicionado, muitos deles estão apodrecendo. Seria preciso fazer outro edifício grande e climatizado ao lado da biblioteca que é da década de 40 para a década de 90. O Centro Cultural São Paulo foi planejado para ser uma segunda Mário de Andrade e acabou sendo fragmentado em pequenos teatros, ou seja, teve sua intenção desvirtuada.

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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