Entre as brisas da distância

Tere Tavares


   

“Quando eu estiver contigo no fim do dia, poderás ver as minhas cicatrizes, e então saberás que eu me feri, e saberás também que me curei”. (Tagore) 

“Elevo essa música para estar ao lado do meu espírito. E ser o que não possuí. A leveza do meu cabelo na turgescência da pele aprende que, para sorrir, talvez seja preciso conhecer o lívido abismo oculto na intimidade das lágrimas. Recorto os rios ocultos nas mãos, que cercam de coerência a indefinida eternidade dos momentos, como se colhesse luas orvalhadas, onde tudo existe velozmente, quando, na morosidade, se parte a grandiosa duna do tempo que, a tudo, celebra com sofreguidão”.

E faz que ouve e escuta, e devolve, em sutil sabedoria, os lábios oblíquos de algo que sabe a sal e fulge de outros braços, como sílabas retorcidas pelo sol a retalhar signos de outros mais, em busca de um círculo, com a pressa do mar que alaga a coreografia azulada dos dias que se despem e dançam como a fender a luz liberta das águas; lama consumida em transparências, sede que desliza sobre o corpo, espuma segregada, irresistivelmente, pela areia: “Minha alegria é silenciosa e amarga como a ponta da margem que o rio não banha. Há um hoje que reservarei para depois e que inscreverei com a raiz da alma, as emanações fluidas à tintura das palavras, o pássaro que tortura o silêncio. O que sabes do pássaro se não o lês? Se não diferencias o canto do grito”? 

Rompe-se um assovio de outro silêncio imprevisto numa ênfase de sonho ou ficção.  De seus piores incêndios, nascem-lhe mais pássaros, esculturas hirtas de histórias, hastes de horas. O ruído deita dúvidas na leitura dos búzios, como se fosse um voo no vazio intermitente dos oceanos, regressando ao seu corpo liberto no êxtase do verbo, entre as folhas breves, movediças, fundas como as sombras que moem a luz e gotejam rosas na fecundidade do encontro, atravessando a obsessão e a ruptura da linguagem numa carícia úmida, maior.

Pensa em toda a eternidade onde não habitará o homem, no fogo perdurando nos sentidos, na coragem de um olhar que desbotará acrescido da cor onipresente, da espessura das palavras que, novamente, sabem a dulcíssimas gotas, cujo centro, é todo o ornamento do que chega para desbotar numa cesura de juventude em que, o divinal tremular dos rostos, permite que se ouça o romper sumário que suga a inexistência, porque é tão súbita a vida, a angústia que antecede a despedida.

Que se exalte o fluxo das lâmpadas límpidas, soletradas na languidez vegetal do nenúfar, onde seja possível, como floresta, biologia e ponto, serenar os braços lúdicos na ternura e desejar o eco repentino; a tensão espessa da memória refazendo-se nas ancestrais varreduras do tempo.  De um lírio roçando a cicatriz – o sangue. 

A saliva da erva emudece na relva e a mulher que era pluma acarinha pássaros, estrelas e luas. Traz, no dorso, a sublimidade das araucárias e, na cabeleira, o perfume das resinas, na veste a tez rendada na polpa do seu mundo, em segredos de alecrim – oferta de campinas e montanhas, seguida de pérolas e núcleos inconfessos.

E se diria pela manhã: “eu planto sorrisos. Sigo para despertencer-me. Os meus carinhos se reconhecem dentro da tua alma – limbo dos carvalhos, gotas que não tem como escolha retornar à nascente, efêmeras, tanto em estado como em matéria. No rústico e breve sabor das alfazemas, saberás que fui um adeus grafado no silêncio, como quem crava, na bruma, uma flor de caracóis. E saberás ainda que foi ao julgar-me perdida que me encontrei, e que essa breve eternidade doura um delirante momento. Um gesto unicamente meu que, a cada pôr de sol, me poderá cingir, reconhecendo-me no que nunca se extingue.  

 

Tere Tavares, escritora e artista plástica, radicada em Cascavel, PR, BRASIL, autora de seis livros publicados "Flor Essência" (poesia 2004), "Meus Outros” poesia e prosa 2007); "Entre as Águas" (prosa 2011 ); “A linguagem dos Pássaros” (poesia Editora Patuá 2014); “Vozes & Recortes” (prosa Editora Penalux 2015) ; “A licitude dos olhos” (contos Editora Penalux 2016). Participante de quatro coletâneas editadas em Portugal: "A arte pela escrita III" (2010) "Cartas ao Desbarato" (2011), "A arte pela escrita IV" (2011) e “A arte pela Escrita VIII” (2015). Consta com trabalhos de prosa e poesia nas “Antologias Febraban” (2007) e (2009) ;  “Saciedade dos Poetas Vivos” Vol 11 (2010) ; “Blocos onLine”; “Contologia” da Revista “Arraia PajeurBR 4, (2013); “Antologia Poética 29 de abril o Verso da Violência" (Editora Patuá 2015)”; “Sobre lagartas e borboletas” (Selo Editorial Scenarium 2015) e “Aquafúria - Uma antologia de Poetas Sedentos" (2015).

Tem ainda trabalhos publicados em vários portais e sites da Internet: “Cronópios”, “Histórias Possíveis”, “Blocos on line”, “Musa Rara”, “Diversos Afins”, “Germina – Revista de Literatura e Arte”, “Escritoras Suicidas”, “Mallarmargens – Revista de poesia e arte contemporânea”, Revistas “Fénix-Logos”- PT, “EisFluências”- PT, “Soletras” de Moçambique, “Vitabreve” – Revista de Arte e Cultura, “Acrobata” número 4, de Teresina-PI. É colaboradora do blog “Dardo”. Participa do portal lusófono litero-artístico “EscrtArtes”. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Edita o blog http://m-eusoutros.blogspot.comE-mail: t.teretavares@gmail.com

 

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