Em estado bruto
A Estrada de Alice, óleo sobre tela, 2006, By Tere Tavares Sinto um imenso vácuo dentro da cabeça. Como se milhares de zunidos dançassem em meus ouvidos. Uma pequena...
Revista digital de Arte e Cultura
Andou para um lado e para outro. Seu entusiasmo não sabia se diria adeus à liberdade ou reconhecia onde estava. Ali o esperava o mar, aquele mar que podia contemplar por intermináveis momentos, e sempre mostraria algo diverso: uma concha, uma profundidade mais transparente, o rastro de uma nuvem, o rumo de outra corrente e as instantâneas ondulações espumando na margem. O som que ouvia assemelhava-se ao terno perfume de um presente recebido há muito tempo, bem distante.
Cada sensação era um tesouro inestimável, de uma euforia irreflexiva, como se pertencesse a um todo que imediatamente se desintegrasse. Onde acabaria alguém de alma demasiado sensível? “Aqui tens o coração de um homem.”
Não podia parar. Era para si mesmo um reflexo luminoso desprovido de qualquer significado. Olhava-se como a gaivota olha o cardume ou como o cardume olha o pássaro. Era um sondar repleto, de luz profunda, uma recompensa inolvidável do prazer de quem vê além do simples esforço das pupilas. Era-lhe irrefragável o sorriso, quase inocente, como quem soubesse ter guardados muitos mais para trazer aos lábios. Seguiu olhando ininterruptamente. Algo brilhava na areia limpa. A água morna molhava seus pés. Não recordava onde havia deixado a última lembrança, tampouco queria encontrá-la. Novamente percebeu o brilho na areia. Inclinou-se e recolheu o que lhe parecia ser um metal precioso. Já contava com algo. Fez uma pequena pausa. Em sua multidão de silêncios a voz do mar era o próprio corpo do mar que o domava e o refazia. Estendeu as mãos contra o sol. O brilho sumiu por entre os dedos. Consumiram-se os elos das coisas secretas.
Uma suave ironia marcou sua fronte persistente. Sorriu com a mesma bondade de antes. O mar agora era verde, brilhantemente verde e solitário. Com a cabeça inclinada caminhou como sabem caminhar os que não perdem jamais o que tanto se custa a conseguir ou não têm qualquer preocupação com as vis necessidades humanas – alimento, descanso ou amor.
Como se entrelaçado em incomensuráveis variantes e obviedades dirigiu-se ao indefinível com a doçura de quem só podia murmurar: “Aqui tens uma estrela mais intensa do que a minha”.
Tere Tavares é escritora e artista plástica. Radicada em Cascavel, PR, tem quatro livros publicados de prosa e poesia, sendo o mais recente A linguagem dos Pássaros (poesia 2014) , publicado pela Editora Patuá, SP. Tem textos publicados em várias antologias e coletâneas no Brasil e exterior sendo a mais recente: Na margem do silêncio & alguma abstração (poesia 2015) que reúne poetas da África, América e Europa. Publica ainda em diversos Portais e Revistas Eletrônicas. Integra a Academia Cascavelense de Letras e edita o blog
http://meusoutros.blogspot.com