Em estado bruto
A Estrada de Alice, óleo sobre tela, 2006, By Tere Tavares Sinto um imenso vácuo dentro da cabeça. Como se milhares de zunidos dançassem em meus ouvidos. Uma pequena...
Revista digital de Arte e Cultura
Eu era pessimista. Ou melhor, assim me considerava. Diante dos fatos atuais, nem realistas mais sou. Irreconhecível, brotou-me algo não semeado, muito menos cultivado. Mágica, surgiu que nem coelho da cartola. Como aquela outra da caixa, a de Pandora, quando tudo o mais voou. Sorrio enquanto escrevo. Um sorriso que não precisa de espelho para ver sua veracidade, tanto quanto no escuro do sono tenho gargalhado, dizem. Dialogo com lembranças e registros de memória e, talvez porque mau arquivista, nada encontro que se assemelhe a isso.
Retalhos de uma utopia ainda me vem à mente. Do que mais me recordo é do cheiro e da cor do sangue. Não é uma metáfora: na tortura, como preso político. Também de mornas e solitárias lágrimas diárias, quando meu microcosmo sumiu. E eu, junto. Exilado, principalmente de mim. A distância (física e geográfica) mais do que a dor, levou-me a outras fronteiras, as da razão. Só depois de muito enlouquecer me curei, como num processo analítico. No estrangeiro, o conforto de assim me sentir. Depois de amargar o nada ter, a descoberta de que só(?) queria ser: que pretensão, o luxo do consumismo! E a literatura, parte de minha salvação. Onde me ancoro e navego. Amarro-me e me solto, body jump na vida. Aqui tudo posso e experimento, mais corajoso e permissivo ainda.
Acredito no amor. Aliás, amar é que é acreditar. No outro. É a própria esperança. Minha única fé, desde então, meu único partido, a mulher que eu amo. Independente por natureza, sempre à margem, na terceira via, sem obedecer a ninguém, até que ela apareceu. Por ela ajoelho e rezo. Com ela me acalmo e durmo. Narradora de mim, mesmo em silêncio. Dos vários mins que existem, e que ela – ó glória – nunca tentou classificar, rotular, muito menos unificar. Sem pretender, assim que chegou calcificou a fratura de que eu padecia. Foi o sol e, paradoxo, a não imobilização de que precisava para melhor consolidá-la. Sem gesso algum. Poder me movimentar livremente, partir e voltar, se e quando quiser. Enquanto ela me fizer sentido. A leitora privilegiada que termina o livro que sou sempre em edição.
Ana Guimarães é carioca, psicanalista e publica no seu blog
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http://www.germinaliteratura.com.br/ana_guimaraes.htm
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