Em estado bruto
A Estrada de Alice, óleo sobre tela, 2006, By Tere Tavares Sinto um imenso vácuo dentro da cabeça. Como se milhares de zunidos dançassem em meus ouvidos. Uma pequena...
Revista digital de Arte e Cultura
Revelam-me os satélites ou mitos, o furor de um silencioso chamado, viagens desassossegadas, detenças a dormitar no granito perpétuo, no interior das casas – a que se assemelham os teus lábios?
Riqueza de sombras maiores usufruem os bálsamos das espumas dulcíssimas da terra às cores das especiarias. Uma vez mais saberei o que não segregam os beijos das estrelas, a solidão da pele a arder na lucidez das magnólias. A que sabor pertences quando me olhas, ébrio dorso de revelações primaveris? Permeio teus altares, leves, de palavras intactas, de amorosos paraísos, de páginas adormecidas sobre a relva. Reverencio a melodia laminar das nozes noturnas, púrpura de raízes e chamas que, lavadas de cristal, enrubescem as lianas subidas na porta.
As buganvílias florescidas suspiram entres as neblinas, e ferem a harpa em notas angelicais, magnitudes de erva a suspenderem-se nos verbos – não encontro nenhum nome fora do que se torna e amadurece; e corta, mesmo agora quando a chuva é um lençol finíssimo e fértil, a salpicar de pequeninas fagulhas o clamor dos jardins, rosas brancas, pitangueiras doces amadurando o caminho que descaminha logo adiante, remoto, frugal, sabendo à canela e jaspe.
A fonte segue um som plantado fora dos abismos, como um cabaz repleto de nenhumas coisas – passos melódicos a perfurar a manhã, os arbustos molhados de essências, sabor de sálvia e alfazema, segredos a ruminar a fragilidade dos fios, da tessitura de cílios, compêndios esvoaçantes a darem-se ao tempo – criatura viva onde te serves, e de sentimentos, ferves na ruptura que te põem nu. Viveiro de letras nômades, em diálogo aberto, chegas à tona, em mim, como um desenho de astros a deduzir a promessa no lamento faminto de um violino.
Volto a ser ternura no fundo das casas –nada lhes posso dar que já não possuam – majestosa e pura fada em estiletes de lágrimas. As lentidões onduladas, por vezes tão leves e azuis, como as aves lívidas que ceifam o ar e se erguem em ramagens de música madura, quer o âmago sangre ou o mundo deixe de ser mundo, as suas relíquias vivas são fímbrias que buscam a doçura das amêndoas, nas crisálidas neutras, como densos clamores de espelhos.
O colo que almejo a cada final de jornada, suspensa em luz – ombro de eternidade, sem atinar se há finalidade ao conhecer o momento de um barco ou a garoa de uma insônia esquecida. Qual o caminho que saberá à flor indisposta que se oferece aos pensares, à infinidade finita do esquecimento? Quem sabe, algo divino possa falar e uma escuridão de silêncios ilumine o tremeluzir inesperado das palavras. Surpreendo-me numa asa de orquídea, na forma inaugural das estrelas, reconhecendo-me na fluência da letra que nascerá, invariavelmente, por primeiro. Falas de mel, núncias de ti, como águas aladas – o misterioso nome, todos os nomes dados à brisa em benfazejos perfumes a moldar a luz.
Não há mistério porque tudo é sigiloso. Preciso me entorpecer de pássaros. Crepitar como a lua entre as águas e seus caudais perplexos. O voo é vertigem, serenidade subentendida e terna. Sonhemos, não importa se acordados ou a dormir. Ouço. Que seriamos sem o outro ensinando-nos a exercer racionalmente a loucura?
A consciência final ainda é porvir, tal como o dia que completa mais um ano, de um navio de silêncios que chega às raias impronunciadas, à respiração do crepúsculo – talvez uma transparência se torne velame, afluente de sopros desconhecidos – a dizer-me num anjo que tange o azul inesperado, as esperanças que superam o anúncio do olvido.
Digo-me, ainda, num dezembro que se abre em sulcos de fertilidade, não o olhar, mas a vigília, o jovial aniversário dos voos sobre a derme terna da água que não perdeu a face para os ter.
Tere Tavares, escritora e artista plástica, radicada em Cascavel, PR, BRASIL, autora de seis livros publicados "Flor Essência" (poesia 2004), "Meus Outros” poesia e prosa 2007); "Entre as Águas" (prosa 2011); “A linguagem dos Pássaros” (poesia Editora Patuá 2014); “Vozes & Recortes” (prosa Editora Penalux 2015); “A licitude dos olhos” (contos Editora Penalux 2016). Participante de quatro coletâneas editadas em Portugal : "A arte pela escrita III" (2010) "Cartas ao Desbarato" (2011), "A arte pela escrita IV" (2011) e “A arte pela Escrita VIII” (2015) . Consta com trabalhos de prosa e poesia nas “Antologias Febraban” (2007) e (2009) ; “Saciedade dos Poetas Vivos” Vol 11 (2010) ; “Blocos onLine”; “Contologia” da Revista “Arraia PajeurBR 4, (2013) ; “Antologia Poética 29 de abril o Verso da Violência" (Editora Patuá 2015)”; “Sobre lagartas e borboletas” (Selo Editorial Scenarium 2015) e “Aquafúria - Uma antologia de Poetas Sedentos" (2015).
Tem ainda trabalhos publicados em vários portais e sites da Internet: “Cronópios”, “Histórias Possíveis”, “Blocos on line”, “Musa Rara”, “Diversos Afins”, “Germina – Revista de Literatura e Arte”, “Escritoras Suicidas”, “Mallarmargens – Revista de poesia e arte contemporânea”, Revistas “Fénix-Logos”- PT, “EisFluências”- PT, “Soletras” de Moçambique, “Vitabreve” – Revista de Arte e Cultura, “Acrobata” número 4, de Teresina-PI. É colaboradora do blog “Dardo”. Participa do portal lusófono litero-artístico “EscrtArtes”. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Edita o blog http://m-eusoutros.blogspot.comE-mail: t.teretavares@gmail.com