Rever

Tere Tavares


  

Revelam-me os satélites ou mitos, o furor de um silencioso chamado, viagens desassossegadas, detenças a dormitar no granito perpétuo, no interior das casas – a que se assemelham os teus lábios? 

Riqueza de sombras maiores usufruem os bálsamos das espumas dulcíssimas da terra às cores das especiarias. Uma vez mais saberei o que não segregam os beijos das estrelas, a solidão da pele a arder na lucidez das magnólias. A que sabor pertences quando me olhas, ébrio dorso de revelações primaveris?  Permeio teus altares, leves, de palavras intactas, de amorosos paraísos, de páginas adormecidas sobre a relva.  Reverencio a melodia laminar das nozes noturnas, púrpura de raízes e chamas que, lavadas de cristal, enrubescem as lianas subidas na porta.

As buganvílias florescidas suspiram entres as neblinas, e ferem a harpa em notas angelicais, magnitudes de erva a suspenderem-se nos verbos – não encontro nenhum nome fora do que se torna e amadurece; e corta, mesmo agora quando a chuva é um lençol finíssimo e fértil, a salpicar de pequeninas fagulhas o clamor dos jardins, rosas brancas, pitangueiras doces amadurando o caminho que descaminha logo adiante, remoto, frugal, sabendo à canela e jaspe. 

A fonte segue um som plantado fora dos abismos, como um cabaz repleto de nenhumas coisas – passos melódicos a perfurar a manhã, os arbustos molhados de essências, sabor de sálvia e alfazema, segredos a ruminar a fragilidade dos fios, da tessitura de cílios, compêndios esvoaçantes a darem-se ao tempo – criatura viva onde te serves, e de sentimentos, ferves na ruptura que te põem nu. Viveiro de letras nômades, em diálogo aberto, chegas à tona, em mim, como um desenho de astros a deduzir a promessa no lamento faminto de um violino.

Volto a ser ternura no fundo das casas –nada lhes posso dar que já não possuam – majestosa e pura fada em estiletes de lágrimas. As lentidões onduladas, por vezes tão leves e azuis, como as aves lívidas que ceifam o ar e se erguem em ramagens de música madura, quer o âmago sangre ou o mundo deixe de ser mundo, as suas relíquias vivas são fímbrias que buscam a doçura das amêndoas, nas crisálidas neutras, como densos clamores de espelhos. 

O colo que almejo a cada final de jornada, suspensa em luz – ombro de eternidade, sem atinar se há finalidade ao conhecer o momento de um barco ou a garoa de uma insônia esquecida. Qual o caminho que saberá à flor indisposta que se oferece aos pensares, à infinidade finita do esquecimento? Quem sabe, algo divino possa falar e uma escuridão de silêncios ilumine o tremeluzir inesperado das palavras. Surpreendo-me numa asa de orquídea, na forma inaugural das estrelas, reconhecendo-me na fluência da letra que nascerá, invariavelmente, por primeiro. Falas de mel, núncias de ti, como águas aladas – o misterioso nome, todos os nomes dados à brisa em benfazejos perfumes a moldar a luz.  

Não há mistério porque tudo é sigiloso. Preciso me entorpecer de pássaros. Crepitar como a lua entre as águas e seus caudais perplexos. O voo é vertigem, serenidade subentendida e terna. Sonhemos, não importa se acordados ou a dormir. Ouço. Que seriamos sem o outro ensinando-nos a exercer racionalmente a loucura?

A consciência final ainda é porvir, tal como o dia que completa mais um ano, de um navio de silêncios que chega às raias impronunciadas, à respiração do crepúsculo – talvez uma transparência se torne velame, afluente de sopros desconhecidos – a dizer-me num anjo que tange o azul inesperado, as esperanças que superam o anúncio do olvido.

Digo-me, ainda, num dezembro que se abre em sulcos de fertilidade, não o olhar, mas a vigília, o jovial aniversário dos voos sobre a derme terna da água que não perdeu a face para os ter.

  

Tere Tavares, escritora e artista plástica, radicada em Cascavel, PR, BRASIL, autora de seis livros publicados "Flor Essência" (poesia 2004), "Meus Outros” poesia e prosa 2007); "Entre as Águas" (prosa 2011); “A linguagem dos Pássaros” (poesia Editora Patuá 2014); “Vozes & Recortes” (prosa Editora Penalux 2015); “A licitude dos olhos” (contos Editora Penalux 2016). Participante de quatro coletâneas editadas em Portugal : "A arte pela escrita III" (2010) "Cartas ao Desbarato" (2011), "A arte pela escrita IV" (2011) e “A arte pela Escrita VIII” (2015) . Consta com trabalhos de prosa e poesia nas “Antologias Febraban” (2007) e (2009) ;  “Saciedade dos Poetas Vivos” Vol 11 (2010) ; “Blocos onLine”; “Contologia” da Revista “Arraia PajeurBR 4, (2013) ; “Antologia Poética 29 de abril o Verso da Violência" (Editora Patuá 2015)”; “Sobre lagartas e borboletas” (Selo Editorial Scenarium 2015) e “Aquafúria - Uma antologia de Poetas Sedentos" (2015).

Tem ainda trabalhos publicados em vários portais e sites da Internet: “Cronópios”, “Histórias Possíveis”, “Blocos on line”, “Musa Rara”, “Diversos Afins”, “Germina – Revista de Literatura e Arte”, “Escritoras Suicidas”, “Mallarmargens – Revista de poesia e arte contemporânea”, Revistas “Fénix-Logos”- PT, “EisFluências”- PT, “Soletras” de Moçambique, “Vitabreve” – Revista de Arte e Cultura, “Acrobata” número 4, de Teresina-PI. É colaboradora do blog “Dardo”. Participa do portal lusófono litero-artístico “EscrtArtes”. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Edita o blog http://m-eusoutros.blogspot.comE-mail: t.teretavares@gmail.com

 

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