Em estado bruto
A Estrada de Alice, óleo sobre tela, 2006, By Tere Tavares Sinto um imenso vácuo dentro da cabeça. Como se milhares de zunidos dançassem em meus ouvidos. Uma pequena...
Revista digital de Arte e Cultura
A vigilância inflexível originava-se da seriedade com que se observava. Atrás das atitudes por demandar, um sorriso mordido embranquecia as molduras e teimava em não fazer parte das gotículas de uma láurea que, talvez, nunca tivesse desejado.
Não reconhecia o homem emudecido que a fitava; ela mesma não compusera pela própria vontade aquele apego. A posição rígida e ausente, como num transe. Seus lábios severos e o rosto ebúrneo palpitavam entrecortados numa conexão aparentemente despida de reflexos – uma intrusão.
Queria ver o invisível, sentir o pulsar da permanência e sua trama secreta. Por entre os ecos que eram, por sua vez, a repetição de outros ecos mais distantes, o intuito de mover-se se desenrolava em detalhes de pequenas relíquias. Aquela silhueta difusa não se representava por completo, mas perdurava-se como a inextinguível emanação do espelho que lhe dera morada.
A tentação inútil da aragem e seu choro contido persistiam umectando, debilmente, a casca das achas por arder nas chamas irredutíveis do tempo. Inconsumível.
A fina coluna da janela confundia-se, desfazendo-se, breve como um sonho de fios, como a respiração do quarto para, quiçá, acabar noutro fogo raquítico e incoerente.
“Assim te semeias vida minha. O que seríamos sem o que há para crer? O etéreo, por certo, abrirá as asas para quem é pássaro. Ou anjo? O conforto do mundo não deveria desconfortar-me”.
Permanecia anestesiada pela indecisão, entre a fé e a realidade – gemidos asperamente maiores que a noite instilada na dureza gélida dos seus olhos, representações que nada desejavam senão a serenidade cruel da concretude.
Esquecer-se de perguntar: uma probabilidade não considerada. As interrogações deixavam a pele para se filtrarem nas retinas do coração.
Aproveitaria para reler-se na projeção triplicada, predileta, provavelmente durante o sono que, invariavelmente, tardava. O crime ausente que a fitava, tanto do mundo quanto a do seu reflexo de majestade inversa, integravam um fato que preferia pretérito.
A celebração, como se fosse uma vitória atônita, continuaria viva, em algum lugar indefinido, enquanto a suntuosidade instigante de uma indumentária irreconhecível, dizia-lhe que, no amor, inexiste a perfeição ou a possibilidade do envelhecimento, assim como são lábeis os diamantes da juventude.
Tere Tavares, escritora e artista plástica, radicada em Cascavel, PR, BRASIL, autora de seis livros publicados "Flor Essência" (poesia 2004), "Meus Outros” poesia e prosa 2007); "Entre as Águas" (prosa 2011); “A linguagem dos Pássaros” (poesia Editora Patuá 2014) ; “Vozes & Recortes” (prosa Editora Penalux 2015) ; “A licitude dos olhos” (contos Editora Penalux 2016). Participante de quatro coletâneas editadas em Portugal: "A arte pela escrita III" (2010) "Cartas ao Desbarato" (2011) , "A arte pela escrita IV" (2011) e “A arte pela Escrita VIII” (2015) . Consta com trabalhos de prosa e poesia nas “Antologias Febraban” (2007) e (2009) ; “Saciedade dos Poetas Vivos” Vol 11 (2010) ; “Blocos onLine”; “Contologia” da Revista “Arraia PajeurBR 4, (2013); “Antologia Poética 29 de abril o Verso da Violência" (Editora Patuá 2015)”; “Sobre lagartas e borboletas” (Selo Editorial Scenarium 2015) e “Aquafúria - Uma antologia de Poetas Sedentos" (2015).
Tem ainda trabalhos publicados em vários portais e sites da Internet: “Cronópios”, “Histórias Possíveis”, “Blocos on line”, “Musa Rara”, “Diversos Afins”, “Germina – Revista de Literatura e Arte”, “Escritoras Suicidas”, “Mallarmargens – Revista de poesia e arte contemporânea”, Revistas “Fénix-Logos”- PT, “EisFluências”- PT, “Soletras” de Moçambique, “Vitabreve” – Revista de Arte e Cultura, “Acrobata” número 4, de Teresina-PI. É colaboradora do blog “Dardo”. Participa do portal lusófono litero-artístico “EscrtArtes”. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Edita o blog http://m-eusoutros.blogspot.comE-mail: t.teretavares@gmail.com