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Cesar Lattes: o físico brasileiro co-descobridor dos mesons pi

Ana Lúcia Vasconcelos


    

     Conhecido internacionalmente por sua descoberta, juntamente com o físico italiano Giuseppe Occhialini e o físico britânico Cecil Powell do méson pi, partícula atômica, Cesar Lattes (1924-2005) nasceu em Curitiba onde fez seus primeiros estudos. Mudou-se para São Paulo onde estudou no Dante Alighieri e Escola Politécnica. Formou- se em física e matemática na Universidade de São Paulo  em 1943 onde com 19 anos era assistente da Cadeira de Física Teórica. Pelo seu brilhantismo foi convidado pelo professor Giuseppe Occhialini para fazer parte de um grupo  de pesquisa no Laboratório  da Universidade de Bristol na Inglaterra sob a direção do britânico Cecil Orwell. Durante dois anos estudou os raios cósmicos em laboratório montado nos Andes , mais precisamente no Monte Chacaltaya na Bolívia onde detectou o méson pi, dando inicio a nova área de pesquisa- a física das partículas.

Méson pi o que é afinal? 

     E afinal o que é o méson pi? O conceito de mésons como as partículas portadoras de força nuclear foi proposto pela primeira vez em 1935 por Hideki Yukawa. Inicialmente  pensava-se que o múon seria esta partícula mas com a descoberta dos mésons descobriu-se que o múon não participava da força nuclear forte. Os pions que foram descobertos mais tarde- os carregados em 1947 e os pions neutros em 1950 acabaram por ser exemplos de mésons. Em 1947 os primeiros mésons verdadeiros, os pions carregados -foram encontrados  por uma equipe da Universidade de Bristol no Reino Unido da qual fazia parte o brasileiro Cesar Lattes, Cecil Powell e Giuseppe Occhialini. Tanto Yukawa quanto Powell ganharam o  Nobel da Física- o primeiro em 1949 e o segundo em 1950. Ainda que Cesar Lattes tenha sido o principal pesquisador e  autor do artigo que descreve o meson pi apenas Cecil Powell recebeu o premio. Dizem os entendidos no assunto que talvez isso se deva  aos critérios usados pelo Comitê do Nobel até 1960 que era justamente dar o premio apenas  para o líder da pesquisa. Cesar Lattes foi  ainda bolsista da Fundação Rockfeller na Universidade da Califórnia nos Estados Unidos sendo considerado o maior cientista brasilleiro. 

Estudo dos raios cósmicos

 

     Assim de 1947 a 1948 Cesar Lattes iniciou sua principal linha de pesquisa- o estudo dos raios cósmicos descobertos em 1932 pelo físico norte americano Carl David Anderson. Ele montou um laboratório a mais de 5 mil metros de altitude em Chacaltaya montanha nos Andes, na Bolívia, empregando chapas fotográficas para registrar os raios cósmicos. Em 1949 voltou para o Brasil  assumindo o cargo de professor e pesquisador na Universidade do Rio de Janeiro onde participou junto com outros cientistas da Fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas .

    Depois de outra estada nos Estados Unidos de 1955 a 1857 voltou para o Brasil onde aceitou uma posição na sua alma mater- o Departamento de Física da Universidade de São Paulo. Neste mesmo ano ingressou na Academia Brasileira de Ciências. Foi para Campinas  em 1963  e ajudou a fundar o Instituto de Física. Em 1967 aceitou a posição de professor titular no Instituto Gleb Wataghin de Física na Universidade de Campinas (Unicamp) nome que se originou de seu professor fundador. Tornou-se também diretor do Departamento de Raios Cósmicos, Altas Energias e Léptons.

    Em 1969  ele e seu grupo descobriram a massa das co-denominadas bolas de fogo- fenômeno espontâneo que ocorre durante colisões de altas energias que tinham sido detectadas pela utilização de chapas de emulsão fotográfica nucleares inventadas por ele e colocadas no pico do Chacaltaya nos Andes Bolivianos.

      Cientista brasileiro dos  mais renomados e honrados, seu trabalho foi fundamental para o desenvolvimento da física atômica sendo também líder cientifico de física brasileira  e uma das personalidades mais importantes na criação do importante Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) . Em sua homenagem a entidade batizou o sistema utilizado para cadastrar cientistas , pesquisadores e estudantes com o nome de Plataforma Lattes. Cesar Lattes é um dos poucos brasileiros  que consta na Biographical Encyclopedia of Science and Technology de Isaac Asimov  e da Encyclopaedia Britannica. Aposentou-se em 1986  como professor emérito da Unicamp. Continuou a morar na Cidade Universitária. Morreu em março de 2005 de um ataque cardíaco sendo que a Unicamp, em sua homenagem  batizou a principal biblioteca da universidade como Biblioteca Cesar Lattes.  

História da entrevista

 

      Esta matéria foi publicada no Jornal de Domingo  de  Campinas em junho de 1976, portanto há 44 anos e ele tinha 52. César Lattes morreu em 2005 (1924-2005) mas vou reproduzi-la como está para não perder a graça. Depois desta entrevista fiquei amiga dele e o apresentei a Hilda Hilst , ou melhor eu levei a Hilda à casa dele para ela contar a história dos gravadores, da experiencia que ela fazia com gravadores, vozes do além, etc. Graças a Deus somos todos bem loucos e ele nos recebeu muito bem e ouviu tudo o que a Hilda contou e disse: “Hilda a Física está engatinhando ainda, portanto não temos as respostas todas.” Depois disso, para provar mais uma vez que não somos muito normais eu , que criei na Cidade Universitária, onde morei certo tempo, justamente neste tempo da entrevista , um Centro de Estudos que era na verdade uma escola de arte,  certo dia liguei para ele pedindo sugestões de um tipo de estatuto para o tal Centro. Ele foi a minha casa e me levou os Estatutos da Unicamp. Só de lembrar caio na risada. Gente que bons tempos aqueles em que eu tinha amizade com gênios!

 ALV

  

Magro com uma calvície pronunciada, espirituoso, quatro filhos e 75% de chance de ter ainda um filho segundo um vidente hindu, famoso já aos 22 anos quando descobriu o méson pi ou pion (partícula atômica elementar), doutor honoris causa aos 23 atualmente tem 52 anos , problemas de insônia, fumante convicto de cigarros Fulgor, excelente conversador, acessível aos mortais comuns, aberto a experiencias e pesquisas consideradas “exóticas”, Cesar Lattes  é um dos maiores físicos do Brasil conhecido internacionalmente por seus trabalhos no campo da Física Cósmica. Atualmente é chefe do Departamento de Cronologia, Raios Cósmicos e Altas Energias do Instituto de Física da Universidade de Campinas-Unicamp.

   

Tentando a entrevista

 

Depois de dias frequentando o Instituto de Física da Unicamp em busca de informações sobre o professor Cesar Lattes, horários possíveis de encontrá-lo e sobre seu trabalho, resolvi tentar a sorte e ir localizar sua casa nas ruas mal sinalizadas da Cidade Universitária dos anos 70 do século XX. Depois de me perder um pouco, encontrei a tal casa branca com sacada branca. Sua mulher Marta atende: explico que gostaria de marcar uma entrevista com o professor Cesar Lattes. Ela me convida para entrar e esperar um pouco- ele está deitado, vai ver se pode atender. Dois minutos depois vem o professor ainda sonado  e me pergunta se prefiro ficar no salão nobre- a sala onde estávamos, ou “a beira da piscina dos tubarões”. Digo que onde ele preferir e acabamos ficando no terraço lá fora defronte da piscina.

     Antes de conseguir me refazer do choque de ter  sido recebida assim, sem mais delongas, sem ante salas e secretarias , contatos anteriores etc. ele me perguntou se aquilo na minha camiseta- dois jogadores- era  baseball e portanto americano? “ Mas você pode disfarçar dizendo que isso ai é um americano tentando dar uma cacetada num cubano e se danando porque não sabia que estava na Baia dos Porcos”. E eu já tinha minha primeira informação: estávamos diante de um anti americano convicto.

      Depois de uma hora de entrevista as avessas- o entrevistado tentando entrevistar a entrevistadora e muitas risadas provocadas por frases e brincadeiras, consegui inverter os papéis e fazer com que o professor Cesar Lattes respondesse às minhas perguntas.

P.-O senhor disse brincando ha pouco que estava no fim de carreira desde os 23 anos de idade. Por que fim de carreira?

Cesar Lattes-Não estou não. É que aqui no Brasil eles mudam as regras do jogo toda a hora. Não se deve mudar as regras do jogo enquanto se está jogando. O sujeito entra numa carreira dentro de certas garantias e depois de repente as coisas mudam, mas não só de professor. Não vamos entrar em detalhes e falar em Atos e coisas assim (ele se refere aos Atos Institucionais  da ditadura militar que então vivíamos). Fim de carreira é o seguinte: na carreira universitária o cargo mais elevado- não me refiro a cargos administrativos como reitor, vice reitor etc., mas ao que antigamente se chamava catedrático e agora se chama titular. E quando eu tinha 23 anos criaram uma cadeira de Física Nuclear Aplicada e me botaram lá para catedrático. Por isso é o fim  de carreira desde aquela época.

P.-E  foi também nesta época  que o senhor recebeu  o titulo de doutor honoris  causa

CL-Foi também aos 23, em 1948, mas só me entregaram na ponta da faca muito tempo depois. 

P.- Como assim na ponta da faca?

CL – Um dia cheguei na USP e eu tinha um canivetão que eu tinha comprado no aeroporto. Tinha chegado da Europa e tinha comprado um canivete desses que você aperta e ele salta. Eu sempre quis ter um canivete desses, mas eu sou, não é pão duro,  mas eu tenho dificuldade de comprar coisas. Mas ai eu estava todo satisfeito e foi engraçado porque eu encontrei o presidente da Comissão de Energia Nuclear e um seu assistente, um professor de São Paulo que eu não via ha tempo. Então em vez de dizer como vai e tal, como eu tinha feito um pedido de chumbo para a experiência da Bolívia e a verba estava demorando eu plaft, apontei o canivete para ele e disse: como é, cadê o chumbo? ele mais que depressa respondeu: “pode passar lá amanhã, está tudo pronto”. Soube depois que ele não tinha entendido a brincadeira. Isso foi em 1964. Mas eu vi que o canivete funcionava e comecei a andar com ele. Um dia fui à USP falar sobre um galho qualquer e encontrei por acaso com o secretário da Reitoria. Disse: ‘quero receber meu diploma ai, doutor honoris causa’. Ele falou: ‘vamos fazer uma cerimonia simples porque já passou tanto tempo’. Eu falei: ‘não senhor, quero com todos os efes e erres ’. E eles tiveram que fazer, descobrir quem era diretor na época, beca, aquele chapéu de veludo, discursos e todas essas coisas. Mas então resolvi dar o canivete porque se continuasse daquele jeito poderia me sair mal. 

P.- Sim mas vamos voltar agora e falar da detecção dos méson pi, que, aliás, provocou todo  este sucesso não é, e revolucionou a Física? 

CL- O trabalho  importante foi feito um ano antes em 1947 na Bolívia no monte Chacaltaya expondo chapas e descobrindo o tal do méson pi (pion). Como a Universidade de Bristol era pobre, logo depois da Guerra (Segunda Guerra Mundial)  e o chefe do departamento estava meio por baixo porque era extrema esquerda e tinha se recusado a participar do esforço de guerra por convicção, a descoberta não teve publicidade. Quando se produziu artificialmente em 1949  não era  mais descoberta, era para mostrar que americano é uma besta, porque há mais de dez anos eles estavam fabricando milhões por segundo enquanto a gente levou um ano para pegar dezesseis. Foi quando a Relações Publicas da Universidade da Califórnia e a Comissão de Energia Atômica entraram em ação e foi telegrama para todo lado, saiu em todos os jornais, no  Brasil deve ter dado primeira pagina durante uma semana. “Mais uma vez os Estados Unidos se curvam perante o Brasil”. Então saiu o doutor honoris causa, criaram uma cadeira de professor em São Paulo  mas acabei preferindo ficar no Rio de Janeiro. Então o motivo foi esse- a produção artificial dos mésons. 

 P.- Vamos falar um pouco desses mesons pi. Conte a estória desde o começo por favor.

CL- A coisa mais interessante é a seguinte. Na realidade esses mesons tinham sido previstos em 1934 por Yukawa, um físico japonês, baseando-se em ideias gerais que o núcleo do átomo só tem cargas positivas, não tem carga negativa: tem prótons que são positivos e nêutrons que não tem carga. Então como é que fica grudado, como é que não solta? Ele disse: assim como a carga elétrica interage e na interação aparece a luz dos fótons, entre prótons e nêutrons deve ter alguma coisa que serve de intermediário para dar essa ligação. A força elétrica diminui com o quadrado da distancia, enquanto a nuclear é de curto alcance. Depois de um décimo de trilionésimo de centímetro ele praticamente some. Dai que é fácil verificar que esses veículos, esses bilhetinhos que o nêutron manda para o próton e ele manda para o nêutron, é o que segura os dois juntos. Ou seja, não podiam ter massa zero que seria massa da luz do  fóton. Então ele pode prever mais ou menos a massa- duzentos ou trezentos vezes a massa do elétron . Isso em 1934. Já em 1935, 1936 o Wataghin (professor Gleb Wataghin) já estava prevendo que em colisões de alta energia devia haver produção múltipla desses bichos. Em 1937 eles foram descobertos-massa 200. A coisa interessante é que em 1941 ainda sem saber que existiam esses mésons do Yukawa, o Wataghin e o Damie, o primeiro diretor da Física da Unicamp e a Pompéia descobriram que a produção múltipla de mésons com equipamentos  construídos aqui- porque naquele tempo o próprio pesquisador construía os equipamentos. Pouco depois descobriu-se na Inglaterra, com equipamentos mais complicados-só que lá dizia-se que era plural em vez de múltipla.

Essa discussão durou de dez a quinze anos até que o Wataghin ganhou. Então  a estória do méson a maior parte foi feita aqui no Brasil e isso que nós estamos estudando ainda é a produção múltipla , só que em energia  muito maior. E verificamos que antes da produção múltipla ha estados intermediários que o pessoal chama de Bola de Fogo. E isso foi logo depois de ele ter chegado ao Brasil.

P.- Qual é o principal interesse desta pesquisa e porque o laboratório está localizado no monte Chacaltaya? 

CL- Bom o trabalho é feito em colaboração com  universidades japonesas, o grupo japonês de Altas Energias. Em 1959 o Yukawa me escreveu sugerindo um trabalho conjunto. O principal interesse na pesquisa era e continua sendo o estudo das interações nucleares de energia produzidas pela Radiação Cósmica. Essas interações são detectadas pelas câmaras de emulsões fotográficas. Ficam expostas durante vários meses no pico de Chacaltaya. A escolha da montanha ( feita para confirmar a descoberta do pion) se deve a vários motivos: a proximidade de La Paz, acesso relativamente fácil e principalmente pela sua altitude- 5.200 metros. A altitude é importante para se poder observar a interação de  partículas de alta energia. O que é importante  também é o baixo custo dessa pesquisa, da ordem de 1,5 milhões de cruzeiros enquanto a experiência realizada com aceleradores (as colisões são provocadas artificialmente) apesar das vantagens que apresenta, é centenas de vezes mais cara. 

P.-Qual o significado dessa descoberta para  a Física?

CL-Bom primeiro confirmou a ideia do Yukawa de que a estabilidade dos núcleos, a interação que mantém estável o  núcleo do átomo é devido a alguma coisa, meio partícula meio onda, diferente da luz. Agora a ideia  do Yukawa da existência dessa partícula intermediaria- o meson- que é responsável pela força nuclear , foi a penúltima grande ideia da Física Teórica deste século (não esquecer que estávamos no século XX) e data de 1934. O resto na minha opinião são tecnicalidades e Matemática aplicada. O que acontece é que depois foram descobertas mais de duzentas partículas fundamentais ou elementares que ficou até ridículo chamar este tipo de partículas elementares ou fundamentais. Ou seja, tem mais partículas que elementos químicos. Mas tem havido  descobertas  importantes: experimentais, técnicas, mas foram sempre aplicações , o laser por exemplo, mas é coisa de indústria. 

P.- E a ultima grande ideia qual foi?

CL-A ultima também é de um japonês, do Sakata que fez um modelinho muito grosseiro ainda para se entender a causa de haver tanta partícula elementar. Ele postulou que havia na realidade apenas três e que as outras eram compostas dessas três e com elas se podia fabricar duzentas. De modo que não houve ideia nova nem aqui, houve apenas aplicação até as ultimas consequências dessa ideia.

P.-Mas houve descobertas importantes não? Cite algumas.

CL- Sim descobertas tem sido feitas.  Em astrofísica, por exemplo ,descobriu-se o quasar, o pulsar que parece que são estrelas que já estouraram mas das quais sobrou alguma coisa não visível . Sabe-se que está girando e emitindo ondas de radio e provavelmente são a fonte mais enérgica dos Raios Cósmicos, mas a compreensão parece que está em ponto morto. Estamos numa situação extremamente frustrante para a Física Teórica. Hoje o que se vê são bons físicos que apesar de continuarem ativos em Física se entusiasmam mais com problemas de aplicação à biologia porque abre um mundo novo para eles, saber o que os biólogos sabem também. Ocorre que este tio de pessoas está desparecendo e infelizmente no Brasil está se seguindo este caminho e com o erro de subdivisão em ciência pura e ciência aplicada. 

P.- Por que erro? A divisão não deveria existir?

CL- Não, a divisão não existe. Pasteur dizia que ha ciência pura e aplicação da ciência. Ciência aplicada  foi a gíria inventada depois da Guerra pelos camaradas que foram para a indústria de paz ou de guerra para fazer as armas ou porcarias mais eficientes para o pessoal comprar. Então o que se vê hoje em dia são pesquisadores preocupados na busca do conhecimento para coisas da natureza e de outro os que, por motivos pessoas foram resolver problemas práticos especialmente na indústria das Forças Armadas.

P.- O ideal seria então?

CL- O que deveria ocorrer é que os pesquisadores pudessem desenvolver seu trabalho livremente e sempre houvesse problemas para resolver fossem chamados. Pasteur deu grandes contribuições em áreas onde  a ciência podia ser aplicada para resolver grandes problemas da humanidade. Eu mesmo fui solicitado para acabar com a malária no Rio de Janeiro ha 25 anos  pelo então ministro da Saúde,  Mario Pinotti. E como físico pude contribuir e resolver um problema importante para o qual a Biologia ainda não tinha resposta.

P.-O senhor disse que o Brasil também esta incidindo no erro de subdividir a ciência em pura e aplicada. Me explique por favor.

CL-  Porque o Brasil não tem capital para desenvolver o produto. Nos Estados Unidos e Japão ainda tem sentido fazer pesquisa aplicada. Eles tem dinheiro. Mas aqui na hora em que desse resultado algum protótipo a fabrica não teria capital para desenvolver o produto pois para cada dólar que se gasta em pesquisa aplicada, gasta-se cem para a produção. A descoberta é publicada e vai ser usada por outros , não pelos brasileiros.

P.- Qual seria na sua opinião o caminho a seguir?

CL- Acho que o Brasil tem que formar gente para resolver problemas e não copiar coisas de fora. A ciência aplicada pode ser muito perigosa nas mãos de camaradas mais preocupados com resultados práticos. A nossa espaçonave Terra está indo para a breca e a gente não vê ninguém fazendo nada. E o que é pior- o povo não é esclarecido disso tudo. Não ha maneira de se calcular as possibilidades disso explodir. Enquanto na Alemanha uma cidade entra em greve protestando contra a instalação de mais um reator atômico o ministro Ueki fica todo contente com a instalação de reatores atômicos no Brasil.

P.-Brecht colocou na boca de Galileu na peça Galileu Galilei uma frase cujo sentido é mais ou menos este: “ se não tivesse por finalidade sanar a miséria da humanidade, a ciência não teria sentido.” Qual sua opinião sobre a missão do cientista?

CL- Obter o mais abertamente possível os conhecimentos sobre a natureza e sintetizá-los em leis  simples e esteticamente agradáveis.  O pesquisador deve ter uma missão neutra de tal forma que no caso de descobrir alguma coisa ruim, não deve publicar. Acredito no entanto, que se não houver uma mudança social e politica, qualquer avanço cientifico pode se tornar perigoso. É evidente que isso não é geral. O pessoal que procura por exemplo, a cura do câncer, os que trabalham com ecologia devem publicar tudo que descobrirem. Mas acontece que o homem não é neutro.

 P.- O senhor disse ha pouco pensando em termos campineiros, que a PUCC desempenha melhor sua função social se comparada à Unicamp, onde somente no Instituto de Física ha mais de 150 doutores. Poderia explicar melhor isso?

CL- apesar de não saber muita coisa sobre a PUCC acho que ela é mais realista em termos municipais do que a Unicamp porque  com os cursos que tem lá como Biblioteconomia, Relações Publicas, os cursos noturnos principalmente são importantes porque permite ao pessoal que frequenta, na maioria gente de classe média melhorar um pouco. Isso não quer dizer que eu esteja desmerecendo a Unicamp. Acho a Unicamp a universidade mais importante que se tem hoje no Brasil. O futuro realmente está ai porque é uma universidade  mais nova, mais aberta. O que foi realizado por exemplo no Instituto de Física é surpreendente e isso quem fala é o pessoal que vem de fora. E sem querer badalar o reitor, acho que um dos motivos desse impulso foram as qualidade do Zeferino (Vaz) por seu modo de encarar os deveres de um reitor. Ele se mexe, se interessa, passa por cima da burocracia. E também, evidente, pelo pessoal que ele trouxe, o professor Damie (de Souza Santos) que foi o primeiro professor do  Instituto de Física e um dos pioneiros da Física e da Física Nuclear, o professor Gleb Wataghin que dá nome ao Instituto no Brasil e todos os outros.

P.-Qual seria na sua opinião, a função social de uma universidade como a Unicamp?

CL-A justificativa social é ensinar gente a pensar. Do ponto de vista social este pessoal aprende a raciocinar e aprende técnicas experimentais ou de raciocínio e de interação de dados que depois podem ser utilizados em qualquer problema. Se não estiverem presos a nenhum esquema pratico por acaso vão bater em alguma coisa completamente nova.

P.- Uma das criticas que se costuma fazer à universidade é que ela é uma instituição que reprime a criação. Isso é verdadeiro? No entanto, a universidade não deveria ser o reduto onde se preparariam as grandes revoluções nas ciências?

CL-É verdade sim, a universidade reprime a criação porque é uma instituição conservadora. E isso não é só no Brasil não- as grandes descobertas da Física no Japão foram feitas fora das universidades. Mas o camarada não tem a liberdade para desenvolver um trabalho, perde tempo fazendo cursos que não tem interesse algum, mas é obrigado a fazer por causa dos créditos. Porque tem essa bobagem de mestrado, doutorado, tese. Tese é coisa de brasileiro, aliás, copiada do americano. Então em vez de se formar  com vinte anos o sujeito se forma com 30. E isso tudo por causa do esquema, ele tem que seguir a carreira universitária, precisa ganhar dinheiro. Antigamente  só ia para a ciência quem realmente gostava. Não havia mestrado, nem doutorado já se começava a publicar, começava a pesquisar enquanto se era aluno. Agora este negócio de ser lugar de grandes revoluções não tem isso não. Quem frequenta a universidade no Brasil é a classe média e as revoluções são feitas é na mesa do chope.

P.- O senhor naturalmente já ouviu falar da experiência de alguns pesquisadores como o sueco  Frederico Jurgenson, o italiano Constantin Raudivi e ainda de pesquisadores do Instituto Max Planck da Alemanha que estudam interferências em gravadores, de vozes de seres humanos mortos mas que viveriam em outras dimensões do Cosmos. Aqui em Campinas  a poeta e escritora Hilda Hilst também trabalha neste tipo de experiência. O que o senhor pensa sobre este tipo de pesquisa?

CL- Eu sei da existência dessas experiências inclusive da Hilda, mas não tive contatos com elas. Meu ponto de vista é aberto no sentido achar um convencimento muito grande pensar que já se descobriu tudo. Mas apesar de aberto, curioso, e ter tido experiências pessoais, não de ouvir vozes, eu acho que as pesquisas de fenômenos que não se conseguem explicar com as leis que a ciência conhece da natureza deviam ser incentivadas. Em geral elas são chutadas para fora das universidades, o pessoal é chamado de charlatão, etc. Acho importante que haja algum apoio organizado para esse tipo de pesquisa. Isso não quer dizer que eu acredite nos resultados que me contam e o motivo é que tenho dificuldade em acreditar, mas que não tem muita objetividade, enfim, é uma questão de bom senso. Já transmissão de pensamento, vidência tudo isso estou perfeitamente de acordo e pronto a aceitar e interessado até. Se eu não fosse um sujeito difícil de mexer, poderia ir ver e pesquisar. Rabdomantes, a sabedoria popular, os remédios populares tudo isso estou de acordo. Agora quando se fala de comunicação com seres humanos que morreram ai acho que tem que tomar muito cuidado. Do ponto de vista puramente cientifico você não pode dizer que ha milagres. A estatística prova que   coisas extremamente pouco prováveis de vez em quando acontecem. No caso de vozes gravadas num gravador o argumento para a aceitação do fato poderia ser: com isso se pretende estabelecer a objetividade e ai não fica mais subjetivo. Mas eu não vejo em que isso pode ser objetivo. Não se poderia simplesmente reunir pessoas e elas ouvirem com seus próprios ouvidos? as vozes? Mas acho que não é isso que interessa. O que interessa no caso é saber se realmente fica alguma coisa além da morte, não é? E o que estaria implícito nesses resultados é que se conservam praticamente a mesma língua, enquanto eu acho que a morte ou é o fim ou então é alguma coisa muito mais transcendente. Se você fez alguma coisa e alguma coisa você fez  boa ou ruim, isso vai ficar pelo resto dos tempos, vai diluindo e tal mas alguma coisa vai ficar . Mas de qualquer forma eu acho que será ótimo se realmente houver alguma coisa do lado de lá que não seja tão chato como aqui. E também seria bom se tivesse lugar para o meu cachorro.(risos). 

P.- Qual é sua visão de Deus?

CL- É muito complicado responder esta pergunta. Depende da ocasião, das crises emocionais que a pessoa passa. Esse problema inclusive está completamente fora da ciência. Origem do universo isso está fora da Física. Ha um mistério ai. O que eu acho que é um grande convencimento é a separação do humano do resto da natureza viva. E ainda: a separação do eu do resto. Acho que ha uma interação constante que nos não percebemos. Se você quiser uma definição   apesar que Deus não se define e definição é uma bobagem, Deus é um conceito primitivo, excluídos os fenômenos cósmicos, extraterrenos, dentro de cada um de nós tem Deus ( que Freud chamava de super ego) e  tem o diabo ( que Freud chamava de Id) que é mais engraçado que o super Ego. Agora junta-se toda a humanidade e Deus é a média disso tudo. Agora penso que é muito estranho terem criado o Universo quando podia existir o nada eu não sei. Tenho minhas criticas a  fazer. Para usar uma expressão da moda, o universo é valido. Esse problema de Deus cada um que se vire e procure encontrar uma solução menos angustiante. 

P.- Como o senhor vê jovens do mundo inteiro buscando respostas para suas duvidas, anseios, perguntas em filosofias orientais. Isso significa uma perda de esperança nos valores “oficiais” digamos assim? 

CL-Acredito que  o orientalismo seja uma fuga. Não é o sujeito que fica parado pensando que fica sábio. Sabedoria se adquire vivendo, sofrendo. E quando se fala em jovem se fala em jovem de classe média, os outros deixam de ser jovens muito cedo e tem menos problemas deste tipo. Eu acho o mundo de hoje, o meio oficial que tem algum poder na mão, valorizou oficialmente o saber, o conhecimento, no sentido cientifico e técnico. E quando o que realmente  importa é a sabedoria e esta você encontra num velho analfabeto. Enfim a resposta para esta pergunta eu não sei, é muito difícil. Acho que em parte os velhos se acomodaram, outros se acovardaram porque acharam que não adiantava nada. Mas a gente aprende com o exemplo, não é? É claro que para não extinguir a espécie a nova geração tem que se  produzir valores melhores que a anterior mas tem que aprender com a anterior

 

Para saber mais sobre : 

https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9sar_Lattes 

https://www.ebiografia.com/cesar_lattes  

https://acontecimentosdodia.com/2017/07/11/11-de-julho-lucia-verissimo-e-andradina-sp-2017/

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/marco2005/ju280pag02.html

http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/cesar_lattes.html

 

 

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2004/ju271pag06.html

 

 

 

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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