Renata Pallottini , escritora, poeta, educadora
Renata Monachesi Pallottini nasceu em São Paulo em 1931). Poeta, romancista, contista, autora de literatura infantil e juvenil, dramaturga, tradutora, ensaísta, roteirista e professora....
Revista digital de Arte e Cultura
Entrevistei Osvaldo Miranda, Miran como é conhecido - artista gráfico dos mais importantes do cenário nacional e internacional para uma matéria que saiu em junho de 1988 na revista da Associação Brasileira de Indústrias Gráficas- ABIGRAF quando ele tinha 38 anos e cara de menino. Nascido em Porto de Paranaguá vivia em Curitiba (Paraná) onde ainda mora desde 1968 onde editava juntamente com sócios e amigos: Orestes Woestehoff, Carlos Ferreira da Costa e Ewaldo Schleder Filho, a revista mais importante do setor no país: Gráfica. À época ele já havia arrebatado quarenta prêmios internacionais, era elogiado pelos maiores diretores de arte do planeta além de membro fundador do Clube dos Diretores de Arte do Brasil com José Zaragoza. Era ainda membro do Type Directors Club of New York (desde 1978) e do Art Directors Club of New York (desde 1975).
Depois desta entrevista muita água rolou debaixo da ponte e ele produziu trabalhos para centenas de revistas nacionais e internacionais das mais diversas nacionalidades: argentinas, francesas, suíças, norte-americanas, tchecas, russas, irlandesas, alemães japonesas e brasileiras naturalmente sempre com trabalhos premiados. Do ano de 1994 até 2000 fez parte da AGI- Alliance Graphic Internationalle da Suíça para onde foi apadrinhado pelo artista gráfico Saul Bass.Continuou produzindo muito e sendo largamente recompensado pelo seu alto nível sendo que hoje em 2009 quando atualizei a entrevista para ser publicada no Portal Cronopios- http://cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3933, contava no seu portfólio um total de quatrocentos e cinqüenta prêmios dos quais 75% internacionais.
Inserido na era digital desde 2006 quando começa a participar de alguns sites entre eles www.brazilcartoon.com, atualmente Miran tem vários blogs que são um luxo só e onde se pode ver a extrema criatividade deste artista, e suas andanças por mil caminhos dentro da arte gráfica-desenhos, posters, cartazes, folders, ilustrações, capas, projetos de livros simplesmente maravilhosos e onde se pode ter uma idéia de sua trajetória já que ele mesmo conta tudo desde o tempo que se fazia tudo á mão, com canetas, pincéis, tinta, letras set, papel naturalmente, cola e outros instrumentos usados naqueles velhos tempos até os dias de hoje. Mas ali se sente também o quanto Miran continuou fiel aos seus princípios estéticos e éticos.
Tem publicados os livros: Miran, um rapaz de Fino Traço em 1982 (2ª edição em 1991) pela Editora Casa de Idéias; Miran-20 Anos de Design Gráfico- Livro-Portfolio (Secretaria de Estado da Cultura e Esporte do Paraná/Governo do Paraná (1987); Miran, Art y Diseño pela Editora Módulo 3 (1988 ), para o mercado argentino; A Pequena mulher nua mini-book pela Editora Módulo 3 (1989) . Prepara(?) os seguintes livros de humor: Ah,Ah,Ahrquitetura (sobre o urbanismo e a febre ecológica que domina o mundo) pela Editora Comix e Humor da Pesada (Editora Belvedere (Milão/ITA). Participa ainda de algumas antologias: Antologia Brasileira de Humor (LP&M.) onde também é autor da capa; O Novo Humor do Pasquim (Editora Codecri); Pra mim Chega- antologia com cartunistas paranaenses editado pela Editora Beija-Flor (PR).
E por falar em livros ele está no AGI Graphic Design Since 1950 que chama de “livro mamute” e que exibe todos os membros da AGI- Graphique Alliance Internationale, 800 páginas editado por Ben & Elly Bos pela Thames & Hudson lançado em setembro de 2007 na Suíça onde cada um dos membros teve uma página com inserção de três a quatro peças e sua biografia, fazendo a história do design. Conta que saiu da AGI em 2001, por não concordar com o espírito mercantilista em que se tornou a instituição. “Ela agora, aceita membros que são indicados por interesses em eventos diversos, emprestando apadrinhamento. No meu tempo (coisa de saudosista?) só eram aceitos membros que construíram alguma coisa em prol do design gráfico e eram realmente apresentados por outro profissional. Cito alguns designers que como eu deixaram a AGI: James Victore, Fernando Medina - velho amigo, Neville Brody, Richard Saul Wurman, Heather Cooper, Pippo Lioni, Bernard Baissait, Leo Wolher, Vladmir Rostoka (outro velho amigo), Sioblan Keaney, Loek Kemming, Gerard Unger, David Pelham, Enzo Mari, Fred Woodward (grande, ex-revista Rolling Stone - USA), a "oscarizada" pela academia: Eiko Ishioka e Wolfgang Weingart só para citar alguns”.
E finalmente Miran criou a revista com que sonhava na época: a AdD que confessa ser uma de suas crias preferidas, como a Gráfica - Arte/Internacional. “Só que a AdD é uma aventura diferente, quase como um fanzine. Tem tiragem limitada, assim como livro de artista plástico, numerada e feita com três tipos de impressão, uma delas digital o que a torna cara para produzir e também para quem a adquire.” Num dos seus blog você vai poder ver uma das últimas edições -2006-2007 antes de se tornar álbum com lâminas soltas na caixa. A capa e o artigo principal são dedicados ao ilustrador americano Robert Rodriguez.
Simplicidade e requinte
Na época da minha primeira entrevista com ele Miran era diretor de arte, cartunista e editor da revista Gráfica que estava no seu # 19 inaugurando em São Paulo uma nova uma nova parceria com a Editora Gráficos Burti Ltda e me lembro que eu o achei simples e requintado como seu trabalho. Autodidata começou a rabiscar na infância e adolescente mudou para Curitiba projetando estudar arquitetura curso do qual desistiu logo que começou a trabalhar numa agencia de publicidade como auxiliar de desenhista. “É lógico que naquela época as agencias eram apenas um esboço das agencias de hoje. Mas admito que este trabalho foi a minha verdadeira escola principalmente pelo intercâmbio que havia entre o pessoal de lá e integrantes do Clube de Criação de São Paulo que faziam estágios periódicos em Curitiba.”
Como diretor de arte de várias agencias Miran foi desenvolvendo seu estilo até que surgiu no Paraná uma agencia a PAZ chamada a DPZ do Sul que foi sua grande chance de lançar e firmar seu nome em nível nacional revelando a parte mais forte do seu trabalho que é exatamente a editorial. Mas paralelo fazia outros trabalhos: “como não podia fazer as coisas como queria dentro da agencia, com um layout tão limpo comecei a vender meu tempo para um jornal que era o Diário do Paraná e para o tablóide de humor e arte : A Raposa que ele admite ter sido o ponto de partida da Gráfica. Apesar de ser um jornal sem conteúdo, frio , apenas visualmente bonito e eu queria uma coisa que falasse de arte: foi quando surgiu a idéia de fazer a Gráfica .”
Mas como nem só de idéias vive o artista, especialmente o brasileiro - fazer arte no Brasil ainda era (é) sinônimo de sacrifício, Miran resolveu se meter numa empreitada com cara e coragem. Vendeu o carro em 1983, alguns terrenos e com o apoio do pessoal gráfico do Paraná e alguns visionários como ele, editou o primeiro numero da revista.
Primeira no gênero no país, a Gráfica é dirigida a um publico de programadores visuais, diretores de arte, ilustradores e cartunistas, publicitários, fotógrafos e artistas gráficos em geral com parte dos textos em inglês e uma tiragem de cinco mil exemplares, com trabalhos de brasileiros ao lado de estrangeiros para provar que artista nacional tem mesmo nível. “Prefiro cinco mil nas mãos de quem entende do que 50 mil voando nas bancas do Brasil” me disse Miran naquela entrevista. E Orestes completou: “Há dois problemas a serem considerados: em primeiro lugar o publico que lê a revista é uma elite, outro é o preço que a gente é obrigado a jogar na capa segmenta ainda mais. Não adianta fazermos uma tiragem grande e ficarmos com ela encalhada.”
Só para se ter uma idéia do preço de capa a Gráfica na época custava 2.400 cruzados que era caro em termos brasileiros, mas não em função da qualidade e do alto custo do papel exigido para tal publicação. Nem vou fazer a conversão aqui para reais-apenas citar o preço das revistas congêneres americanas que custavam por volta de 3.400 dólares com uma vantagem para a Gráfica. Enquanto esta tinha á altura 85 paginas e apenas cinco de publicidade, as americanas tinham 120 das quais 75 de anúncios.
Mas o importante é que a Gráfica seguiu seu caminho de sucesso e naquele ano de 1988 estava fazendo aniversário-cinco anos com lançamento em São Paulo sendo que no ano anterior Miran e seus sócios comemoraram a data com uma exposição do acervo reunido ao longo daqueles anos: 600 trabalhos publicados e não publicados no mezanino do restaurante Bavarium Park em Curitiba. Na verdade a mostra teve também outro motivo: marcar a nova fase da revista que daquela data em diante seria feita com uma preocupação de estratégia mercadológica por especialistas de cada área e por uma empresa criada para este fim chamada Casa das Idéias- Editora de Vídeo e Gráfica.
A Casa das Idéias segundo Miran surgiu por que a revista era uma balburdia. “No começo eu fazia tudo: recebia correspondência, selecionava o material, editava e ainda vendia anúncios. Agora a Casa das Idéias vai se preocupar com a administração e produção gráfica da revista e eu vou fazer o trabalho que sempre desempenhei- montagem, edição, apresentação dos meus trabalhos e dos colaboradores estrangeiros (que incluía á época) artistas dos Estados Unidos, França, Espanha e outros países da Europa. Para consolidar seu espaço no exterior a Gráfica naquele ano ia abrir um escritório em Lisboa que seria comandado pelo Ewaldo Schdeler Filho que justamente ia comercializar a revista na Europa substituindo o esquema artesanal de distribuição que vigorava até então. Na ocasião a revista chegava ao exterior onde era muito disputada através de assinaturas, mas principalmente levada de mão em mão pelos interessados. Segundo Miran e Orestes o mercado exterior consumia cerca dos 50% dos números editados.
Com a entrada no mercado europeu a idéia era aumentar a tiragem e editar trabalhos de artistas europeus que, aliás, estava sendo deslanchado com a participação de artistas portugueses já programada para o numero seis. Miran acreditava que o publico ia se surpreender com o alto nível do trabalho de humor especialmente dos cartunistas portugueses. “Há um cartazista chamado João Machado que é excelente. O Burti vai ficar louco com os efeitos que se pode conseguir com os cartazes dele. Vai ser um presente da Gráfica para a Europa toda que não sabe sobre a beleza do desenho português.”
Alem da revista Miran realizava periodicamente exposições com o acervo de trabalhos recebidos e como tinha contato com dois clubes de criação de Nova York pretendia realizar um intercambio interessante: eles iam também expor e promover trabalhos de artistas brasileiros. Para o futuro Miran e seus sócios projetavam à altura novas revistas. “Meu sonho dizia ele é fazer uma divisão na Gráfica - fazer a Fotográfica e outra que seria a revista Arte D que na verdade seria intercalada com a Gráfica. O assinante que assinou a Gráfica que passaria a ser bimestral, recebe no intervalo a Arte D. Este seria um recurso para a publicação do grande acervo que não pode ser usado na Gráfica.”
Fino traço
Fazendo humor ele se definia como “um rapaz de fino traço” opinião, aliás, plenamente confirmada por mestres das artes gráficas como o diretor de arte americano Herb Lubalin um dos mais importantes artistas gráficos do século XX. Lubalin segundo contam as boas línguas, ficou deslumbrado com a cabeça inventiva e magistral habilidade de Miran. Em artigo publicado por Herb no Upper & Lower Case onde ressalta o modo como Miran “manipula o uso do espaço, seu senso de escala, sua padronização em preto e branco diz que: tudo isso consegue parar você de repente na sua estrada- então as figuras positivamente sinalizadas, telegrafam a mensagem: é tudo visual. Tanto quanto eu entendo o trabalho de Miran não precisa de tradução”, o artista paranaense foi definitivamente lançado no mundo profissional nova-iorquino que a partir daí não poupou elogios ao seu trabalho.
Miran havia recebido até então mais de trezentos prêmios sendo que destes 90 internacionais sendo o ultimo dado ao seu portfólio pelo Clube dos Diretores de Arte de Nova York quando concorreu com capistas do New York Times, Time e com outras revistas luxuosas e famosas. Considerado um artista gráfico completo Miran desenha, faz caligrafia, ilustra páginas. Suas cores vão do preto, vermelho ao cinza claro de linhas muito abertas. Isso dá um estilo novo que não tem modelos: ele na verdade é modelo para muitos designers.
Por falar em modelos ele diz que seus entre seus mestres, seus gurus estão Herb Lubalin, Tom Carnase, Mo Lebowitz, Lo Dorfman e apesar de todos serem norte americanos, Miran conserva em seu estilo a marca do seu temperamento sul americano. E esta junção de traços que faz de muitos de seus trabalhos serem tão maravilhosamente originais. Analistas tentando uma interpretação deste estilo a primeira vista displicente acreditam ser o resultado de um país que não tem tradição gráfica e justamente por isso não ter limites para se expandir e criar. Dai o inusitado da sua arte sempre tão nova apesar da passagem do tempo.
Seus mestres e amigos
Miran esclarece que muitos textos publicados na imprensa especializada no Brasil, citam sempre seu contato com o designer americano Herb Lubalin datando de 1981, já que o jornal U&LC, feito por este grande designer exibe seus trabalhos no final do ano de 1980. Mas a verdade ele diz que já trocava correspondências com Lubalin desde 1978, quando foi aceito como membro do Type Directors Club of New York e cujos trabalhos foram apresentados ao Clube por Mr. Jerry Singleton (seu primeiro sponsor nos Estados Unidos). Miran na verdade o conheceu pessoalmente em 1979, voltou a vê-lo em 1980, quando viajou para Nova York com o grupo do Ballet Morozowicz acompanhando sua esposa, a professora de ballet Agnalda Trinkel para cursar o Joffrey Ballet. E nesta época freqüentou vários workshops com a ajuda de Lubalin na Cooper Union School e New York Public Library. Esteve novamente com Lubalin, no verão de 1980 e finalmente, no início do ano seguinte, 1981 quando inclusive, foi apresentado à Aaron Burns, que logo após a morte de Herb Lubalin, apadrinhou-o na comunidade gráfica nova-iorquina, tal era admiração do pessoal da ITC para com o seu trabalho gráfico desenvolvido até então.
Entre os anos de 1983 a 2009, Miran teve contato permanente, pessoal, por telefone e outros meios de comunicação com os mais variados designers e artistas do mundo todo, como André François, Milton Glaser, Fred Otnes, Brad Holland, Fernando Medina, Greg Spalenka, Bill Mayer, Jaguar, Felipe Taborda, Francisco Petit, Eric Dinyer, Carlos Nine, Allan Haley, Andrés Cascioli, Fatti, Crist, Seymour Chwast, Ciardiello, Steven Heller, Louise Fili, Lou Dorfsman, Jarbas de Souza, Cláudio Rocha, Phil Risbeck, J. R. Duran, Klaus Mittelldorf, Jay Vigon, Kent Williams, Alan Halley, Yosaku Kamekura, Carrieri, Bob Wolfenson, Prof. Olaf Leu , Luís Trimano, Caulos, Ralph Steadman, Prof. Ivens Fontoura, Cláudio Rocha, Prof. Ericson Straub, Dante Mendonça, Roman Cieslewicz, Ziraldo, Prof.Kurt Wirth, Laura Smith, Prof. Yusaku Kamekura, Bruno Monguzzi, Prof. Félix Béltran, Eduardo Muñoz Bachs, Mario Botta, Solda, Vilma Slomp, Nêgo Miranda, João Urban, Guilherme Zamoner, Jan Lenica, Elvo, Mazé Mendes, Prof. Paul Hogarth, Sandra Filipucci, Maria Ângela Biscaia, Carter Goodrich, Marshall Arisman, Carlos Clémen, Helga Miethke, Cláudio Alvarez, David Brier, Cristina Ganen, Cau Gomez, Victor Burton, Cláudio Ferlauto, Tony de Marco, Siron Franco, Cláudio Alvarez, Junior Lopes, Manuel Peres e mais uma dezena de outros. Estes contatos e a amizade, é que o possibilitaram fazer uma das mais belas revistas do mundo: a Gráfica. E com os já falecidos Herb Lubalin até 1981, Aaron Burns,* Roman Cieslewicz e Saul Bass até 1996, Alan E. Cober até 1998, Saul Steinberg até 1999, Jan Lenica e Eduardo Muñoz Bachs até 2001 e André François até 2005.
O contato do Miran com Roman Cieslewicz começou exatamente em 1985, quando ambos foram tema de matéria portfólio na revista alemã Gebrauschsgraphic na edição de abril vol.4 /1985. “Este comentário é importante, por que a obra de Cieslewicz teve grande influência em muitos dos meus trabalhos com suas colagens e o abuso da arte em preto e branco, assim como, na vontade de fazer ilustração editorial e editar revistas. Cieslewicz era conhecido por seus pôsteres, mas era com as publicações que desenvolveu como a revista Opus, Ty i Já (You and I) revista Cultural Polonesa, Kamikaze, VST - Revue Scientifique et Culturelle e as fotomontagens que fez para a Elle e a Vogue francesa.
Acertando o passo com o Miran
ALV
Para atualizar a matéria para o Cronopios entrei em contato com o Miran e ele me recebeu maravilhosamente bem. Fiz então uma segunda entrevista onde ele me contou, por email, sua carreira desde os seus inícios, seus vários talentos dentro das artes gráficas, seu sucesso que ele não deixou subir à cabeça, sua família, sua simplicidade e sim, sua timidez que não impediu que ele ficasse o que é hoje: o maior artista gráfico Brasil com renome internacional. Mas queria sugerir ainda a leitura de outra que por completar perguntas que faço nesta vale ser lida: foi feita pelo Felipe Stanque Machado Junior designer gráfico, pesquisador de web design, ergonomia, epistemologia e ambientes virtuais, professor nos cursos de design da Faculdade da Serra Gaúcha em Caxias do Sul, autor do livro Interatividade e Interface em um Ambiente Virtual de Aprendizagem e alguns alunos de Design Editorial do Curso de Design da ULBRA no campus de Carazinho (RS) e que pode ser lida neste link- veja em arquivos: é a única matéria de 2007: http://felipestanque.blogspot.com/.
Ana- Miran você disse que começou a rabiscar cedo. Com quantos anos desenhava já?E que fazia que tipo de coisas?
Miran- Sim, comecei a desenhar cedo, mas é um privilégio, um dom herdado, meu pai desenhava, mas vivia como radialista e o meu tio Arnaldo, do Cartório, idem. Aliás, todos tinham bela caligrafia e eu imitava-os, tanto que um dos meus primeiros empregos ainda garoto, era ajudando a transcrever atas e registrar procurações, preencher títulos etc. com aquelas caligrafias elaboradas nos livros do Cartório do meu tio, em Paranaguá. Mas acredito que foi quando tinha 12 anos, quando comecei a fazer trabalhos por encomenda das normalistas. Tenho certeza que quase todas as professoras que se formaram naquela época, têm uma ilustração minha em sua casa.
Ana- No material que me mandou dizia que por morar numa cidade portuária: Paranaguá só queria mesmo desenhar já que não via nada no horizonte a não ser navios, fazendo trocadilho. Mas afinal o fato do teu tio trabalhar na alfândega parece ter dado bons resultados não? Me fale sobre este curso que ele te presenteou aos 14 anos?
Miran- Então, o outro tio, o Hamilton de Souza Miranda, vendo a minha vontade e o desejo de aprender, a conhecer melhor o desenho, viu na revista Life (versão em espanhol que era muito popular aqui na América do Sul) o tal curso da Famous Artists School (FAZ) International Course of Commercial Art and Illustration (fundada nos anos 40, pelos artistas Albert Dorne, George Giusti e Robert Fawcett- credenciada pela Official Authorized School by Home Study (USA) que era em espanhol e inglês. Claro, imediatamente o meu tio fez a inscrição etc. E, realmente foi um achado. Claro, até um bom tempo da minha juventude, eu não comentava muito sobre o tal curso, as pessoas tinham certo preconceito sobre este tipo de aprendizado e não imaginavam o quanto tinha qualidade. Em 1981, numa das vezes que viajei a Nova York eu fui conhecer a Sociedade do Ilustradores ( SI-NY ) já que havia ganhado prêmio no anuário Illustrators E fui conhecer pessoalmente a instituição e o secretário da entidade: Mr. Terrence Brown que está lá até hoje e atualmente é diretor administrativo e o curador da Galeria da SI . Ele me mostrou a sala especial com os ilustradores no Hall da Fama e os homenageados pela sociedade, quase chorei, não só pela qualidade dos trabalhos, mas sim ao ver que boa parte dos instrutores do meu curso da FAS, estavam alí, naquela parede. Realmente eram ilustradores de prestígio e qualidade e, veja só, eu tinha aprendido macetes, técnicas com aquela gente.
Ana- Que maravilha isso. E você decidiu ir para Curitiba com quantos anos?Então já começou a trabalhar com o Casemiro Ambrozewicz, desenhista polonês que segundo me disse tinha um dos mais importantes estúdios na época que era final de 1963 para 1964. Interessante que tua carreira internacional já começa a se delinear nos começos da sua vida não? Como foi esta fase, quero dizer como foi trabalhar já com um polonês já se introduzindo, portanto na cultura européia?
Miran- Eu tinha 16 anos e este não foi exatamente meu primeiro trabalho porque antes fiz uma espécie de estágio em empresa que fazia flâmulas, coqueluche da época. Lembra daqueles filmes americanos em que os quartos da garotada tinham as paredes abarrotadas delas? No Brasil havia iniciado esta onda, mas parece que não teve força. Mas fiquei pouco tempo e numa entrevista que fui fazer para ser letrista, numa loja de departamentos, a Frischmanns Magazine que vendia roupas masculinas, é que conheci o Casemiro, que falava com aquele sotaque pesado (já vivia em Curitiba há muito tempo). Ele estava na recepção e quis ver a minha pasta de desenhos. Olhou rápido e me contratou no ato. Curitiba sempre teve grande influência européia, pois aqui tem as colônias todas: russa, polaca, libanesa, italiana fora a asiática.
Ana- E como foi a continuação disso?Fale sobre a agencia em que trabalhou: a DPZ paranaense. Ela foi fundada pelo Le Petit mesmo? Você disse que o contato com o pessoal do Rio e São Paulo ajudou muito no seu desenvolvimento, aprendizado enfim das artes gráficas. Fale sobre isso.
Miran- Na época havia várias agências locais e estava entrando no mercado e com impacto, a Agencia paulista S. J. de Mello, mas antes de ir diretamente para esta, passei pelo Griffo Estúdio e a Procepel. Era muito comum o diretor de arte convidar um assistente de hora para outra, quase dobrando salário. Assim os interessados como eu em ganhar um lugar ao sol, ficavam quando muito quatro, seis meses numa determinada agência e já trocavam. O mito da DPZ paranaense foi criado pela mídia, a DPZ não tinha filial naquela época. A primeira agência fora de São Paulo da DPZ foi mesmo a paranaense-PAZ na verdade. É que a agência trazia talentos locais - fiz dupla até com o Paulo Leminski, era muito premiada nacionalmente e daí, veio a tal expressão “DPZ paranaense”. Quando estava na PAZ é que fui muito premiado no Clube de Criação de São Paulo (CCSP), ao qual me associei, apesar de viver no Paraná e o leque se abriu, pegava freelance, a Editora Abril me convidava volta e meia para ilustrar artigos na Playboy. Zaragoza, Petit, Helga e a Magy me convidavam para participar do júri do CCSP, do futuro clube Art Directors Clube do Brazil, aquelas coisas...
Ana- Quer dizer que antes de tudo você se considera um ilustrador? Mas faz também cartum, desenho de humor, capas, marcas, logotipos, projetos editorais, cartazes, edita revistas. Queria que falasse sobre essas atividades dentro das artes gráficas e qual seria o espírito de cada uma delas. Por que não é verdade que cada uma destas citadas exige do designer um olhar diferente?
Miran-A ilustração está sempre presente na maioria destas especialidades, então não dói nada. É difícil eu comentar cada uma destas especialidades sem me estender. Acredito que para uma pessoa superativa como eu trabalhar nestas coisas é uma rotina. Hoje sou mais seletivo- escolho muito antes de me envolver com um trabalho e o trabalho na área editorial é o que me fascina ainda. O cartum, já é como uma espécie de relax. Como gosto de desenhar com bico de pena principalmente em preto e branco, faço todo o dia para não perder a prática... (risos)
Ana- Então vamos aos detalhes: você vai criar uma ilustração para um determinado produto, tema, marca. O que vem primeiro?Como é o teu processo de criação?Você pesquisa –imagino- ou logo que você tem uma proposta de trabalho pela frente já tem intuições, imagens, enfim, já que trabalha com elas? Como é isso para você?
Miran- Qualquer que seja o trabalho eu começo com uma variedade de “miniaturas”, seja da página, da marca ou de uma capa. Normalmente, vou esboçando a coisa com a tipografia. (sim, tem a parte de pesquisa para saber qual o caminho adequado, por aí), continuo fazendo as variações possíveis, marcando as cores com canetinha colorida etc. Depois, se for trabalhar com foto, ilustração ou tipografia mesmo, repito os esboços digitalmente, já no PC. Como não tenho muita paciência para trabalhar com os diversos programas (também não os domino) depois da minha decisão, imprimo ou salvo os meus arquivos e vou fazer com mais capricho com a ajuda digital do meu genro: o André.
Ana- E para um cartaz ou um cartum? Os processos são diferentes?Conte.
Mirna- Para o cartaz, funciona como disse acima. Já o cartum é puramente intuitivo. Muita coisa advém de coisas que a gente observa no dia a dia, numa notícia de jornal, até num ensaio fotográfico.
Ana- Você disse que a Raposa foi fundamental para a criação da revista Gráfica. Mas até então você já tinha uma experiência internacional. Como foi que te aconteceu este processo?Afinal pelo teu portfólio o que a gente vê é uma sucessão de trabalhos para revistas, editoras norte americanas, francesas, alemães, irlandesas, tchecas, japonesas e até latino americanas e brasileiras. Sem brincadeira você sempre foi mais internacional não?A que atribui isso?
Miran- Na metade dos anos 70, eu comecei a enviar muitos trabalhos que eu achava atraente, principalmente os mais tipográficos ou com ilustração e me inscrevia em todos os anuários possíveis, Era uma trabalheira, mas como eu era uma pessoa muito tímida, participar assim por correspondência era mais tranquilo e cômodo. Eu tive muita sorte, pois o nível dos trabalhos impressos no Brasil perto dos estrangeiros era muito ruim. Eu torcia para que a idéia, a minha ilustração vingasse. Que fosse selecionada. Hoje a rapaziada tem sorte, qualquer trabalho brasileiro tem níveis profissionais de impressão e não revela a origem. É igual ao da Coréia, do resto da América, da Europa. Eu também trabalhava meio de costas para o Brasil sim, os designers daqui eram muitos mais competidores entre si, mas não eram participativos. Eu me lembro quando falava na agência (entre colegas) que iria participar no anuário do CCSP, lá vinha a ladainha: “ Tá louco, o CCSP é uma panelinha paulista”...
Ana-E era mesmo uma panelinha paulista?
Miran- Acredito que no princípio era mesmo, mas entre eles, ali no júri, estavam profissionais como o Jarbas José de Souza, a Magy Imoberdorf, Dorian Takerka, Washington Olivetto, Sergio Graciotti, Aníbal Gustavino, Christina Carvalho Pinto, Paulo de Andrade o Francesc Petit, o Campioni, a “nata” da boa criação, da direção de arte no Brasil. Mas como eles não iriam ignorar um trabalho de qualidade, mesmo que feito fora de São Paulo acabei sendo o pioneiro nesta “abertura”. Assim como fui eu quem acabou abrindo caminhos para os designers de hoje a se inscreverem no TDC, na Society of Illustrators, no Creativity Show, na Graphis. Enfim fui o primeiro brasileiro a tentar, a ser premiado, a abrir as portas mesmo.
Ana- Impressionante também perceber o numero de prêmios que você recebeu ao longo da sua carreira. Há momentos que você faz um trabalho e ele é premiado. Como é isso para você?
Miran- Não é bem assim. No conjunto parece que foi rápido e fácil. Mas como eu disse, na fase dos meus envios de trabalhos com tipografia, coisa que foi forte nos Estados Unidos e Europa nos anos 70 e 80, fui muito feliz com os resultados, quando não ganhava um prêmio, era pelo menos selecionado e registrado nos livros especializados, e já viu: um designer estrangeiro já comentava com outro e fui ganhando notoriedade sem querer.
Ana- Você se relacionou sempre com grandes nomes do design brasileiro e internacional como o Le Petit, Ziraldo, Jaguar. Aliás, sei que foi o Ziraldo que te deu este nome: Miran: quer dizer ele te sugeriu isso e você aceitou. Aliás, teu primeiro prêmio foi justamente o cartaz da Rodovia do Café onde você concorria justamente com estes cobras citados ali em cima e mais o Juarez Machado. Sei que misturei as datas aqui, mas queria que contasse as duas histórias.
Miran-A do cartaz da Rodovia do Café para o Concurso Nacional do DNER foi no início dos anos 60 e eu trabalhava com o Zeno José Otto no Estúdio Griffo, era assistente dele, mas éramos amigos e a gente falava de arte e música popular dia e noite. O Zeno mais velho, é que me apresentou a Bossa Nova, a música de João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius, Sérgio Ricardo. Enquanto isso meus amigos só queriam ouvir Elvis. Os Beatles que passei a adorar surgiram dois ou três anos depois. Esta gente toda lá em cima, eu não conhecia direito ainda, só ouvia falar. Nos anos 70, sim, mandei trabalhos para o Pasquim, e daí o Ziraldo e Jaguar adoraram e me chamaram para fazer uma visita e passei a colaborar então com o jornal. Virei gente grande. Ah, o Ziraldo gostava tanto do meu trabalho que conseguiu espaço no Jornal do Brasil (no famoso Caderno B) que era dirigido pelo jornalista Carlos Leonam para que eu tivesse uma tira diária “O Essenfelder” - uma mosquinha que fazia comentários imbecís do dia a dia. Fiz por um ano e meio e tudo isso, ao lado do Henfil. Isto foi muito bom para marcar o meu nome e ganhar respeito aqui, na minha terrinha.
Ana- Sei que o Herb Lubalin foi um dos seus mestres que, aliás, disse sobre você (imagino entre outras coisas): “Para mim o especial talento do Miran é sua cabeça inventiva, sua disposição de aventurar e sua magistral habilidade gráfica. Mas é particularmente raro alguém que possa deslumbrar com o desenho sem ofuscar o significado.” Queria que falasse sobre esta amizade, sobre o que aprendeu com o Herb e o que significa este final da frase dele: ‘ sem ofuscar o significado’?
Miran- Começando pelo último item: ele quer dizer: saber dosar o trabalho de imagem seja ela ilustração ou tipografia, esta não pode ser mais chamativa que a idéia em si. Tudo tem que ter harmonia, o peso correto como que, passar a mensagem com discrição. O Lubalin escreveu para mim, logo que viu a minha primeira participação numa exposição do TDC- Type Directors Club of New York, fui agraciado com mais de 12 peças selecionadas. Isso foi na 25a Expo do TDC, ainda não havia ainda o livro anual para registro dos premiados, somente catálogos quando me tornei também, membro da instituição. E daí que saí já, no Primeiro Anuário que o clube lançou. O meu sponsor foi o Secretário do TDC, Mr. Jerry Singleton, que no início mediou nossos contatos, tudo por carta, pois era muita legal, pois a gente podia ser mais intimo nas divagações e solicitações profissionais. Daí, viagens seguidas para Nova York apresentou-me o estúdio, me apadrinhou com outros judeus designers e me forneceu alguns bons endereços com recomendações. Apresentou-me para o diretor da Typeface Internacional, Mr. Aaron Burns, que me abriu portas para uma série de eventos, participações em exposições coletivas, registro em livros que marcaram a história do design. Outra sorte minha, apareci na época certa, tudo estava sendo agitado e o design americano no ápice, e eu, um brasileiro que não teve as vantagens da Bea Feitler importante designer no mercado americano, brasileira de nascimento, mas com trabalho de criação e estudos essencialmente dentro dos Estados Unidos posição social melhor, pai americano, estudos em Colégios em Nova York, atividades no Brasil por pouco tempo, praticamente de férias, sejamos sinceros enquanto eu estava alí, caladinho, mas participativo. Lubalin foi muito importante para mim em relação ao fazer revista, ele amava a arte editorial e transmitiu muita coisa para mim, não só com palavras, mas com a sua própria obra
Ana- Sei também que outros mestres seus foram Tom Carnase, Mo Lebowitz, Lo Dorfman e especialmente no cartum: o Saul Steinberg, Paul Flora George Scarff, Ralph Steadman, André François, Ronaldo Searle. Gostaria que falasse por que o trabalho deles te chama a atenção e te inspira e suas nacionalidades.
Ana- Aliás, segundo vejo ainda no teu portfólio você sempre se comunicou com estes cobras ai numa era pré-internet? Vocês viajavam muito para cá e para lá ou era por telefone mesmo?
Miran- Por telefone quando dava para ser entendido, falando pausadamente etc. Alguns europeus como o Roman Cieslewicz tinha um inglês pior que o meu então ficava difícil a gente se entender. Já por carta, ele era mais comunicativo e mais descontraído. A correspondência ou os envios de trabalhos com bilhetes eram mais usados e funcionavam melhor, pois eram trocas de informações, de revistas, de livros. Tinha uma certa intimidade, a da coisa escrita com a caneta, com grafite. A internet para estes casos é mais fria. Eu é que sou bastante comunicativo na internet, devido à timidez, eu me expresso melhor escrevendo, pois redijo e-mails longos, dou detalhes, etc. Mas a maioria não é assim, em geral as pessoas escrevem pouco e abreviam as coisas. As cartas de internautas são quase impessoais e isso advém da falta da antiga e habitual correspondência. E depois, a carta é um registro vivo, é para sempre. Portanto, tenho como comprovar que me correspondi com aquele, com aquel’ outro.
Ana-O Jacob Klintowitz, dos mais conceituados críticos de arte brasileira disse lá pelas tantas que “na composição, o uso do branco e do espaço vazio, o seu desenho se enriquece de requintes gráficos, do traço fino, da contundência do simulacro da velocidade. Recursos consagrados pelo desenho do cartum contemporâneo.” Explique isso que ele disse.
Miran- Acredito que ele queria dizer na ocasião, que o meu trabalho, o desenho de humor era diferente do habitual visto no Brasil. Como falei numa resposta anterior, o desenho exprime o cartum, mesmo que seja uma piada fraca, o desenho por si, dialoga com o leitor. Este comentário do Klintowitz incluído na sua pergunta extraí de uma crítica favorável ao meu livro Miran. Um Rapaz de Fino Traço publicado no Estado de São Paulo. Ele gostou muito do livro, porque é um livro de humor atemporal e universal. Não tem legendas, e os cartuns falam de coisas comuns para o cidadão, seja ele brasileiro ou chinês. E o desenho é bem elaborado. Modéstia à parte, o meu livro de humor foi um dos primeiros a ter este comportamento no Brasil. Em sua maioria, eram de charges ou de simples caricatura política.
Ana- O Ziraldo salientou que você nunca viveu - como todo mundo- no Rio ou em São Paulo, mas é um dos artistas mais importantes deste país. Além disso, te considera um “desenhista de humor e cartunista do maior talento talvez o mais sofisticado que temos.” O Jaguar também te elogiou largamente como muitos outros daqui e d ’alem mar e justamente ele diz que “uma pagina projetada por você é irretocavelmente bela. Tensa como uma corda esticada de um equilibrista, proporção perfeita entre ilustração e texto.Mas principalmente sabe usar o espaço em branco como um bom musico sabe usar o silencio.”Gostaria que falasse deste uso do espaço em branco, enfim deste equilíbrio que os críticos e artistas vêm no teu trabalho.Isso foi muito batalhado?Fale sobre isso.
Miran- Este estilo de diagramar, de paginar, acredito vir de um cineasta frustrado. Eu vejo a página como num enquadramento, o ritmo que procuro dar nas páginas que seguem é como o de um montador (ou de quem faz a edição cinematográfica), o corte seco alí, a cena mais longa, mais extensa lá... E também como o olhar do cineasta, querendo a contra luz num momento, o close-up em outro. O Lubalin transmitiu-me um pouco deste tipo de visão da página. Estas coisas na verdade, não se aprende isto nasce com você. Se eu amanhã tivesse a possibilidade de dirigir um filme, ele poderia não resultar em um bom filme, mas com certeza, seria um filme esteticamente bonito.
Ana- Por falar nisso você nunca pensou em fazer cinema já que se diz um cineasta frustrado?
Miran- Quanto ao cinema, digo frustrado porque eu demorei a entender o que eu queria realmente no cinema. Na verdade, nem era ser exatamente diretor, mas sim, criador de títulos-as aberturas. Quando me dei conta disso, achei que era tarde, já me aproximava dos 40 anos e foi justamente quando comecei a me corresponder com o Saul Bass e até fiz uma Gráfica especial com ele. Esta edição tem insertado um story board completo do filme de ficção científica que ele fez o Quest, um curta de razoável duração e também uma “sala” dele especial nas mostras itinerantes da Gráfica no Museu de Arte Moderna do Rio, no MASP e várias Faculdades, por aí a fora. O meu irmão Marcos Miranda é quem levava a mostra que foi patrocinada pelo Banco Bamerindus. Saul Bass, até me convidou para fazer um estágio no estúdio dele para aprender mesmo como trabalhar com a câmera, com stop-motion, animação, aquelas coisas. Mas eu não queria mais me locomover, ficar um ou dois anos fora. Depois pensei, no Brasil eu não teria mercado e eu não estava disposto a levar toda a família para lá para entrar numa especialidade onde eu teria que começar praticamente tudo de novo. Daí a minha frustração, ficou uma coisa incompleta na minha carreira. Mas valeu por ter tido bastante contato com o Bass, por ter sido apadrinhado por ele na AGI e por receber tanta atenção dele.
Ana- Você me disse que é casado com a Gui que é nada menos que criadora do Ballet Coppélia do Brasil que é super conhecido. Me fale sobre ela e suas filhas?Elas herdaram teu talento para as artes gráficas?
Miran- Tenho três filhas: Bellysa- a mais nova que fez Exatas e parou, fez jornalismo até o terceiro ano mas ficou mesmo com a Educação Física onde se formou agora em março de 2009; a Andrezza a do meio, fez Educação Física e Design Industrial até o segundo ano na PUC e parou e a Cybele a mais velha, que mora em Belô e fez Belas Artes, só por causa da Dança .Todas puxaram o lado da minha mulher a Gui professora de Educação Física, que tem uma escola de ballet há trinta anos- o Ballet Coppélia do Brasil. A minha mulher é especialista na Escola Russa de Ballet e volta e meia prepara alunas para audição na Escola de Ballet de Mônaco. Já deixou três excelentes bailarinas na Europa, a última que ela preparou- a Laís passou no Corpo de Baile da Ópera de Paris, e hoje reside lá na França. Todas as meninas acabaram sendo professoras de ballet. A Andrezza, que tem mais tino para o desenho é preguiçosa, mas acabou casando com o André, que virou o meu partner na revista Gráfica e quando quer faz uns freelas fazendo a parte digital para mim. Tem talento para isso, mas não liga, prefere trabalhar na indústria de móveis de aço com o pai. Veja só! Não levei sorte, ninguém da família vai dar continuidade no que eu faço, na Gráfica.
Ana- Quem sabe um de seus admiradores não assume isso? Um ou mais desses designers que seguem sua trajetória e te consideram o maior do Brasil?
Miran- É, na verdade pensei um pouco sobre isso, tem alguns jovens designers que eu confiaria em dar a continuidade no design da Gráfica, como por exemplo, o Oscar Reinstein (que já mereceu artigo na revista), como os recém-formados e partners Lúcio e Osvalter ou o excelente Dado Queiroz outro designer que teve belo artigo na minha revista.
Ana- Quando te entrevistei lá em 1988 naquela bela sala da Clementi e Gramani que editava a ABIGRAF você me pareceu um cara tímido. Vendo agora teus blogs mesmo pela troca de emails para esta entrevista senti certa pureza de intenções nos teus textos que me remeteu a um tempo que não sei se as pessoas que me lêem agora vão entender-quero dizer as novas gerações. Enfim vi no teu jeito de se expressar uma semelhança com pessoas com quem convivi e num tempo em que alguns de nós vivemos era bem melhor no sentido humano. Fale sobre isso, esta postura de trabalho sério que me parece você continua tendo e que hoje não é comum.
Miran- Aí a desvantagem de ser tímido me fortaleceu, porque mais que outros, me comuniquei muito com o exterior por correspondência, porque era mais fácil e mais prazeroso de me comunicar. E você sabe quem escreve muito e lê muito, aprende mais (e olha, tive que responder cartas em inglês, e italiano, através do meu precário conhecimento destas línguas, mas veja que valeu o esforço). Talvez eu seja mais coerente e mais agradável escrevendo as legendas das minhas postagens ou me comunicando por e-mail, pois eu me solto, fico mais à vontade. Pessoalmente, não sou assim tão chato, mas tenho que tomar uns três doses de uísque para ficar à vontade. A nova geração tem um problema sério- fiz comparações com os textos de blogs e noto neles a preguiça de escrever, de se expressar, os códigos de internautas ou da moda que são utilizados em excesso. E a virtude que eu tenho ao me comunicar, é a franqueza. Coisa que não estou vendo muito por aí...
Ana- Você nunca se mudou para São Paulo ou Rio e até foi convidado para se mudar para os States e não foi. Ter ficado em Curitiba afastado dos grandes centros ainda que colaborando em jornais tipo New York Times e revistas como Time entre outros veículos internacionais famosos e se relacionando com os cobras do design mundial te deixaram assim? Quero dizer apesar de tudo isso o sucesso não te subiu à cabeça? Ou subiu?
Miran- Nunca. Eu tenho um bom desconfiômetro (risos) Claro que tudo tem seu preço, sei que se eu tivesse “encarado” mais o mundo e com cara dura mesmo, se não tivesse esta espécie de “síndrome do pânico” com certeza eu estaria melhor na vida, possivelmente rico e falando francês embaixo da torre Eiffel (mais risadas) Mas teria realmente feito o que fiz em termos de produção, para mostrar o meu trabalho? Teria feito a revista Gráfica? É coisa pra se pensar.
Ana- Sei entendo. Acho que não teria feito mesmo porque estaria talvez badalando em Paris. Já que você falou da revista vamos então falar agora da Gráfica, todo o processo de entrada no mercado europeu a ponto de ser hoje Gráfica Arte Internacional. Quando te entrevistei em 1988 ela estava no quinto ano e no # 19. Hoje tem vinte anos mais, portanto 25 anos e está em que numero? Naquele tempo tinha quantas paginas e hoje têm quantas?
Miran- Na ocasião, em 1988 para ser exato a Rotovision conhecendo a publicação em Portugal, passou a distribuí-la em toda a Europa por uns dois anos. Apesar de não termos uma grande tiragem, ela circulou bem na Europa e manteve o nome da revista no ranking, entre as melhores do mundo no gênero. Isto me ajudou muito profissionalmente e como editor, pois ampliou o meu contato com artistas e designers estrangeiros. Mas na verdade a revista Gráfica nunca teve uma periodicidade certa, foi bimestral trimestral e a maior parte da sua carreira quadrimestral. Hoje está na edição # 72 (arquivo pronto para imprimir na Posigraf). O desagradável da história é que acabei de perder o patrocinador industrial devido ao marketing-. que, aliás, foi um péssimo patrocinador, pagava direitinho, mas entregava a revista com muito atraso. Só para você ter uma idéia a última impressa por eles, a que saiu estes dias nas ruas, e cujos arquivos fechados entreguei em agosto de 2008, nos foi entregue impressa no dia 15 de fevereiro de 2009, brincadeira. Ou seja sete meses para entregar a revista que ele prometia ser bimestral em contrato. As outras eles demorou um pouco menos-desde a # 54: quatro meses, 3.1/2 meses! O pior: estão com três edições duplas prontas em arquivos # 66-67, # 68-69, # 70-71 - que conta a história da revista Gráfica - e a # 72, edição normal e atravancaram lá, sem imprimir. Vou ter que brigar na justiça. As primeiras edições entre os anos 80 até inicio dos 90, variavam entre 76 páginas a 86 páginas. Nos anos 90 até 96 a 100 páginas. Agora nos anos 2000 está com 120 páginas e as edições duplas entre 2008 com 200 a 220 páginas. Um luxo!
Ana- Um luxo mesmo pelo que vejo nos teus blogs porque na verdade só tenho aqui o numero #19 que ganhei na ocasião da entrevista e que deve uma raridade hoje, não?E agora queria também que falasse do processo de criação da revista AdD criada também em 1988 para justamente publicar os trabalhos que não entravam na Gráfica e que você recebia dos artistas brasileiros e estrangeiros segundo me disse.Você disse que ela é tua cria preferida? Por quê?
Miran- A AdD tem uma sofisticação é uma espécie de BAZZAR do design! É o que deveria ter no Brasil, com boa tiragem. Uma revista de arte , fotografia e design mensal. Tema livre, só portfólios e um só artigo especial por edição. Sem ser puxação de saco do mercado publicitário, o que é difícil, eu sei! Se não for assim, o cara não consegue anúncio. É como dizia o Lubalin: Quer fazer uma bela revista? Faça a “sua” revista. Por isso, ele fez as três revistas mais bonitas da história e que não tiveram vida longa, a Fact, a Eros e Avant Garde.
Ana- Ao longo da sua carreira você fez exposições não apenas do teu trabalho, mas dos colaboradores das revistas que edita. Quer dizer você é um divulgador também das artes gráficas certo? Nem todos ilustradores como você se considera fazem isso. E qual tem sido o retorno deste trabalho? Como é recebido pelos artistas e pelo publico amante das artes?
Miran- Talvez esta minha posição, este meu jeito de divulgar o trabalho dos meus colegas sem inveja, sem rivalidade, mas com bastante respeito e admiração pelo convidado, fez com que eu ganhasse a simpatia de todos eles, o que também resultou em uma grande gama de colaboradores. Outra coisa, eu valorizo o trabalho deles, diagramo suas imagens sem sobrepor a minha direção de arte. De certa forma estou ali presente, mas de maneira indelével. A minha revista valoriza e oferece um registro elegante, sem dúvida. Os ilustradores argentinos Hermenegildo Sábat (pai) e Alfredo Sábat (filho) são unânimes em afirmar que a Gráfica não é uma revista, é um “museu” das artes gráficas.
Ana- Você me parece trabalha sem parar. É verdade?Quais são seus projetos para o futuro? Atualmente está trabalhando em que projeto?
Miran- Estou fazendo o projeto do 6º. Anuário do CCPR - Clube de Criação do Paraná, acabo de enviar as imagens da revista Gráfica feitas no ano 2000, para o MAM, que vai colocar a revista na parte de design editorial na mostra Design Brasileiro Hoje- Fronteiras , com curadoria de Adélia Borges que inicia no dia 2 de abril e vai até 28 de junho de 2009. Em seguida, estarei fechando os arquivos de mais um jornal, desta vez de humor: Yes (Ouiés), uma espécie de blog impresso que estou anunciando no blog de vez em quando e nunca termino.
Ana- Por falar nisso por que você demorou tanto para entrar na internet?E ainda: gostou do veiculo?Da nova mídia?
Miran- Veja Ana, tudo o que é novo, principalmente do meio eletrônico a gente via com certa desconfiança. Para começar trabalhar com o computador. Relutei um pouco sim, mas depois de conhecer o “bicho” de perto, vi que não era tão ruim assim (risos). E, que aquela ferramenta, não estava vindo para me tirar de cena, para me eliminar de vez do contexto. Muito pelo contrário, foi uma ferramenta que veio para fazer com que eu ganhasse tempo. Escanear as imagens, salvar os meus desenhos em arquivos, gravar em CD e poder despachá-los para onde bem entendesse. Assim como, me facilitando realmente o envio, pois posso diretamente do computador, enviar estas imagens para qualquer profissional ou estação de trabalho distante. Demorei um pouco a me familiarizar com esta mídia em particular. Daí foi um pulo, pois notei que além de ter agilizado as minhas tarefas, o fez também com a minha comunicação com terceiros. Claro, isto não impede que separadamente, eu ainda escreva minhas longas cartas (risos). E a minha migração para os Blogs em particular, veio naturalmente também, pois eu recebo muitas solicitações de jovens estudantes. Seja de pedidos de imagens, breve biografia ou dados profissionais de certas épocas etc. Tudo para ajudá-los a preparar uma monografia ou teses de conclusão de curso. Percebi que se colocasse estas informações com imagens e comentários relevantes em blogs por especialidade, estaria me dirigindo separadamente para a audiência certa. E foi o que aconteceu. Estou até pensando em fazer o “blog de esboços” (risos). Só tem uma coisa que não estou gostando muito, tem gente copiando a minha maneira de fazer estes blogs. Até na maneira de fazer os comentários...
Para saber mais sobre ele veja seus blogs
http://miranrevistagrafica.blogspot.com/
http://www.mirandesign.blogspot.com/
http://www.miranilustra.blogspot.com/
http://mirancartum.blogspot.com.br/
http://www.mirandesign.daportfolio.com/
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