Renata Pallottini : consciência do trabalho urgente e humilde
Poeta, ficcionista, dramaturga, e professora de teatro, cinema e televisão, Renata Pallottini nasceu em 20 de janeiro de 1931 em São Paulo, formou-se em Direito pela Faculdade...
Revista digital de Arte e Cultura
Escrevi esta matéria, para o suplemento Cultura d’O Estado de São Paulo (25 de novembro de 1979) quando trabalhei com o dramaturgo e tele-dramaturgo Lauro César Muniz, na novela Os Gigantes da Rede Globo de Televisão, como pesquisadora de arte, e uma de suas peças -Sinal de Vida, que havia sido finalmente liberada, estava em cartaz no Auditório Augusta em São Paulo.
O nome do cargo era este, mas na verdade o que eu fazia - assim como outras pesquisadoras que os novelistas tinham como assessores era o trabalho de pesquisa que embasava vários temas da trama. Na verdade era ainda o tempo em que novelistas escreviam sozinhos uma novela inteira, apenas com esta assessoria referida.
Mas este estado de coisas, digamos, já começava a esboçar leve mudança e especificamente nesta novela o Lauro César teve a ajuda de uma jornalista e escritora que estreava em novelas, que eu conhecera na Editora Abril e que hoje é um dos nomes mais famosos deste gênero no Brasil: Maria Adelaide Amaral.
Os Gigantes, que tinha como protagonistas dois grandes atores brasileiros: Antonio Fagundes e Dina Sfat, não emplacou, não sei exatamente os motivos, mas talvez tenha a ver com por exemplo o fato de o Lauro ter tido um enfarte durante o período de aprovação da história e ter sido obrigado a parar.Eu naturalmente fiquei também esperando o retorno enquanto entrava no ar um trabalho de uma outra autora global:
Quanto o trabalho foi retomado, cerca de seis meses depois - diga-se que a Globo é uma das únicas empresas que eu conheço que mantém seu staff ganhando sem trabalhar - Lauro foi obrigado a mudar muita coisa da sinopse inicial já que ele mexia com alguns vespeiros - por exemplo: multinacionais que trabalham com produtos derivados do leite. Daí a novela se passar em fazendas de gado leiteiro.
Mesmo sem nunca ter falado com ele sobre isso, penso que, depois de ter lido a primeira sinopse, eu o tenha influenciado já que de inicio a personagem da Dina era uma estilista e virou uma jornalista. Depois porque o irmão, doente, terminal, da referida personagem em quem ela vai praticar a eutanásia deixava uma carta a ela. E afinal na sequencia isso é mudado e ele deixa uma fita gravada.
Vou explicar: em geral quem ocupava este cargo junto aos novelistas era uma historiadora - aliás, se vocês forem pesquisar a história da telenovela brasileira vão encontrar um nome ali constante: Ana Maria Magalhães. Acredito que eu tenha sido a primeira jornalista a desempenhar tal função e assim introduzi, sem saber, acredito, algumas mudanças no modo como passava as informações para o Lauro. Muitas vezes não entregava um texto, mas uma fita gravada, com as informações diretas das fontes.
Enfim, dou esses detalhes para talvez um dia algum pesquisador do gênero, saiba que apesar de Os Gigantes ter sido considerada uma das piores novelas suas pelo próprio autor - ouvi o Lauro dizer isso numa entrevista há alguns anos, ela certamente marcou algumas mudanças importantes - os autores começavam a dividir o trabalho, com outros colegas, ainda que isso fosse ainda muito embrionário, incipiente.
Lauro César Muniz nasceu em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, no dia 16 de Janeiro de 1938, fez engenharia, quem diria, mas exerceu a profissão durante poucos anos. Com o teatro no sangue, na infância já fazia roteiros a maneira das peças da Commedia Del’Arte sendo que aos 13 escreveu sua primeira peça: Mamãe tem Razão. Dai para frente não parou mais - foi estudar dramaturgia na Escola de Comunicação e Artes da USP, frequentou seminários, e partiu para a luta: escreve para teatro, cinema e televisão profissionalmente desde os anos 60.
Hoje aos 69 anos tem no seu currículo de uma carreira bem sucedida, nada menos que quarenta e oito trabalhos entre peças de teatro, novelas, minisséries e filmes. Seu trabalho no cinema começou com O Santo Milagroso (1963), de Carlos Coimbra. Em 1973, Lauro teve uma de suas peças, Sinal de Vida, proibida pela ditadura militar. No mesmo ano, escreveu o teleteatro O Crime do Zé Bigorna (TV/1973).
Entre 1975 e 1991, conseguiu construir uma sólida carreira tanto no cinema, com filmes como O Crime do Zé Bigorna (1977), reedição do teleteatro homônimo, Forever (1989) e As Feras (1991) (ambos dirigidos por Walter Hugo Khouri) quanto na televisão, com as novelas Escalada (TV/1975), O Casarão (TV/1976), Espelho Mágico(TV/1977), Roda de Fogo (TV/1985) e O Salvador da Pátria (TV/1989).
Congelado como ele mesmo disse pela Globo,onde atuara por três décadas, seu ultimo trabalho naquela emissora foi a minissérie Aquarela do Brasil em 2000, Lauro César Muniz, resolveu mudar de ares: foi para a Record onde estreia em março de 2006 com a novela Cidadão Brasileiro e diz que está animado porque além de voltar a trabalhar vai ter um horário que vai possibilitar fazer temas adultos.
No Auditório Augusta, durante toda a temporada de Sinal de Vida, um público atento e quase paralisado, assistia todas as noites o ator Antonio Fagundes gritar por uma moça chamada Verônica, exigindo de quem o ouvia uma resposta sobre o seu paradeiro. “Eu quero saber. Onde está Verônica!” E essas são as duas ultimas frases do personagem Marcelo. A luz caía vagarosamente e Sinal de Vida, do dramaturgo Lauro César Muniz terminava. Aplausos emocionados, perplexidade do publico, uma sensação de vazio na boca do estomago e afinal todos saiam do teatro sem qualquer resposta. Mas porque haveria uma resposta - afinal não era apenas uma peça?
A diferença é que Sinal de Vida que foca o jornalista Marcelo Estradas fazendo um balanço de sua vida, numa longa noite a partir de um fato - a noticia da morte de uma antiga companheira cujo engajamento político se dera sob sua orientação: Verônica, que a partir de um momento opta pela luta armada, enquanto ele continua acomodado na sua profissão - fala da nossa história mais recente, ainda que, segundo alguns críticos, não aprofunde o processo político sofrido pelo país nos últimos quinze anos.
Nesta noite de revisão, Marcelo coloca em cheque toda a sua atividade política como ex-militante do Partido Comunista e como marido e amante das várias mulheres que passaram pela sua vida. E a perplexidade do publico se deve ao fato do dramaturgo ter posto o dedo na ferida aberta de milhares de brasileiros que, como Marcelo, se questionam, se torturam diante da própria omissão nestes longos anos de arbítrio. Na plateia com certeza, muitos também esperam sinais de vida de suas Verônicas particulares.
“Quem acompanhou os fatos sangrentos transcorridos na virada para os anos 70”, escreve o critico de teatro e jornalista Jefferson del Rios, “sabe que inúmeras Verônicas existiram. Saíram das passeatas estudantis da Rua Maria Antonia, sede de algumas aguerridas faculdades da Universidade de São Paulo, das profissões liberais, das famílias burguesas, ou do teatro. Durante o desenrolar de Sinal de Vida, o jornalista afunda na dor e na incerteza quanto ao paradeiro daquela sua Verônica provavelmente metralhada.”
“A beleza do trabalho do Lauro para mim, diz o ator Antonio Fagundes, é justamente essa exposição que ele faz através do Marcelo. A honestidade dele diante da própria perplexidade em emociona porque ele coloca em cheque a validade do seu trabalho intelectual. Este questionamento é a própria definição do artista que ele é.”
E foi exatamente para não matar o artista que já pressentia dentro de si que Lauro César Muniz afastou-se da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde dava aulas de dramaturgia e fazia mestrado sob orientação de Sábato Magaldi e Jacob Guinsburg, para escrever em 1972 esta peça.
Aquelas duas semanas de licença que tirou na universidade seriam definitivas na sua vida: não voltaria mais para lá. Abandonava o projeto de teatro inacabado - o teatro refletindo os momentos de convulsão social do país. Temia que o teórico matasse o dramaturgo e que finda a tese de mestrado partisse para o doutorado e ficasse definitivamente vinculado a universidade.
Isso não significa que Lauro César Muniz tenha alguma espécie de preconceito contra a carreira universitária. Apenas considera diferentes os universos do escritor e do professor universitário. “O ficcionista pode dar lances além da análise, prever fenômenos, porque ele tem um canal aberto, enquanto o professor, o cientista trabalha com outra realidade.”
Por falar nisso lembra que Sinal de Vida “nasceu de um jorro fácil. Escrevi a peça em doze dias de uma maneira quase mágica. Eu sabia desde o começo como os seis personagens iam se relacionar e tinha uma previsão para o final que era o julgamento do Marcelo feito pelo cadete e pelas quatro mulheres.” Mas Lauro conta que ao chegar a este ponto houve uma espécie de bloqueio. Era madrugada e ele estava em Ubatuba. Saiu do escritório para andar um pouco. Quanto voltou para retomar o trabalho viu que a peça estava pronta.
“O final tal como está, com o Marcelo gritando o nome da Verônica, se impôs com tal força que foi impossível lutar contra ele. Inclusive é um anti-final que eu não aconselharia para os meus alunos - é um final projetado da cabeça do Marcelo. A emoção que me tomou é a mesma que os espectadores têm no final. O público espera um sinal de vida, como o Marcelo.”
E Lauro César Muniz também ficou esperando como os personagens, e como grande parte dos brasileiros, apenas um sinal de vida de uma companheira de lutas, nesses quinze longos anos que não foram ainda apagados da nossa memória?
Considerando que a espera significa não ação, Lauro concorda que enquanto espera Marcelo não age. Ele, no entanto, como escritor tem como função social levar o publico a refletir sobre esta mesma inação. E sua ação foi escrever a peça.
“A ação necessita de conhecimento, ou seja, para agir a pessoa deve antes se conhecer. E sem duvida, o grande mérito da peça é motivar o espectador a um ato de auto prospecção, e uma reflexão.” Conjectura como seria bom se pudesse se situar com relação as suas omissões e ansiedades, já que “a maioria silenciosa” nem sequer cogita em se conhecer. “Para sentir que se omitiu é preciso antes de qualquer coisa que a pessoa se conheça. E o grande álibi de Marcelo é sua tentativa de se conhecer.”
Reconhece que o personagem resvala para o autobiográfico: tanto ele como o Marcelo estão na mesma faixa de idade, ambos têm atividades congêneres, um é jornalista, o outro dramaturgo e novelista. Além disso, os dois são desquitados e finalmente ambos participaram de atividades políticas depois do Golpe de 1964 no Brasil.
Mas na verdade Lauro César Muniz acredita que Marcelo abranja toda uma geração e a peça tem a força de ir ao ponto chave dela, que é a omissão. E quem, pergunta não se questionou não se perguntou num determinado momento na solidão do seu escritório sobre o que fez ou deixou de fazer para evitar tudo isso?
Lauro César admite que personagens autobiográficos sejam perigosos. O autor pode ceder à tentação de ‘contemplar o próprio umbigo’, de se idealizar. Mas não é isso que ocorre com o Marcelo de Sinal de Vida, que marca justamente porque o personagem expõe suas misérias, suas dúvidas, suas contradições. “Marcelo passa para o público porque ele não rasga o coração, mas os intestinos.”
A julgar pelos seus personagens, através dos quais o dramaturgo Lauro César Muniz se expõe, deve-se imaginar que o autor, na sua vida particular igualmente se mostre sem pudores? Não se iluda o leitor - na vida real ele é tímido, fechado e como se define - introvertido. Não gosta de reuniões, e nunca vai a locais onde em geral a classe teatral frequenta. Não gosta de coquetéis, nem de estreias de teatro. Evita festas, especialmente aquelas onde é alvo de homenagens. Nestes casos chega a sentir um sofrimento mortal.
Aliás, o publico nunca verá Lauro César Muniz na plateia do teatro enquanto uma peça sua estiver em cartaz. “Nunca vi Sinal de Vida da plateia, depois da estreia.” Fica nos bastidores, na cabine de luz, já que se sente pouco a vontade no meio do publico. Tem a sensação de estar exposto. “Sempre fui assim e sinto que à medida que amadureço me isolo cada vez mais.”
Já diante das câmeras a coisa muda. Aí consegue isolar a multidão que está atrás delas e ficar a vontade. Da mesma forma consegue se sair muito bem em palestras e conferencias, talvez pelo hábito deste tipo de contato com o publico, em geral composto por jovens estudantes.
Lauro César justifica este medo de aparecer: é um ferrenho critico de si mesmo. Sempre foi muito exigente a ponto de o Lauro de hoje não perdoar o Lauro de outros tempos. Nunca relê suas peças a menos que precise trabalhá-las, como foi o caso de Sinal de Vida, recentemente liberada pela censura e que foi retocada para a montagem do Auditório Augusta.
Da mesma forma não revê filmes que tenham roteiros seus ou que sejam baseados em peças suas como O Santo Milagroso, lançado em 1966, com direção de Carlos Coimbra e produção de Oswaldo Massaini; O Anjo Assassino, direção de Dionísio de Azevedo de 1971 e O Crime do Zé Bigorna que estreou em 1977.
Ou seja, não tem a mínima tolerância com suas criações ainda que fique sempre muito feliz quando grupos amadores remontam suas peças. E, no entanto, o teatro parece ter estado sempre no sangue de Lauro César Muniz: desde muito criança escrevia peças, roteiros, à maneira da Commedia Del’Arte para seus companheiros de brincadeira.
Mas só muito mais tarde vai descobrir que aqueles roteiros se chamavam canivattes, e que sem querer estava imitando atores e diretores renascentistas que improvisavam sobre aqueles esqueletos de peças. Suas primeiras produções já possuíam uma estrutura dramática, o que denota uma vocação precoce para o teatro. “Nunca escrevi outra coisa além de teatro. Não considero mérito. Apenas constato que nunca me exercitei na poesia ou no conto, coisa comum na adolescência.”
De qualquer forma houve um ambiente propicio. O pai era amante do teatro e graças a uma particularidade da censura que vigorou até a década de 40 no Brasil: menores de 18 anos podiam entrar acompanhados pelos pais em peças impróprias (havia as proibidas) Lauro César viu alguns sucessos que de outra forma não veria em função da sua idade.
E houve ainda uma em especial que despertou o dramaturgo Lauro César Muniz: uma farsa inglesa chamada A Tia de Carlitos, feita por um grupo de amadores no Teatro São Paulo, com Jaime Barcelos fazendo um travesti. Inspirada nesta peça, Lauro escreveu seu primeiro trabalho - aos 13 anos de idade: Mamãe tem Razão.
Mas só em 1958 surge aquela que seria sua verdadeira entrada no teatro brasileiro: Este Ovo é um Galo, apresentada inicialmente na TV de Vanguarda (TV Tupi) em 1959 sob direção de Ademar Guerra. Considerada pelo próprio autor como a matriz do seu teatro Este Ovo é um Galo é a estória de uma cidadezinha do interior do estado de São Paulo, situada na zona da Mogiana. A ação se passa em outubro de 1932 após o rendimento das forças revolucionárias paulistas as tropas legalistas do governo. A cidade é uma das ultimas a se render ao poder militar. Acaba sucumbindo, mas da rendição surge uma consciência juvenil que não aceita imposições e prevê a volta as liberdades democráticas.
Mas foi sua segunda peça O Santo Milagroso escrita em 1963, a primeira encenada profissionalmente. Montada neste mesmo ano pela Companhia Cacilda Becker, a peça de Lauro César Muniz acabou se transformando no sucesso da temporada. César e Cleópatra de Shakespeare encenada na mesma ocasião foi um fracasso. Analisando a peça, o critico de teatro Sábato Magaldi escrevia em agosto de 1963 no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo.
“Pode-se dizer que Lauro César Muniz fez a paródia de um auto religioso, pela incidência de símbolos hauridos do cristianismo. O padre José e o pastor Camilo de cujas relações nasce a história de O Santo Milagroso, travam o primeiro diálogo enquanto pescam nas margens opostas de um rio, símbolo de sua missão eclesiástica. E por coincidência significando a disputa e a união involuntária, dois anzóis trazem o mesmo peixe. Dito, sacristão da Igreja católica e verdadeiro filho adotivo do padre e Terezinha, irmã do pastor, mordem a maçã bíblica desencadeadora de todas as peripécias. Justamente para evitar este passo que o pastor se transfundiu em ‘santo milagroso’, procurando prestigio sobrenatural para anematizar o pecado dos dois sexos, providencia inócua tanto no Éden primitivo como nessa longínqua repetição da queda paradisíaca.”
Além disso, Sábato lembra que não faltam os demais ingredientes da comédia para enriquecer o propósito da sátira: a realidade do interior representada por seus personagens mais típicos - o coronel, o bispo, e a consumação de milagres servindo a promoção pessoal do político e a seus propósitos eleitoreiros. “Enfim, estamos em face de costumes ancestrais do país,” conclui com ironia o critico.
Na época em que foi lançado O Santo Milagroso, o critico e professor de teatro Décio de Almeida Prado registrava a diferença entres as peças de Lauro César Muniz e as de seus companheiros de geração. Para ele a comicidade das peças de Lauro eram menos doutrinárias e não se confundiam mesmo com a de nenhum outro.
Estes “companheiros de geração” eram os escritores que surgiram na segunda metade da década de 40, a maioria participante do Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena de São Paulo: Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Flávio Migliaccio, Benedito Rui Barbosa, Francisco de Assis, Oduvaldo Vianna Filho, Milton Gonçalves.
Aliás, por puro acaso que Lauro não entrou para a história do teatro brasileiro como esses outros autores: pela porta do Teatro de Arena. Talvez tivesse entrado pela mesma porta se suas peças não tivessem essas características que o tornaram diferente segundo Décio de Almeida Prado. Quando foi vetado para o Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena, Lauro César foi para a Escola de Arte Dramática de São Paulo, já que sentia necessidade de se engajar em algum grupo para debater e estudar teatro.
Em 1969 surge A Morte do Imortal, encenada neste mesmo ano no Teatro Oficina pela Companhia Independente. A Morte do Imortal é a fusão de duas peças: A Estátua (1963) encenada na TV Excelsior e Nu para Vinicius, que tem como tema a impossibilidade de conciliação entre o artista e o burguês, dois mundos considerados opostos e irreconciliáveis pelo autor.
Até que ponto Lauro César Muniz viveu o dilema do escultor Jordão Estradas quando diz a certa altura: “sou um artista que não sabe viver entre burgueses e um burguês que não sabe viver entre artistas.” A frase refletia de fato, a ansiedade de um engenheiro que não convivia em paz com a sua atividade. Em 1965, Lauro César ainda era um engenheiro que trabalhava com racionalização de métodos de trabalho numa grande empresa.
O cálice transbordou quando foi requisitado para fazer uma analise de mão de obra, visando um corte de funcionários. Recusou-se a fazer o trabalho e isso ocasionou uma série de problemas, culminando com o abandono definitivo da profissão. Daí que de fato, esta preocupação era concreta na época em que escreveu A Morte do Imortal. Não traduz porem contradições contemporâneas. “Hoje me sinto bem entre meus colegas que são todos artistas”.
No ano seguinte, em 1966 Lauro César Muniz deixa a engenharia para se dedicar ao teatro - substitui a empresa pela televisão, já que nem só de teatro era possível viver.
Mas havia acima de tudo uma preocupação quanto ao seu futuro teatro. Acabara de escrever Infidelidade ao Alcance de Todos e a peça, montada no TBC fazia um estrondoso sucesso: dezoito meses consecutivos em cartaz. Mas apesar dos méritos não havia dúvidas, ela era uma concessão ao gosto de um grande publico.
A partir de Infidelidade Lauro César Muniz se coloca em cheque e entre continuar neste filão no teatro - o sucesso fácil com peças leves e fazer televisão, optou pela segunda hipótese. Só assim poderia fazer o teatro que quisesse sem preocupações com sucesso de público. Lauro lembra que na época havia um grande preconceito pelo trabalho em televisão, apesar da tentação dos altos salários.
Em 1968 participa com O Líder da Feira Paulista de Opinião e em 1969 lança A Comédia Atômica, que ao contrário das expectativas acaba se tornando um enorme fracasso, apesar da razoável aceitação da crítica.
Ocorre que a peça surgiu no cenário teatral brasileiro no momento em que apareciam novos autores com propostas de um teatro realista: Leilah Assumpção, Consuelo de Castro, Jose Vicente, Antonio Bivar, Plínio Marcos, enquanto A Comédia Atômica tinha a simplicidade de uma peça política que se pretendia didática.
A peça conta um processo de mudanças de sistemas sociais numa ilha (o Brasil) onde se verifica uma explosão atômica. Considerada menor pela critica e não realizada pelo próprio autor, tem como principal mérito falar sobre as decisões tomadas em petit comité: as revoluções feitas a portas fechadas. Afinal as decisões serão sempre tomadas por uma minoria enquanto o povo assiste passivo ao espetáculo?
Refletindo sobre duas de suas peças, A Comédia Atômica e Sinal de Vida, a primeira escrita sob compromisso com uma ideologia e a segunda imposta, Lauro César Muniz conclui que enquanto o professor de teatro poderia ter escrito a primeira, não poderia ter feito a segunda. E chama atenção para o caráter fascinante da obra de arte: sua lógica interna que transcende qualquer tentativa de racionalização. Acredita por isso mesmo que qualquer tentativa de se fazer um teatro político pode desaguar num esquematismo perigoso, já que a ideologia tende a subjugar.
Recorda que poucas obras do teatro universal vinculadas a uma ideologia conseguiram perdurar. Algumas peças de Brecht, alguns filmes de Eisenstein. Isso porque, segundo ele, esses autores eram acima de tudo grandes poetas - o primeiro da palavra e o segundo da imagem. Isso não significa, no entanto que não acredite que o artista deva escrever desvinculado de qualquer ideologia. Deve, acima de tudo, ter um compromisso com a sua verdade.
Quando se referem as suas primeiras peças, os críticos costumam dizer que as comédias de Lauro César Muniz saem do “filão do teatro de costumes brasileiro” aberto por Martins Pena. Como o fundador da comédia brasileira, Lauro César Muniz também olharia a realidade a sua volta, misturando certa malicia na critica dos costumes e um carinho na maneira de encarar os personagens. “Ele se diverte com as matreirices e os ridículos que marcam ainda um certo Brasil ingênuo, preferindo a compreensão e a ternura.”
Lauro César Muniz admite uma identificação com o ambiente de província também usado por Martins Pena. Afirma, no entanto, que a semelhança de temas é casual. Na verdade é resultado muito mais da sua vivencia em cidades do interior, especialmente Guará, interior de São Paulo, onde viveu grande parte de sua infância. Mas acima de tudo reconhece a influencia que o circo teve sobre seu teatro. E também o cinema, especialmente o Fellini de Vittelone, Bidone e Noites de Cabíria. A influencia do tipo de vida dessas pequenas cidades refletiu-se de maneira decisiva sobre seu teatro. Ele justifica dizendo que estas cidades contem em escala menor, todos os problemas e contradições do país.
“Lauro colhe material para suas peças no interior”, escrevia Fernando Peixoto no prefácio à primeira edição de A Morte do Imortal em 1966, “mas sua preocupação tem uma geografia maior: ele se interessa pelo país, suas contradições, seu subdesenvolvimento, pela exposição daqueles motivos que fazem com que o país, visto no contexto mundial, seja tão semelhante a uma cidade do interior. Quem examinar numa comédia de Lauro as alianças e as decisões políticas dos grupos econômicos das cidades do interior que ele coloca em cena, vai ver que a peça parece que se passa na capital .
Valendo-se desses recursos, Lauro César joga com outro elemento de importância para suas proposições como autor de teatro, segundo o mesmo Fernando Peixoto. “O personagem aparece como símbolo de uma ideia, de uma instituição, de uma classe, de uma posição diante da sociedade. E o que Lauro busca com este recurso e através da inter-relação dos personagens, demonstrar a inter-relação das instituições que eles representam.”
Depois de A Comédia Atômica (1972), Sinal de Vida (1972) e O Mito, de 1978 com a qual participou da Feira Brasileira de Opinião foram os últimos trabalhos de Lauro César Muniz no teatro. Com a proibição de Sinal de Vida, Lauro César confessa ter se sentido impotente para lutar sozinho. ”A repressão do regime, a censura violenta ao teatro, canalizou todas as minhas potencialidades para a televisão. Transformei meus projetos de teatro em telenovelas.”
Verdade é que houve ainda outro fator que pesou para que ele fizesse seus projetos no vídeo e não no palco: o grande numero de personagens. Hoje, como a quinze anos, grandes autores têm suas pessoas nas gavetas por falta de produtores. Ninguém arrisca mais que sete oito personagens numa peça. Já na televisão uma novela ocupa cerca de 40 atores.
É evidente que Lauro César sabia que na televisão não poderia ir às ultimas consequências. Mas acreditava muito no veiculo ainda que note certo esvaziamento no setor nos últimos anos. Não escondia ás vésperas da estreia da novela que escrevia na ocasião para a TV Globo - Os Gigantes, em agosto de 1979, certa preocupação com a aceitação do publico a sua trama.
Em 1972 já havia feito vários trabalhos para inúmeras emissoras: na TV Excelsior alguns especiais: A Bruxa e Bar de Esquina (1962), A Estátua (1963); adaptação de um clássico da literatura: O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë (1967). Na TV Record fez As Pupilas do Senhor Reitor, adaptação de outro clássico desta vez de um português: Julio Diniz (1970) cujo sucesso permitiu a estreia do original Os Deuses Estão Mortos, em 1971.
Em 1973 foi para a Globo fazer Carinhoso que reconhece que mesmo fraca de conteúdo, em função das limitações de horário a que se destinava,foi em compensação sucesso tão grande de publico que determinou sua afirmação como profissional de televisão. Foi então que Lauro César Muniz escreveu duas novelas: Escalada e O Casarão além de um especial que depois virou filme com Lima Duarte no papel-título e que considera seu melhor trabalho em televisão: O Crime do Zé Bigorna. Esses trabalhos consagraram Lauro César como o autor responsável por inovações na linguagem da telenovela e elevação do nível de qualidade artística do gênero, olhado em geral com certa dose de preconceito.
“Tenho como filosofia de vida e de trabalho uma crença na dinâmica das coisas. Acredito que tudo que possa ser revitalizado. Por isso nunca encarei a telenovela com comodismo ou preconceito.”
Esta sua visão, unida à falta de condição de trabalho mais rigoroso no teatro, e ainda, porque lutar sozinho contra a censura era temerário, fizeram com que Lauro César se dedicasse mais a televisão, enquanto esperava dias melhores para o seu teatro. Tirou da gaveta um antigo projeto de peça e daí nasceu o excelente O Crime do Zé Bigorna, caso especial levado ao ar em 1974 pela TV Globo. “Com O Crime do Zé Bigorna retornei a temática que já me rendeu muitas peças teatrais, todas encenadas entre 1963 e 1969. É a temática do homem simples do interior condicionado e sujeito a processos que não compreende e não alcança.”
Zé Bigorna é o chefe de uma bandinha de uma cidade do norte de São Paulo e marido de Marlene, amante do chefe político local - Querino Papaterra. Quando Querino e Marlene são assassinados as suspeitas caem sobre Zé Bigorna ainda que este alegue estar ensaiando na hora do crime. Com o tempo, Zé Bigorna começa a perceber que outros fatores estranhos e incompreensíveis participaram da morte do coronel e que na verdade a cidade estava aliviada com ela. É quando ele decide assumir o papel de herói, e à sua sombra começa a projetar-se a figura de Fatah o getulista, personagem que iria se tornar comum como chefe político da década de 30 até os anos cinquenta.
Já para a novela Escalada feita em 1975 Lauro não tinha um projeto completo. Havia apenas a vontade de contar a evolução de certo cidadão brasileiro de classe média, sem raízes na história do qual ele se diz um descendente. A novela fala do surgimento dos primeiros homens que não vem da aristocracia, que assumem o poder depois de Getúlio Vargas.
Na primeira faze da história ele abordava “o fim do mundo da chibata”, do domínio das companhias estrangeiras sobre a economia brasileira, mostrando na segunda fase, o desenvolvimento brasileiro anárquico sem preocupações com o povo. Ao lado disso mostrava coisas positivas como a construção de Brasília, a descentralização da capital e consequente irradiação do progresso para regiões menos favorecidas como o Norte e o Nordeste.
A semente da novela O Casarão era o projeto de uma peça que ia descrever a trajetória de uma família em cinco gerações. Quando Lauro transformou-a em novela, fez também uma mudança de localização do – agora em vez de a ação se passar na Avenida Paulista para onde fora inicialmente concebida ela se passa no campo. Assim a novela O Casarão, produzida pela TV Globo em 1976 enfocava um longo período da nossa história que ia dos primeiros anos da Republica até os nossos dias. O Casarão era, portanto a saga de uma família que se estabelece no norte do estado de São Paulo na fase da corrida para as terras férteis do café. A primeira fase vai de 1900 a 1910, a segunda cobre 1926 a 1936 e a terceira se passava na atualidade, portanto 1979.
Os três tempos históricos eram apresentados através de flashbacks que funcionavam segundo o autor, “como uma memória da história” sendo que as três épocas eram apresentadas simultaneamente. “Toda a ação era centralizada no Casarão, e mostrava as transformações que ele sofre com o tempo e que estão relacionadas com as mudanças dos personagens.”
A problemática do tempo nesta novela foi tema de infindáveis artigos na imprensa. O critico de televisão Paulo Maia escrevia para o Jornal do Brasil, que Lauro César Muniz era um desses artistas “fascinados pelo poder de recuperação do tempo na narrativa de ficção”. “Se suas obras não atingem a espantosa genialidade do cinema renaiseano, nem da literatura de Proust (de que, aliás, se aproxima um pouco mais pelo tratamento que dá a narrativa) elas tem o condão de utilizar um instrumento inusitado para este tipo de pesquisa e de demonstrar que este instrumento-a televisão se presta de forma magnífica a esse autentico remexer de baús da linguagem de ficção.”
Ainda que o fio condutor da história de O Casarão passe pela figura boemia do pintor João Maciel, uma das intenções maiores de Lauro César Muniz foi enfocar a situação da mulher ao longo do século. Uma evolução que vai de Olinda - produto típico do inicio do século, mulher submissa ao marido, sem o menor poder de decisão, até sua trineta Carolina que rompe com os preconceitos, assumindo um papel mais participante.
De qualquer forma as mulheres de O Casarão ensaiam emancipar-se de maneira algo tímida. No máximo se ligam a homens de nível socioeconômico inferior. Este é o rompimento maior delas com as normas estabelecidas. Será este o rompimento maior que o dramaturgo Lauro César Muniz vê na realidade, de parte das mulheres?
“No Casarão eu estava preocupado só com o relacionamento afetivo. Não pretendia fazer uma novela feminista. Acho que a mulher de 30, 40 anos hoje, só não se liberta se não quiser. É verdade que o país ainda está apoiado numa estrutura anacrônica e seria preciso fazer uma revisão na legislação brasileira nesta área.”
Lauro César reconhece que o mundo latino americano ainda está na retaguarda, não apenas da emancipação da mulher como da divisão de classes e de outras causas igualmente importantes. Mas acredito que em breve, a questão feminina será superada. “Haverá então apenas uma diferença biológica entre homens e mulheres.”
Em 1977 Lauro César Muniz escreve aquela que seria considerado seu mais controvertido trabalho em televisão: O Espelho Mágico. Era a metalinguagem na televisão, a novela dentro da novela. O publico ficou todo confuso como seria de se esperar. Autor e emissora sabiam o risco que assumiam quando colocaram no ar esta novela cujos personagens eram atores e diretores de uma outra novela: Coquetel de Amor.
E o publico como ficou nisso tudo? De acordo com a critica de televisão Maria Rita Kehl quem quisesse conhecer O Espelho Mágico devia entrar no espírito de brincadeira. Mas como isso é possível se quem assiste novela leva tudo muito a sério?Lauro César reconhece que ele e a Globo pagavam um alto preço para inovar ainda que de forma relativa à linguagem do setor. Nada mais natural que a controvérsia e o próprio retraimento do publico diante da sua proposta de contrapor à linha realista de Espelho Mágico a fantasia expressionista deCoquetel de Amor. “A intenção”, diz o autor, “era mostrar que novela é mentira, é um truque como outro qualquer”.
E como se sente Lauro César Muniz escrevendo novelas? Há um ponto de contato possível entre a televisão e o teatro? Ou é uma violentação escrever 150 capítulos de vinte laudas cada um no período de doze meses, sem trégua, dia e noite, sábados e domingos?
São trabalhos diferentes, diz Lauro, para os quais usa métodos de trabalho também diversos. Quando escreve uma novela, por exemplo, e tem que aprontar um capítulo por dia, em geral escreve a noite ou de madrugada: da meia noite as quatro ou cinco da manhã. Dorme até às 13hs e retoma o trabalho à tarde, reunindo material para recomeçar o processo de outro capitulo. Diz preferir este horário, para não ser interrompido por telefonemas, filhos etc.
Já quando escreve uma peça de teatro o processo é completamente outro. Fica com ela dia e noite na cabeça, trabalha em tempo integral totalmente dominado pela ideia. “É uma espécie de doença muito gostosa.”
A prática de escrever novelas de televisão fez com que Lauro César Muniz desenvolvesse uma técnica que permite disfarçar a tensão. Só trabalha quando se senta a maquina. Aliás, sua maquina é elétrica e, portanto de uma velocidade maior que as comuns. “A máquina fica sendo de fato um prolongamento da cabeça. A telenovela exige uma grande velocidade.”
Mas são apenas essas diferenças que Lauro vê no trabalho em novela e no teatro. Enquanto para o teatro tudo deve ser sintetizado - no menor tempo o autor deve contar o máximo, na telenovela acontece o inverso - tudo é distendido. Ao invés da síntese faz-se uma análise. O ponto de conflito é analisado até as ultimas consequências. No teatro a palavra impera, na televisão é a imagem.
Analisando as peças de Lauro César Muniz os críticos chamam a atenção para o fato de muitos personagens voltarem em várias delas - modificados ou aprofundados em outras situações é verdade. Ele cita alguns deles como o Olegário de A Morte do Imortal, que vem de outras peças e reaparece como Bartolo em A Comédia Atômica, e o tocador de tuba que aparece pela primeira vez em Este Ovo é um Galo e que volta em Infidelidade ao Alcance de Todos e em Sinal de Vida.
Aliás, o tocador de tuba não é fruto da imaginação do artista. É um personagem real que encantou a infância do escritor e que vivia (até aquela data) já muito idoso na cidade de São Paulo. “O Anselmo é uma das figuras mais marcantes da minha infância. Ele era zelador de um clube de futebol e tinha uma tuba dourada que me deixava absolutamente fascinado. A tuba eu acho já é um instrumento meio estranho porque muito grande. Tirar som daquilo para mim, uma criança era uma façanha fantástica. E ainda por cima a tuba por Anselmo era dourada e ficava brilhando ao sol.”
A figura do tocador de tuba simboliza para Lauro César Muniz aquele tempo que passou e que ele não consegue mais retomar. “Aquela ingenuidade perdida que está nas minhas peças e que eu não conseguiria retomar mais.”
Mas se perdeu a ingenuidade das primeiras peças, Lauro César Muniz em contrapartida amadureceu. Sinal de Vida, consagrada pela critica e colocada ao lado de Rasga Coração de Oduvaldo Vianna filho como as duas obras mais representativas da década de 70, marca um momento de maturação na sua dramaturgia.
Oswaldo Mendes, jornalista e diretor do espetáculo do Auditório Augusta, escreveu no prefácio à edição da peça: “Sem duvida, Lauro César Muniz mexeu num vespeiro. E isso pode significar sorte ou azar para o dramaturgo.” Mas com certeza ele acredita que a dramaturgia de Lauro César pode ser catalogada antes e depois de Sinal de Vida.
Igualmente o critico Sábato Magaldi reflete que se antes Lauro fazia um ‘tipo de comédia rural de costumes com problemas de cidade do interior com muita verve, boa comicidade e muito espírito e um real talento, com Sinal de Vida ele deixa uma linha mais tradicional do nosso teatro para vir ocupar com outros dramaturgos que estão refletindo sobre o homem brasileiro e sobre os destinos do país. Sinal de Vida coloca Lauro César Muniz na primeira linha da nossa dramaturgia.”
Ainda que se considere um materialista, Lauro não esconde seu fascínio pelo poder que a Igreja Católica possui em preservar através dos séculos, sua unidade. Dai suas peças terem fortes ligações com os valores cristãos. Mesmo quando tenta destruí-los como tenta fazer em O Santo Milagroso o que resulta é uma visão terna da problemática religiosa.
Confessa ficar emocionado diante do acervo cultural da Igreja e especialmente comovido diante de obras de arte como as produzidas pelo Aleijadinho e outros mestres o barroco do século XVIII. “Esses homens conseguiram em sua opinião entrar em sintonia com este Deus não codificado, materializando em obras de arte belíssimas esta relação. Não estavam, com certeza, presos a códigos e convenções ao criarem estas obras. Ao contrário, estavam absolutamente libertos para criar.”
Mas apesar desta fascinação Lauro faz criticas a todas estas religiões que tem em comum a fobia de serem cada uma a dona da verdade. E como tais, se preservam o direto de ditar regras que só limitam o homem. Considera os Dez Mandamentos altamente preconceituosos, mas fica fascinado com a quase perfeita organização de algumas orações como o Pai Nosso e o Ato de Contrição, a ponto de colocar na boca de Marcelo Estradas na peça Sinal de Vida. “Brincando com as palavras Marcelo se purga de possíveis culpas.”
Para Lauro César Muniz tais orações foram escritas por poetas maiores e pouco tem a ver com as palavras de ordem que a Igreja costuma lançar. E não exclui a possibilidade de voltar a se referir a símbolos cristãos em suas peças futuras. Já quanto ao seu futuro teatro Lauro não tem certezas, apenas perguntas como outros dramaturgos brasileiros. Se na década de 60 julgava ter uma visão correta do processo político isso já não ocorre hoje, depois de dezoito anos de ditadura, de uma censura feroz e castradora. Admite ter produzido um teatro esquemático, cheio de verdades absolutas que paradoxalmente se dirigia a um publico que conhecia profundamente o problema.
“Na verdade aquele público estava ávido de descarregar catarticamente a sua verdade. Aquele publico via nos espetáculos um eco de suas próprias ansiedades.”
Hoje Lauro se pergunta até que ponto aquelas pessoas saiam enriquecidas daqueles espetáculos que colocavam soluções políticas acabadas? “Até que ponto não éramos - eu e muitos dramaturgos - extremamente ante-dialéticos? Será que na verdade não fechávamos a possibilidade de raciocínio?”
“O ator ia para a boca de cena, estufava o peito e dizia verdades absolutas, ou esticava faixas com frases estimulantes. A maioria desses autores, entre os quais me incluo com A Comédia Atômica se diziam apoiados na dialética marxista e nada mais ante-dialético do que isso.”
Critico de si mesmo, Lauro considera este tipo de teatro superado. Mas o que dizer ao espectador hoje? Não tem resposta para esta pergunta. Apenas sabe que já não é possível falar como em outros tempos: “meninos não vereis verdade maior que esta”, com aquele ar paternal que caracterizava como ele define seu grupo: “os Olavo Bilac de esquerda.”.
“Na minha modesta posição de artista do Terceiro Mundo penso que me resta uma apenas uma saída: contar a minha verdade que é minha contradição. Lanço minhas contradições. Acredito que este público que me assiste tenha perplexidades e contradições tão grandes quanto as minhas. E minhas contradições não resolvidas podem, ligadas às contradições não resolvidas do espectador levá-lo a um pensamento dinâmico sobre a realidade.”
“Se o espectador sair do teatro e fizer o movimento de autoanálise que faz o meu personagem Marcelo Estradas, isso me basta.”
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lauro_C%C3%A9sar_Muniz
http://teatropedia.com/wiki/Lauro_C%C3%A9sar_Muniz
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