Betty Carter indo à fonte da melodia

Ana Lúcia Vasconcelos


Considerada uma lenda viva do jazz, a cantora norte americana Betty Carter (1930-1998) apresentou-se no Centro de Convivência de Campinas, na primeira semana de novembro de 1995 - gente como faz tempo-deixando em estado de graça uma platéia, não apenas amante, mas expert em jazz. Morreria em 1998 deixando uma lacuna enorme no mundo do jazz. Com sua voz de contralto que soa às vezes como barítono, profunda única, abusando dos scat vocals em que é imbatível no mundo, Betty Carter levou o público literalmente ao paraíso. Mas é preciso não esquecer sua banda formada por Eric Revis, 27 no baixo, Will Terrill, 20, na bateria e Xavier Davis 23, no piano que comprovaram que Betty Carter é de fato a melhor caça talentos do mundo do jazz. Eles são de um talento e virtuosismo maravilhosos, apesar da extrema juventude.
Nesta matéria, você conhecerá um pouco da carreira de Betty Carter que além de ser uma das maiores jazz-women da atualidade é super simpática e me deu um autógrafo que você vai ver na foto abaixo onde escreveu: Anna Love, Betty Carter. Foram meus cinco segundos de glória!

Total domínio do sentido
emocional da lírica

Explicando sua maneira de interpretar, o crítico Stephen Holden em recente artigo na revistaNew York Times escreveu: “Não importa quão longe esteja de uma melodia familiar, ela mantém um total domínio do sentido emocional da lírica. Quando mergulha dramaticamente abaixo na escala, num contralto tão profundo que tem ressonância de um barítono, ela projeta uma aceitação lamentosa das mudanças da vida-tristeza que é compensada por um ainda mais forte afirmação de flexibilidade”. Em artigo na revista Jazz Time, Ken Frankling vai além na ilustração do singular estilo de Betty Carter: “como um pintor abstrato ela toma um tom familiar e muda-o até ele ser alguma coisa particularmente sua. Ela reinventa no ato, transformando a melodia acariciando cada palavra com um dramático uso do tempo, enquanto deixa a lírica intacta”.
Sobre seu estilo Betty Carter diz: “Isso é envolvimento com a musica. Não há um caminho do qual me aproxime e que não mude depois. É parte de mim. Penso que é porque é espontâneo, não é forçado. As pessoas entendem que aquilo está realmente acontecendo naquele momento”. “Os garotos que não tenham sido demasiadamente expostos à melodia aceitam isso pelo que é. É somente quando se está interessado na verdadeira fonte da melodia, pode-se refletir e entender o que pretendi com aquela peça musical. Pode-se gostar daquilo ou não gostar. Depende apenas de adaptar-se para diferentes maneiras de fazer coisas”.

Caça talentos

Educar jovens para o jazz tem sido muito importante para Carter, cujos trios raramente incluem jovens com mais de 20 anos. Conhecida como uma das melhores caça talentos, sua banda tem sido base de treinamento para artistas que vão e vêm desde a morte de Art Blakey-os trios de Carter tem sido, durante anos, de músicos reconhecidamente bons.
Neste It’s Not About the Melody, Carter apresentou alguns desses talentos, inclusive Cyrus Chestnut, Mulgre Miller, Johns Kisks no piano; Ariel J. Roland, Christian Mc Bride, Walter Brooker no baixo; Clarence Hendy, Lweis Nash, Jeff “Train” Watts na bateria e especial convidado Craig Handy no saxofone.
Mas se hoje ela caça talentos, no começo da sua carreira na verdade ela foi caçada. Durante a adolescência ela cantou com Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Miles Davis, Max Roach e Duke Jordan e aos 18, juntou-se à banda de Lionel Hampton. O tempo que passou com Hampton foi como uma escola para ela: aprendeu como dirigir uma banda, como organizar e colocar suas idéias musicais no papel. Por volta de 1951, preparada para lutar por si mesma, mudou-se para Nova York e como cantora experiente cantou em pequenos clubes, criando reputação como uma vocalista impressionante.

Durante uma temporada com Miles Davis no Howard Theater em Washington d.C. Davis apresentou-se aos seus agentes e isso levou a uma turnê com Ray Charles o que deu como resultado o disco Ray Charles e Betty Carter que marcou a grande virada na sua carreira. Betty Carter gravou depois com Epic Peacock, ABC Paramount, ATCO e United Artists durante os anos 50 e 60 e em 69 lançou seu próprio selo: o Bet -Car. Durante os anos 70 e 80 Carter bancou-se e a suas jovens bandas no selo Bet-Car, fazendo circuito colegial. Então em 1988, a Verve ofereceu a ela um grande contrato onde deveria gravar Look What I Got e regravar quatro antigos álbuns Bet-Car.
Look What I Got ganhou o Grammy e ela foi chamada no mesmo ano para um dueto com Carmem Mc Rae. Em 1990 Carter regravou um álbum fundamental Dropping’s Things, apresentando Freddie Hubbart, Geri Allen e Graig Handy como convidados especiais.

 Tenazmente Betty Carter realizou uma longa e ilustre carreira e os últimos cinco anos foram de muitas honras. Há quatro anos é considerada a Mulher Cantora do Jazz do Ano pela Down Beat’s. Em março de 1994 o Lincoln Center dedicou uma noite inteira à veterana cantora num programa intitulado: Carter Big Band With Stings: The Music Never Stops. Em 1997 Betty Carter foi convidada para uma performance na Casa Branca o que significou o reconhecimento oficial do governo dos Estados Unidos a sua obra estupenda. Lamentavelmente Betty Carter morreu em 1998 de câncer no pâncreas terminando abruptamente uma carreira das mais memoráveis dos últimos cinqüenta anos, segundo os críticos.

 

Leia Mais sobre ela neste artigo publicado no programa do show do Airton Martini, engenheiro e produtor artístico. Desde 1989 produz e apresenta o programa What’s New - Um Toque de Jazz que vai ao ar pelas emissoras USP FM em São Paulo e Cultura FM de Campinas (SP).

 

Betty Carter
Um Estrato do Mais Puro Jazz
Airton Martini

 

Detroit, Michigan, l947, uma adolescente é convidada a se apresentar ao lado de um super astro do jazz que passava na cidade. Por não ter idade suficiente, ela teve que alterar documentos. Era seu primeiro trabalho profissional. Mais tarde, depois de observá-la bem nos ensaios e no palco, ele foi direto ao assunto: “você vai demorar a alcançar o topo... por ser inflexível...”. O astro era nada menos que o saxofonista Charlie Parker e a jovem cantora era Betty Carter. Embora a afirmação de Bird, não tenha sido exatamente uma ameaça ou crítica, soa hoje, quase cinqüenta anos depois, como uma profecia.
Betty Carter permaneceu intransigente com relação ao seu trabalho. Foi considerada na década de 90 reconhecida em escalar maior e continua sendo o mais puro estilista vocal do jazz de todos os tempo. Na definição, sem meias palavras de outra grande cantora, Carmem Mc Rae, falecida no dia 10 de novembro de 1994, “Betty Carter é a única de nós que não se prostituiu”.

O sucesso pode não ter vindo rápido ou bombástico, mas veio. E bem recentemente, após receber o Prêmio Grammy pelo álbum Look What I Got de 1988, do mesmo selo Verve Polygram que ao que parece, dedicou-se a tirar artistas como Betty Carter do mundo “Cult”, e passá-los para outro temido planeta chamado mercado fonográfico e musical (vide John Henderson e Shirley Horn).
Dizer que Miss Carter é a maior cantora de jazz como decretam aberturas de artigos e matérias sobre ela, principalmente após as mortes de grandes divas consagradas, é mais que óbvio. Notável mesmo é a capacidade que ela tem tido de construir uma carreira sem concessões comerciais e talvez por isso, recheada de atritos com outros músicos. O seu primeiro patrão, o “band leader” Lionel Hampton chegou a despedí-lo seis ou sete vezes entre 1948 e 1951. Mas ela sempre voltava. Foi Hampton, na época um sinônimo do estilo “swing, que lhe deu o apelido de Betty Bebop (talvez por ciúme da declarada preferência que ela revelava pela “big band”de Dizzy Gillespie, um dos criadores do revolucionário estilo “bebop” nos anos 40.
Aqueles que têm o privilégio de assistir uma performance de Betty Carter ao vivo vão logo perceber que participam de um evento único. Sempre acompanhada de jovens e talentosos músicos, que ela mesma descobre e “educa”, como gosta de dizer, ela se equipara ao baterista Art Blakey na formação de novos mestres.
No palco ela tem o poder de surpreender e envolver a audiência com a força de um estilo único. Um caldeirão de recursos expressivos está aí, em harmonia, pronto para arrebatar as atenções de corpos e almas. Cantando com os braços, ombros, todo o corpo e até a voz ou em longas pausas de tirar o fôlego, Miss Carter fala ao inconsciente como um pajé ancestral e sua poção, um estrato do mais puro jazz.

Para saber mais sobre Betty Carter

http://www.bettycarter.net/

 

http://www.allaboutarts.com.br/dv/showpage.asp?code=0701M1&version=portugues&name=Betty_Carter

http://www.youtube.com/watch?v=iemkYXz8UNs

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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