Sumi-ê de Nydia Bonetti
Os poemas de Sumi-ê, de Nydia Bonetti, inventam um jardim, que não é o zen japonês, mas tenta simulá-lo, com seu rigor de pedras. Surgem, aqui e acolá, uma...
Revista digital de Arte e Cultura
Hilda Hilst foi uma das maiores escritoras brasileiras considerada pelos críticos como a produtora da obra mais audaz realizada no país depois de Guimarães Rosa. Sua obra vasta-40 livros sendo 20 de poesia, 12 de prosa e 8 peças de teatro está sendo traduzida e publicada na França, Itália, Espanha, Chile, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos o que significa que ela está sendo conhecida não apenas no Brasil, mas além mares.
Considerada uma escritora difícil, hermética, Hilda era tida pelos críticos mais importantes do país como Anatol Rosenfeld- alemão radicado no Brasil (1912-1973), Leo Gilson Ribeiro (1929-2007) como uma das “maiores vozes do país”. Sobre a fértil diversidade da escritora Anatol, mesmo tendo conhecido apenas parte de sua obra escreveu na década de 70 do século XX: “É raro encontrar no Brasil e no mundo, escritores, ainda mais neste tempo de especializações, que experimentem cultivar os tres gêneros fundamentais da literatura-a poesia lírica, a dramaturgia e a prosa narrativa, alcançando resultados notáveis nos tres campos. A este grupo pequeno, pertence Hilda Hilst”. E o escritor e critico Claudio Willer mais recentemente escreveu que o livro de poemas Amavisse devia constar como o livro de poemas do século XX.
E em 1985 o austero Le Monde parisiense confirmava as palavras de Rosenfeld, referindo-se a um livro que ele não conhecera: “A obscena senhora D (prosa) e Da morte. Odes mínimas (poesia) são os cumes da escritura literária”.
Leo Gilson Ribeiro, escritor e critico literário (Jornal da Tarde, Veja, Caros Amigos, entre outros veículos da imprensa brasileira), apaixonado pela obra da Hilda Hilst, como, aliás, ficam todos que a conhecem, escreveu várias vezes que a considerava “o maior poeta vivo em lingua portuguesa”. “Hilda Hilst não comunica ao leitor uma vivencia pessoal-ela incorpora o leitor a essa vivência doravante compartilhada. Uma vez lidos, seus livros passam a integrar a nossa realidade, a nossa memória, o nosso frêmito”.
E por que sua obra era considerada difícil? Justamente porque ela fala de coisas essenciais: da vida, da morte, do amor, de Deus, da alma e tudo isso numa linguagem moderna, desarticulada, revolucionária. Ela reconhecia que sua proposta era de uma revolução interior e me disse numa das várias entrevistas que me concedeu: “Comecei me desestruturando depois de vinte anos de poesia arrumada. E esta linguagem ordenada, de comportamento que quero desordenar, reflete a época, o momento visceralmente conturbado. É preciso dominar certa desordem para que aconteça alguma novidade real dentro de você. Há uma reformulação da linguagem como deve haver uma reformulação de comportamento”.
Mudança na alma
Do homem
Como não acreditava nas soluções políticas parciais, propostas pelos políticos, endossava Arthur Koestler quando este afirma apenas uma modificação de “ essência álmica”, ou seja uma mudança na alma humana, faria que os homens se transformassem em Homo Sapiens, Para ela igualmente só assim, acreditaria no homem deste século. Tanto é que escreveu no seu Júbilo, memória, noviciado da paixão, um poema onde dizia:
“Que te devolvam a alma,
Homem do nosso tempo,
Pede isso a Deus
Ou as coisas em que acreditas...
à terra, às águas, à noite
Desmedida.
Uiva se quiseres,
Ao teu próprio ventre
Se é ele quem comanda
A tua vida, não importa,
Pede à mulher,
Àquela que foi noiva
À que se fez amiga,
Abre a boca, ulula
Pede à chuva
Ruge
Como se tivesses no peito
Uma enorme ferida
Escancara a tua boca
Regouga. A ALMA. A ALMA DE VOLTA ”.
(Canto VII de Poemas aos Homens de nosso tempo, pag. 14 Poesia (1959-1979) Edições Quíron/INL/MEC São Paulo/Brasília, 1980).
Tão preocupada com esta problemática da imortalidade da alma ela foi, que fez até uma experiência em determinada época, a partir de experiências de um sueco chamado Friedrich Jurgensson que um dia, gravando sons de pássaros na floresta captou vozes de amigos mortos. Achou que era problema na fita, mudou de fita, mas as vozes continuaram e ele iniciou uma pesquisa sobre a vida depois da morte digamos, para-cientifica. E a Hilda embarcou nessa, e durante anos parou de escrever e também praticou este tipo de experiência e conseguiu alguns resultados interessantes.
Eu segui de perto este período e até apresentei a ela o físico César Lattes e ela chamou ainda o Mario Schenberg que era seu amigo para compartilhar a experiência. À época, cerca de mil pesquisadores na Europa e Estados Unidos estavam igualmente fascinados pela pesquisa e ela se sentia bem acompanhada. Mas ficou decepcionada com os amigos citados acima. César Lattes disse: “Hilda, a Física ainda está na infância”, e afinal ela se sentiu novamente rejeitada, tida como louca.
Sua versão de tudo isso: como as pessoas não quisessem mudar o conceito que tem da morte, partiam para uma agressividade sarcástica terrivel para com ela.E por que isso? Se não teria nenhuma vantagem material nisso, até mesmo estava deixando de escrever para se dedicar a este trabalho. E por que apesar de tudo insistia “contra esse muro aparentemente impenetrável de descrédito e caçoada?”.
“Porque acho que a morte é a única situação transcendente do homem, a problemática mais importante do homem”. E a partir desta experiência ela acreditou que conseguira uma esperança maior, porque na época, 1977, ela, que já lia e meditava há vinte anos sobre o Homem, a Morte, o Ódio, achou que a sua criação literária e as fitas coincidiam num ponto: “na urgência de comunicar ao outro-você é imortal, não receie a morte, em sua imortalidade, cada um de nós preservará a sua individualidade, não é aquela dissolução do eu no Nirvana, como prega o Budismo. É isso que eu quero fazer: chamar a atenção, por meio da literatura e das minhas experiências psíquicas, para o inadiável, para a premência de se reproporem as tarefas prioritárias do homem”.
Aos que diziam que não era preciso mudar a vida do homem aqui e agora, sua resposta era que uma coisa não anulava a outra e, sobretudo que se “renunciasse a todo terrorismo, aos ódios desumanizadores das guerras”. E citava grandes sábios da Física: “Heilbronner. Teller, Heisenberg, infinitamente mais cultos que eu, não sabem definir com precisão o que é antimatéria, matéria, neutrinos. Como leigos então, podem ter a presunção de ostentarem uma visão tão estreita das coisas? Tudo pode caminhar ao lado da luta pela eliminação da fome, pela conquista da justiça social, da fraternidade, da liberdade”.
Literatura como instrumento
de conscientização
Respondendo a pergunta do Leo Gilson Ribeiro numa das suas inúmeras entrevistas ao Jornal da Tarde (18-4-1977), sobre se a Literatura era para ela um instrumento de conscientização, de reflexão, uma forma enfim de atuar sobre a realidade humana, ela respondeu que, embora existam determinados caminhos que podem reposicionar o homem: a pesquisa científica, a filosofia metafísica, para ela, a literatura era o seu meio de expressão. “Não sou pianista, nem pintora, assim para mim, é através da literatura que você pode se conhecer a si mesmo. Ora, só se conhecendo a si mesmo é que você pode conhecer reconhecer o próximo, o Outro. Essas diversas vias capazes de reestruturar a visão que o homem tem da vida, de si, do universo, para mim têm na literatura uma conotação efetiva que reforça esta escolha como instrumento de minha expressão”.
“Meu pai, Apolônio Prado Hilst, era poeta, ensaísta, assinava com o pseudônimo de Luiz Bruma, foi uma das primeiras pessoas a falar em cooperativismo no Brasil, era filho de um francês de Lille que se casou com uma fazendeira paulista da família Almeida Prado. Meu pai, nos escritos que minha mãe guardou dele e me deu para ler, se interrogou o que aconteceria à alma na loucura. Escrever é então para mim, sentir meu pai dentro de mim, em meu coração, me ensinando a pensar com o coração, como ele fazia, ou a ter emoções com lucidez”.
“A Literatura para mim é tudo isso e deixa sempre o signo de uma interrogação tão grande que não pode ser perscrutada, entende? Afeto, terror, pessimismo e paradoxalmente, quem sabe sobre a esperança de chegar um dia a ter esperança-isso é literatura que eu escrevo”.
Teor metafísico exagerado
Justamente por uma pessoa especial que escrevia coisas, como ela mesma dizia “de um teor metafísico exagerado”, não foi compreendida por seus contemporâneos o que a magoava profundamente, e eu, que convivi com ela, a vi muitas vezes chorando por não ser lida. Esgotada do esforço de tentar ser entendida, depois de ter produzido uma obra deslumbrante, escreveu uma trilogia: O Caderno rosa de Lory Lamb, Contos d’escárnio. Textos grotescos e Cartas de um sedutor, considerados “pornográficos” e que foram de certa forma, uma extremada, excessiva maneira de reagir a tanta incompreensão.
Mas fez isso num esforço máximo para ser lida e compreendida já que na verdade a literatura para ela era sagrada. “A literatura para mim sempre foi o Sagrado. Transformaram a literatura em lixo”, disse em entrevista ao Leo Gilson Ribeiro, no Jornal da Tarde (4-3-89), quando resolveu se despedir da literatura séria o que de fato não aconteceu por que na sequencia ela continuou escrevendo poesia e prosa da mais alta qualidade como sempre.
Mas vejamos o que ela disse na ocasião. “Com relação ao meu trabalho como escritora, reconhecei que meu esforço todo tinha sido excessivo, na renovação da linguagem, na busca, na tentativa de transmitir, a quem me lesse a sensação profunda da vida, da experiência da vida, você colocar no horizonte mais longínquo de si mesmo a serviço da sobrevivência do Outro. É eu queria despertar um lado do ser humano que ele ainda se recusa a ver, como, entre outros, a morte, essa experiência mais importante que o homem pode ter. Agora sim eu sinto que tenho o direito de fracassar. Eu passei 40 anos de reclusão dedicada a escrever e de tudo de mim não houve quase eco, não fui compreendida, não fui consumida, não fui aceita.“
Continuava dizendo que à exceção de alguns editores e críticos como ele mesmo Leo, e o Anatol Rosenfeld, o Brasil se mostrou impermeável ao que ela tinha a dizer. “A futilidade é como o napalm: vai queimando, corroendo até chegar à medula, ao osso. O homem está sem nenhuma curiosidade a respeito de si mesmo, da incógnita ‘X’ da sua personalidade de que ele esqueceu ou abafou de si”.
E na verdade ela queria que “se refletisse nos aspectos transcendentais da Natureza vertendo seu sangue, destruída, violada, mutilada pela ignorância e pela ganância imediatista do homem, estudar o problema do ar que respiramos a índole guerreira por trás dos arsenais atômicos ou das guerras ‘convencionais ’ com armas primárias em todo o planeta”.
E ainda: que era preciso rever este conceito que nunca se questiona só se aceita sem discutir que é o conceito da obscenidade. “É preciso pensar que a verdadeira obscenidade criminosa é o comportamento do corpus político do Brasil e de outras nações inteiras dedicadas à devastação a qualquer preço, à fraude, à morte do outro em prol do conforto e da indiferença de quem polui o ambiente e as almas. De maneira intuitiva essas foram as perguntas que me acuavam, me obcecavam e para as quais eu buscava, inultimente, uma resposta junto ao leitor.”
Lembrava ainda que o Jacques Bergier fala em seus livros de seres superiores - “não eu”, ela ressalta, que vieram a Terra e falaram de coisas grandiosas que só daí a cem anos os homens compreenderam. “Eu me limitei a buscar aquilo que está no invisível para os olhos do homem e no homem toda a relação dele consigo mesmo, com o Outro, com os animais, com o cósmico, com aquilo que não sabemos como denominar, com o mais secreto dentro de si, o mais escondido dentro de si mesmo”.
Vida e obra entrelaçadas
Linda, dona de um grande carisma, um enorme charme, inteligentíssima, e libertária já era criticada por seu comportamento fora dos padrões desde a juventude que segundo me contou e para quem quisesse ouvir foi aventurosa mesmo. Ela queria que todas as emoções passassem por ela e então viveu todas as emoções do amor. Conhecida então como grande amorosa na vida o amor vai ser também um dos seus grandes temas, como a morte, Deus, a justiça, a compaixão, a vida, que ela dizia: ‘uma aventura obscena de tão lúcida’. O problema é que ela escrevia de um jeito que poucos iniciados compreendiam ainda que tentasse se expressar de um modo que fosse mais conveniente ao ouvido do outro. Numa entrevista me disse que gostaria de ser mais em “stacatto” na sua obra que é todo um fluxo de quase tirar o fôlego do leitor, mas na vida real era toda lenta, assim, e ainda a vejo andando pela casa, vindo do escritório ou indo para a cozinha ou para a sala, ou no pátio, ou mesmo colocando a comida no prato - toda calma, isso ficou para sempre gravado na minha memória como os momentos mais ricos, mais luminosos e mais férteis da minha vida. Aliás, há uma unanimidade quanto a isso: os amigos mais próximos, que conviveram com ela consideram ter conhecido a Hilda o fato mais importante de suas vidas.
E apesar das lendas que corriam sobre a Casa do Sol e a vida tumultuada de Hilda o fato é que ela lia de oito a dez horas por dia e me disse em entrevista: “ Eu leio todo o tempo, não é? Ensaios de política, de Filosofia- leio e releio autores que falam sobre a condição humana como Otto Ranck, Ernest Becker, Bertrand Russel, Ezra Pound, Elliot, homens de uma sabedoria impressionante, e vou anotando. De repente um tema me toma o desamparo, por exemplo, que foi o tema da Senhora D e que é um tema cíclico que já desenvolvi em vários outros livros: em Qadós (hoje Kadosh), em Axelrod em Tadeu. A Matamoros também apesar da extrema sensualidade dela era uma pessoa, como todos os outros que queria a transcendência, queria a imortalidade. Todos os meus personagens têm uma sede constante de ir além dos limites do humano. Ás vezes um detalhe deslancha, uma coisa que eu vejo e me impressiona como, por exemplo, uns peixinhos de papel. Fico às vezes muito tempo, um ano ou dois só elaborando e de repente começo a escrever. Demoro para fazer 300 palavras mas em compensação não corrijo nada. O texto está pronto. A impressão que se tem é que eu escrevo rápido porque de dois em dois anos sai um livro. Com a poesia é diferente, é preciso entrar num estado poético: não adianta você querer escrever poesia: é um estado que te toma. Comigo acontece assim: este estado pode me tomar por uns, digamos, 50 dias, e eu produzo um livro, um fluxo poético. Vem de repente. Claro que os temas são os de sempre, que eu penso todo o tempo que é a nostalgia de algum lugar, de alguma coisa que eu vislumbrei, do qual o meu espírito guarda a memória. A nostalgia de alguma coisa perfeita que a minha alma imortal tem a presença de Deus dentro de você, do imensurável que você pressente. A vontade de chegar perto dessa coisa desconhecida que eu sinto que já estive perto. Ernest Becker diz que o homem insiste em não querer ser simplesmente uma criatura humana. Sim, por que ele insiste? Por que ele tenta ser alguma coisa além do humano? É isso que eu me pergunto dia e noite.”
Hilda Hilst, muito à frente do seu tempo não foi compreendida por seus contemporâneos, ainda que atualmente ela esteja sendo lida e amada aqui e além-mares. Em geral, gênios de todas as áreas só são entendidos depois de mortos. Mas vou me lembrar dela que conheci em 1968 e tive o privilégio de partilhar de sua convivência na Casa do Sol, no auge da sua vida e carreira, sempre cheia de vida, cantando. Vou me lembrar daquelas conversas maravilhosas na Casa do Sol, com aqueles amigos afetivos e cultos, todos unanimes em reconhecer que foram tempos especiais por que era uma junção rara de amizade e amor pela arte e literatura tendo como centro esta pessoa especialíssima que foi a Hilda.Por isso não conseguimos contar como foi exatamente. Foram momentos mágicos que jamais serão reencontrados, mas que ficarão eternamente nas nossas memórias até o dia em que nos encontrarmos novamente na vida eterna.
Breve biografia de Hilda Hilst
(21/3/1930 – 4/2/ 2004)
Hilda Hilst nasceu no dia 21 de abril de 1930 em Jaú (São Paulo) como filha única do fazendeiro, poeta e jornalista Apolônio Almeida Prado e de Bedecilda Vaz Cardoso, descendente de portugueses. Passou a infância (1937-1945) numa escola interna dirigida por freiras - o Colégio Santa Marcelina em São Paulo, e esta educação religiosa originam a orientação mística de sua obra posterior. Depois do ginásio humanista (1945-1948), estuda Direito (até 1952) na Faculdade São Francisco e publica em edição própria seus primeiros livros. Apolônio e Bedecilda se separaram pouco depois do seu nascimento, e o pai foi internado num sanatório aos 35 anos de idade, com o diagnóstico de esquizofrenia. Até o fim da vida, marcada por longas temporadas em clínicas psiquiátricas, ele será a causa da lacuna em redor da qual a obra de Hilda Hilst se constrói.
Na juventude e até 1963, leva uma vida intensa no mundo cultural, entre São Paulo e Rio, como amiga de artistas e como poeta. Sua beleza, seu talento e sua liberdade de comportamento chamam a atenção no clima puritano da época, e ela se manifesta em público a favor da liberdade feminina, tanto no âmbito profissional e artístico, como no plano amoroso. Entre 1957 e 1961 Hilda Hilst viaja pela Europa demorando-se na França, Itália e Grécia, mas continua escrevendo e publicando inúmeros livros de poemas, já se afirmando como um poeta importante no contexto da literatura nacional e começa a ganhar prêmios como o Pen Clube de São Paulo em 1962.Em 1965 Hilda se retira da vida social e vai morar na casa da mãe que era a sede da fazenda São José que fica na estrada que liga Campinas a Mogi Mirim, até terminar de construir a Casa do Sol, na mesma fazenda, e que hoje é um Condomínio chamado Shangrilá-para onde se mudou em 1966, ano da morte do pai. Faz isso para poder se dedicar inteiramente à sua escritura.
O desejo de isolamento simbolizado na Casa do Sol que, ela constrói numa arquitetura que lembra um mosteiro espanhol, é provocado pela leitura da confissão da vida do escritor grego Nikos Kazantzakis (Cartas a El Greco) que a marca profundamente e a quem dedica o ciclo Trajetória Poética do Ser (1963-1966). Sobre este isolamento no campo Hilda disse: “Estar no campo me ofereceu uma vida mais calma, com menos interrupções, propicia para fazer o meu trabalho. Mas as pessoas imaginam que entrei em clausura, me vesti de monge e fiquei jogando cinzas na cabeça, mas não foi assim. Eu estava casada com o escultor Dante Casarini e, além disso, minha casa era frequentada por vários amigos, escritores, pintores, atores, com quem tinha muita afinidade. Eu me afastei da vida da cidade, mas não do mundo e nem das pessoas”.
É na Casa do Sol que Hilda começa a escrever teatro - oito peças em dois anos, de 1967 a 1969. E na seqüência, sentindo a necessidade de se lançar com um novo discurso frente a um mundo absurdo inicia a sua prosa deslumbrante que começa justamente em 1970, um ano antes da morte da mãe ocorrida em maio de 1971. Em 1985 divorcia-se de Dante Casarini, sendo que a esta altura já tinha a estatura de grande escritora, tendo até então arrebatado vários prêmios importantes inclusive o Grande Prêmio da Critica da APCA pelo conjunto de sua obra em 1981. E segue publicando poesia, prosa e vendo suas peças sendo encenadas e seus textos sendo traduzidos em diversos idiomas.
As Obras Reunidas de Hilda Hilst foram reeditadas desde 2001 até julho de 2016 pela Editora Globo e alguns livros estão sendo traduzidas para o francês, espanhol, alemão, inglês e italiano. Ao longo de sua genial trajetória, ganhou os maiores prêmios literários do Brasil: o Prêmio Pen Clube de São Paulo em 1962, o Prêmio Anchieta de Teatro em 1969, o APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em 1977 e 1981, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1984 e 1993, o Prêmio Cassiano Ricardo, do Clube de Poesia de São Paulo, em 1985, indicação para o Prêmio Intelectual do Ano, da União Brasileira dos Escritores, em 1990, e o Prêmio Moinho Santista, da Fundação Bunge, pelo conjunto de sua obra poética, em 2002.
Aos 73 anos completados, no dia 21 de abril de 2003, Hilda usufruía a reconhecida condição de ser um dos maiores poetas vivos do Brasil e tentava concluir, na mesma velha Olivetti Lettera que jamais pensou trocar por um computador, um novo livro: O Koisa, misto de poesia e prosa. Foram, portanto 40 anos na Casa do Sol - de 1966 a 2003, 52 anos-de 1950 a 2002 de trabalho, já que segundo o Mora Fuentes ela parou mesmo em 2002, sendo que nas últimas entrevistas concedidas diz nunca ter se arrependido deste voluntário “exílio” onde criou uma obra das mais importantes, agora, no panorama da literatura mundial: 40 livros entre poesia, prosa e teatro que foram republicados pela Globo e reunidos em 19 volumes. Além disso, fez algumas parcerias com compositores de musica popular como Adoniran Barbosa que musicou poemas seus: Só tenho a ti com Adoniran Barbosa, interpretada por Adoniran, Quando te achei (interpretada por Elza Laranjeira) e Quando passas por mim e recentemente com o cantor e compositor Zeca Baleiro que musicou poemas do livro Ode Descontinua e remota para flauta e oboé, do livro Jubilo Memória Noviciado da Paixão (1974) .
Hilda Hilst morreu na madrugada do dia 4 de fevereiro de 2004- faria 74 anos em 21 de abril de 2004, no Hospital das Clínicas da Unicamp, com falência múltipla de órgãos e foi nos últimos anos assistida e assessorada por alguns amigos e amigas, eu inclusive, mas especialmente pelo escritor José Luis Mora Fuentes e sua mulher a artista plástica Olga Bilenky, que estiveram com ela praticamente toda sua vida e especialmente nos últimos anos.
Mas Hilda continua viva na memória dos que amam sua obra e mais que nunca sendo lida. Eventos em sua homenagem se multiplicam: palestras, seminários, espetáculos de teatro, exposições de artes plásticas em vários centros culturais de Campinas, São Paulo e outros estados brasileiros sendo que de alguns deles participei. Mas dentre todos um dos mais importantes foi a criação por José Luis Mora Fuentes e outros artistas do Instituto Hilda Hilst que tem como proposta divulgar o trabalho da Hilda, manter a Casa onde ela morou por quase 40 anos, cuidar dos cães que tanto amou cujo diretor atual é o filho do José Luis e da Olga Bilenky: Daniel Fuentes.
A Casa do Sol foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (CONDEPACC) no dia 28 de outubro de 2011 e a partir de então o Instituto Hilda Hilst já funciona como um centro catalisador de estudiosos da obra da escritora que vão fazer suas residências pesquisando os arquivos, usufruindo do clima mágico da casa que continua sendo reconhecido por todos que a visitam. Marco na vida do Instituto, o tombamento foi uma festa em todos os sentidos: a Casa voltou aos seus dias iluminados e possibilitou o inicio de captação de recursos para preservação e manutenção do centro cultural que pretende ser com a construção de um teatro, digitalização da biblioteca da escritora, com mais de três mil volumes com anotações, gravações de cerca de 150 horas de voz, filmes super 8 , revista digital, entre outros projetos como lançamento de algumas obras nos Estados Unidos.
Desde julho de 2016 a obra de Hilda ganhou nova cada editorial: a Companhia das Letras sendo que no primeiro semestre deste ano de 2017 começam a chegar as novas publicações da autora – um volume reunindo toda sua poesia completa- 25 livros publicados de 1960 a 1995 e mais poemas inéditos encontrados na Sala de Memória Casa do Sol e no acervo da Unicamp. A Casa do Sol continua sendo palco de eventos culturais sobre a obra da Hilda que continua sendo estudada aqui e além mares por estudiosos e amantes da literatura.
Para saber mais sobre as atualidades do Instituto Hilda Hilst:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hilda_Hilst
https://noticias.bol.uol.com.br/fotos/entretenimento/2014/02/04/casa-da-escritora-hilda-hilst.htm
http://conteudopublicacoes.com.br/hilda/assets/fotosdivulgahilda.pdf
http://revistacult.uol.com.br/home/2016/02/na-casa-de-hilda-
Sobre o autor:
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