Um olhar que nos falta *

Krishnamurti Góes dos Anjos


 

            A primeira impressão que nos assalta ante a leitura de uma obra como esta é a de que se trata de uma autora que se deleita com o fantástico. Entretanto seria imperdoável precipitação considerá-la assim. A favor dos apressados está o fato de que a vida rotineira vai cada vez mais estreitando nossa capacidade de imaginação a ponto de que tudo que não nos é cotidiano aparece a nossos olhos como anormal ou fantástico. É preciso outros olhares.

            Nas narrativas de Tere Tavares quase não existe o fundo duma sociedade real. O problema é de ordem inteiramente individual, já que descrevem ou pensam a evolução espiritual das personagens, existindo todos os acontecimentos e todo o ambiente apenas em função das mesmas, para enriquecê-las e encaminhar essa formação. Emerge daí aquela eterna busca de um absoluto que nos satisfaça dando-nos a razão de ser da vida. Não há clareiras óbvias nesses textos introspectivos por excelência, tudo é dito numa prosa plena de poesia.

            Eis a chave para sentir esta autora que vai descobrindo sentidos em cada imagem. Portanto, suas personagens não são comuns, Não são comuns, porque ricas de anseios se consomem na inquietação de fazer da vida alguma coisa que tenha sentido e grandeza. Não são comuns finalmente, porque só é comum o conformismo acomodador, satisfeito de si mesmo e do ambiente.

            Quem são afinal esses seres que, em face de suas complexas personalidades e dos antagonismos do universo interior, comportam, de um lado, o intelecto e a razão, e do outro, forças da intuição e dos impulsos instintivos? Aqui o anseio da solidão, ali o desejo de compartilhar, noutro ainda, a inquietação do andarilho. São seres humanos em busca de uma solução de harmonia para esses múltiplos polos iguais e contrários do Eu. A autora, através das personagens, busca o auxílio do mundo exterior e descobre-o na natureza onde mais fielmente se espelha a tensão e o equilíbrio entre as forças do universo. E é aí que encontra algumas das mais belas imagens correspondentes para os profundos e antagônicos questionamentos.

            A peculiar prosa de Tere Tavares não se adéqua a quadros esquemáticos, bom que assim seja, pois, do contrário, se lhe retiraria o vigor de um elemento de que não se pode sequer fazer análise: a imaginação. A imaginação criadora que aponta para uma verdade bem sabida e pouco exercida. Cada um deve fazer por si o próprio caminho, um caminho que passa necessariamente pelo intercâmbio dialético entre espírito e realidade.

            O homem do início do século XXI vive uma época brutal, na qual, logo acima das necessidades imediatas de ordem material, a sociedade se aplica a assegurar a continuidade ininterrupta do divertimento. Uma época de profunda desmoralização da inteligência e das disciplinas abstratas (humanidades), submetidas às mais crassas exigências do utilitarismo e da profissionalização, o que vale dizer: degradação espiritual. Estamos totalmente dirigidos para fora de nós e, paradoxalmente, vivemos esta ânsia de urgência inexprimível, este desejo ardente por uma renovação e uma nova ordem social.

            Que faremos nós? Nós que já conhecemos tantas decepções, nós que já nos criamos e nos destruímos tantas vezes? Alguém escreveu esta verdade: “podemos entender-nos reciprocamente, mas interpretar apenas a nós mesmos”. E Fernando Pessoa cunhou um verso que pergunta: “de que vale o teu mundo interior que desconheces?” Eis aí, certamente, a solução verdadeiramente transcendente que enobrecerá e iluminará nossas almas. Reconhecer a primazia do espírito humano. Em nosso olhar interior, há uma beleza esperando para ser lapidada, é o que este livro nos ajuda a enxergar.

*Prefácio do livro Licitude do olhar de Tere Tavares

Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor, Pesquisador e Crítico Literário. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos e  Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho –Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

 

 

 

 

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