Entre o teatro e o jornalismo

Ana Lúcia Vasconcelos


 

         Quando terminei o curso de Ciências Políticas e Sociais na PUCC de Campinas em 1966, já fazia teatro no Teatro do Estudante de Campinas há alguns anos, para falar a verdade, desde 1963. A primeira peça foi O Tempo e os Conways de J. B. Priestley, depois fiz uma peça infantil da Lea Ziggiati: Rapunzel, uma peça de Adamov: Somos como Éramos, e uma de Bertold Brecht: O Delator, que é um quadro do grande painel que é a peça Terrores e Misérias do Terceiro Reich.

     Em 1967 fundei juntamente com Tereza Aguiar, José de Oliveira, Sérgio Paulo Teixeira Pombo, Vicente Conti) o Grupo de Teatro Rotunda que estreou com a peça Electra, deSófocles, um dos maiores tragediógrafos gregos, onde fiz o papel principal. Como já gostava de escrever, comecei a publicar no Diário do Povo de Campinas uma série de artigos sobre Tragédia Grega, além de releases sobre as peças que o grupo montava. Ou seja, desde o começo eu fiquei entre o teatro e o jornalismo.

    Até é interessante lembrar, como uma coisa mágica mesmo, que a sede do TEC era no sótão (olha que coisa gostosa, naquele tempo havia prédios em Campinas com sótão) da Associação Campineira de Imprensa, já que a Tereza Aguiar, diretora do grupo era também jornalista, tinha uma coluna no Diário do Povo onde naturalmente falava de teatro.

    Continuando com meu destino, onde teatro e jornalismo sempre estiveram ligados, vale recordar que antes de estrearmos Electra em São Paulo, em 1968, a Editora Abril promoveu um concurso para o lançamento da revista Veja. Hoje em dia o Estado de São Paulo faz este tipo de curso, aliás, que eu saiba faz todos os anos, mas a Abril foi a pioneira do gênero no Brasil, coisa, aliás, muito praticada nos Estados Unidos, na época. Pois então, eu participei e fui um dos cem escolhidos entre os dois mil participantes do Brasil inteiro.

   O concurso constou de um longo questionário com questões de conhecimento geral e ainda perguntas que davam aos questionadores, um perfil do candidato do ponto de vista de idéias, ideologia, moral, etc. E quem passou por este primeiro teste, fazia um segundo exame lá na Editora Abril com um longo questionário novamente contendo perguntas sobre temas gerais: desde política internacional, nacional, artes, cultura , comportamento e atualidades. Os aprovados neste faziam uma prova oral onde discorriam sobre um dos temas referidos no exame escrito e que era o seguinte: a matéria que você escreveria. E qual foi o meu tema? O Teatro Como Arte Coletiva. Pena que não tenha cópias destes questionários, mas com certeza isso está nos arquivos da Abril. Mas a carta que a Abril me mandou eu tenho. Aliás, há alguns dias, revendo meus papéis, fazendo uma viagem de volta ao passado, encontrei, e até vou transcrever, me comunicando e dando parabéns pela minha entrada no curso que se diga, foi uma maravilha, com os cobras do jornalismo brasileiro dando palestras.  E onde foi o curso? No Teatro Itália onde mais tarde, eu faria Antígona com o Grupo União, com Eva Vilma e Leonardo Villar, Edgar Gurgel Aranha, Odavlas Petti e Claudio Luchesi. Novamente o teatro e o jornalismo misturados. As palestras eram no Teatro Itália na parte da manhã e à tarde, depois do almoço, que já era na Abril, naquele prédio da Marginal  Tietê , que na época estava sendo inaugurado, tínhamos a parte prática, na redação da futura Veja, sétimo andar.

A nata do talento

jovem brasileiro 

     Mas vamos à cartinha, datada de 9 de fevereiro de 1968:  “ Prezada Ana Lúcia: Tenho o prazer de lhe comunicar que você foi uma dos selecionados para o Curso Abril de Jornalismo. Quero ao mesmo me congratular com você, pois foi dos poucos escolhidos entre quase dois mil candidatos e ao mesmo tempo agradecer sua persistência e entusiasmo durante as provas de seleção. Agora a esperamos para o curso. Durante alguns meses você e seus colegas escolhidos, trabalharão em conjunto com algumas dezenas de jornalistas experimentados da Abril. Farão pesquisas, ouvirão especialistas e personalidades, serão informados a respeito de  técnicas e experiências ligadas aos problemas atuais da profissão e aos compromissos com o país e do povo para com o futuro. Pois o objetivo do Curso é:  melhor jornalismo para o Brasil de amanhã. Por isso, a Abril que faz dessas preocupações a sua constante, recrutou, em todo o Brasil, algumas dezenas de jovens talentosos como você. Para iniciarmos, juntos, uma tarefa nova, no jornalismo nacional . Seja bem-vinda. Atenciosamanente. Victor Civita-Diretor Geral.

     Em seguida vinha uma comunicação que já falava da sessão de instalação do Curso Abril de Jornalismo que seria, dia 4 de março de 1968, às 9 h no auditório do Edifício Itália, esquina das avenidas São Luis e Ipiranga, onde teríamos as primeiras palestras de uma série que durou 8 semanas e constou de uma programação maravilhosa : palestras dadas por especialistas e jornalistas experimentados em diversas áreas do conhecimento humano: política, economia, literatura, jornalismo,etc. e onde éramos chamados de : “a nata do talento jovem brasileiro.

Grandes Personagens da Nossa História

e estréia de Electra em São Paulo

 

     Portanto com 24 anos eu estava em São Paulo, vivendo os primeiros tempos da Veja. Para quem não sabe o começo da Veja foi cheio de terror-eram os famosos cortes, ou seja, era preciso ser muito bom para ficar lá. Assim foi que daqueles cem primeiros ficaram sessenta, e dos sessenta nem todos ficaram na revista-alguns foram para sucursais nas capitais, outros, eu incluída, para outras revistas e fascículos da Editora Abril e da Abril Cultural.

    Eu fui designada para o fascículo Grandes Personagens da Nossa História, o primeiro fascículo feito integralmente no Brasil, lógico com muita dor no coração, porque todos queríamos ficar na Veja. O detalhe é importante, para dizer que participei, como todo aquele pessoal, de algumas coisas importantes da Abril, já que lá estavam os cobras do jornalismo brasileiro.  Foi uma época maravilhosa, aprendi muito, convivi com pessoas inteligentíssimas, talentosos jornalistas, maravilhosos fotógrafos, artistas gráficos de alto nível, enfim a Abril era um Butantã, só tinha cobras.

    Mas como eu continuei no teatro e justamente naquele ano de 1968 estreamos- o Grupo de Teatro Rotunda estreou Electra em São Paulo no Teatro Anchieta e eu ganhei o Prêmio Revelação de Atriz da Associação de Críticos do Estado de São Paulo tendo sido ainda indicada para o Prêmio Molière de Teatro, sai da Editora Abril. E na sequência fui convidada para fazer Cemitério de Automóveis, de Fernando Arrabal, que havia arrebatado todos os prêmios daquele ano como melhor espetáculo, melhor direção, melhor cenário, figurino, etc. Fui substituir a Assunta Perez que havia ido para a Rússia, sendo que a produção era da Ruth Escobar e direção de um grande encenador argentino de fama internacional Victor Garcia, sobre o qual, aliás, escrevi uma matéria para a revista virtual Agulha.

     Em seguida fui convidada para fazer Ato Sem Perdão, adaptação de duas Antígonas-de Sófocles e de Anouilh, por Millôr Fernandes e direção de José Renato, com o Grupo União. A temporada foi no Teatro Itália como já disse acima. Nos intervalos das montagens, eu fazia free lances para revistas e fascículos da Editora Abril e para outros veículos, como a Revista Senhor, segunda fase, Revista Fatos e Fotos, Suplemento Cultura do Estado de São Paulo, Nova, Musica Popular Brasileira, Enciclopédia Abril, Enciclopédia da Mulher entre outros.

       Fiz ainda no teatro outra tragédia grega, Medéa, de Eurípedes com Cleide Yáconis no papel principal também no Teatro Anchieta e temporadas em Curitiba, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília onde me lembro, pedi substituição e parei a minha carreira de atriz.  Fiquei só no jornalismo.  O pessoal de teatro me perguntou durante dez anos, quando eu voltava. Eu não voltei, aliás, fiz bem mais tarde, em 1990, uma participação numa peça que fez parte do Primeiro Festival Internacional de Teatro de Campinas, como vou falar na sequência.

Matérias de capa

como free lance

 

     Voltei para a Editora Abril, agora na Revista Escola que ajudei a formatar (ou seja mais uma vez estava participando da criação de um novo veículo. Aliás diga-se fiz isso outras vezes e adoro criar coisas novas).  Trabalhei como free lance em Mestres da Musica Universal, Suplemento Cultura de O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Leia Livros, DO Leitura, Revista Senhor, Fatos e Fotos, Revista Círculo do Livro,  Gazeta Mercantil , Jornal da Tarde, Ultima Hora,  Isto é, Ele e Ela, Manchete, Etiqueta Moda Profissional, Revista Artes, Revista Visão , inclusive uma matéria de capa- A Família Está na Moda que foi reproduzida pela Seleções do Reader’s Digest e publicada em l9 países da Europa e Estados Unidos. Foi a minha primeira matéria publicada no exterior, espero que tenha sido a primeira de uma série. Eu fazia, portanto matérias de capa como free lancer o que não é muito comum. Editores só fazem isso quando tem muita confiança na pessoa em questão.

     Atuei ainda na TV em São Paulo como jornalista e atriz. Como atriz fiz dois programas na nascente TV Cultura: Ator na Arena, dirigido pelo grande Ziembinski e um teleteatro: Natal na Praça, de Henry Ghèon. Como jornalista fui assistente de produção e apresentadora do programa Semanário das Artes, que depois se chamou Em Cartaz e é o atual Metrópolis da mesma emissora. Na Rede Globo fui pesquisadora de arte da novela Os Gigantes de Lauro César Muniz.

    Voltei para Campinas em 1978 e continuei trabalhando em São Paulo, até que em 1980/1981 fui trabalhar em Campinas - fui Editora de Lazer de um jornal recém lançado, chamado Jornal de Hoje, atualmente extinto, cujo diretor era um daqueles “cobras” citados acima, José Hamilton Ribeiro, com quem, aliás, eu encontrava às vezes nos elevadores da Abril : eu  começando a carreira, e ele já o grande Zé Hamilton,  um dos fundadores da maravilhosa Realidade, que fez aquela famosa matéria no Vietnã onde perdeu uma perna numa mina.

    E para não dizer que abandonei totalmente o teatro, em 1990 participei da peça Courage, baseada na Mãe Coragem de Brecht, um work in progress, dirigido pelo Mauricio Paroni, do Piccollo Teatro de Millano no 1o. Festival Internacional de Teatro realizado em Campinas, e produzido pelo ator e produtor cultural Marcos Caloi e Rafael Vasconcellos, meu irmão, que à época era Diretor dos Teatros de Campinas, e mais uma equipe maravilhosa de atores da Unicamp. 

O inicio de uma nova fase

agora espiritual

 

       A esta altura eu estava me voltando para a igreja católica e estava traduzindo o livro Je Vois la Vierge, sobre as aparições da Virgem em Medjugorje, projeto que marcou uma nova fase na minha vida. Sobre isso vou falar em detalhes no capítulo que fala da minha conversão, no livro sobre aparições da Virgem. O livro, sob o título Eu Vejo a Virgem, foi publicado pelas Edições Loyola em 1990 e atualmente está esgotado. Estou fazendo contatos para fazer uma segunda edição. Escrevi ainda um livro sobre as aparições da Virgem em Jacareí que está inédito, e iniciei outro, sobre todas as aparições da Virgem ao longo da história da cristandade, que está em andamento e sendo publicado em série www.saldaterraluzdomundo.com

    De 1990 a 1993 fiz mestrado na Unicamp e minha tese intitulada Diálogos com a Educação é constituída de sete entrevistas com especialistas de diferentes áreas do conhecimento humano: filosofia da educação, filosofia e psicanálise, arte educação, literatura, teatro, musica erudita contemporânea, filosofia política com uma introdução sobre técnicas de entrevista, que pode ser muito útil para cientistas sociais em geral e jornalistas em particular.

Perfis e entrevistas

peças em andamento

 

      Ao longo da minha carreira fiz, nos diferentes veículos em que escrevi entrevistas e perfis que foram considerados “os melhores de suas vidas” pelos entrevistados. A maravilhosa poeta, dramaturga e ficcionista Hilda Hilst de quem fui muito amiga e  falecida em 2004 e o dramaturgo e novelista de televisão Lauro César Muniz, com quem trabalhei na Rede Globo, me deram a idéia de publicá-los em livros, como fazem regularmente a Paris Review e o Le Monde que, publicam, todos os anos, as melhores entrevistas dos seus repórteres. Por enquanto estou republicando devidamente calibrados e atualizados perfis e entrevistas feitas ao longo da minha carreira publicados ou inéditos na virtual Agulha, no portal Cronopios e na revista virtual Germina Literatura e ainda no  eu site de arte e cultura: www.vitabreve.com Pretendo um dia publicá-los em livro. Além disso, estou escrevendo dois livros: um sobre todas as aparições da Virgem desde a primeira, e outro, uma compilação das revelações de Jesus às francesas Madalena Aumont, Je Ne Sui Rien e a egípcia Vassula Ryden, que considero as três mais importantes da atualidade que podem ser vistos no meu site www.saldaterraluzdomundo.com

E mais: estou escrevendo três peças de teatro: A Incrível Vida de Mariana Monteiro (uma história brasileira); Exercícios para Teatro em Três Movimentos; Fernando Pessoa, Ele Mesmo. Tenho pronta a adaptação da novela Kadosh, de Hilda Hilst que considero uma obra prima. Pretendo adaptar outras obras dela, de quem gosto imensamente e que considero uma das maiores poetas e ficcionistas brasileiras e das mais importantes do planeta.    Na área de teatro para crianças tenho prontos um texto intitulado: A Cor Descontente ou O dia que O Amarelo Sumiu das Caixas de Lápis de Cor, As Aventuras de Alma no Mundão Afora (adaptação do texto Os Porquês da Inveja e da Geenerosidade , do psicanalista Conceil Corrêa da Silva, e O Jardim das Flores Vivas  -adaptação do texto da poeta portuguesa Sophia de Mello Andresen: O Rapaz de Bronze.

Terminei um livro sobre a escritora Hilda Hilst que é um misto de memórias e ensaio sobre sua obra  no momento sendo avaliado por algumas editoras-portanto em vias de ser editado. E ainda estou articulando a segunda edição do livro que traduzi sobre as aparições de Medjugorje: Eu Vejo a Virgem, entrevista do frei croata( ja falecido) com uma das videntes Vicka Ivankovic.

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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