Estar em contato com nossa vida interior eis o principio da sanidade

Joseph Ghougassian


Neste artigo Joseph Ghougassian, professor de Psicologia da Universidade de San Diego, (USA), analisa a obra de Norberto Keppe

                                                       

      Em minhas prerrogativas como fundador e primeiro presidente do Congresso Mundial de Logoterapia que teve lugar em San Diego, Califórnia em novembro de l980, convidei o Doutor Keppe para apresentar seus pensamentos para os congressistas. Desde então Keppe tem vindo várias vezes aos Estados Unidos e feito inúmeras conferencias nas universidades americanas. É muito difícil fazer justiça a um pensador de grande peso em um simples artigo considerando a profundidade, complexidade e vastidão dos pensamentos do autor. Ainda assim, é igualmente uma honra apresentar as idéias de um respeitado e genuíno colaborador do tesouro intelectual da civilização. A tarefa é um desafio.

Filosofia, religião e ciência

      As bases do pensamento de Keppe estão dispostas em tres ordens: filosófica, religiosa e científica. De certa maneira, essas tres dimensões do pensamento podem ser citadas para descrever a “Weltanschauung” de Keppe, isto é, sua visão de mundo. Como filósofo Keppe está definitivamente dentro da tradição socrática. Como Sócrates, Keppe acha que o começo da atividade filosófica consiste nessa citação: Conhece-te a ti mesmo, ou seja, a busca pela própria identidade. No entanto essa identidade não é algo exterior, estranho ou transcendente ao âmago do Eu. Imanência e interiorização são as características do individuo e a base da transcendência. Se a filosofia de Keppe fosse classificada dentro de um período histórico, tendo-se em mente que essa classificação é limitada, eu iria compará-la a Aristóteles. Por exemplo, a teoria de Keppe sobre o conhecimento coincide com a de Aristóteles, que considera que o processo intelectual começa nos sentidos, com a percepção, e finalmente vai para a razão, onde encontra a vontade.

   Novamente Keppe chama o interior uma PSIQUÊ como Aristóteles. A teoria da psique denota a metafísica da alma, como uma doadora da vida ou agente animador. Alma no contexto de Keppe é melhor entendida como um termo designando  a força motriz que suporta a própria vida. Além disso, Keppe vê a psique do homem como um microcosmo e subscreve a teoria de Santo Tomás de Aquino, onde anima humana est quodammodo omnia-a alma humana é uma réplica do Universo em suas formas e vida, ainda que em miniatura.

    Keppe dá um lugar proeminente à religião na vida do Homem. Religião não tem uma origem “cultural”. O homem é em seu íntimo, uma criatura “religiosa”. Se há várias cerimônias litúrgicas praticadas no mundo, isto é possível porque, em primeiro lugar, a religião é uma dimensão metafísica da realidade humana. Conseqüentemente existe uma maneira primordial de adoração, natural para a alma. Orar, reverenciar e arrepender-se são impulsos naturais. Assim Keppe escreve: ”Religião é algo inerente ao ser humano, não algo social”. É um desfavor negar ao paciente o direito de trazer suas experiências religiosas no consultório do psicoterapeuta. Freud não teve sensibilidade quando ridicularizou a religião, considerando-a uma fonte da neurose. Ainda assim, nós somos uma civilização que foi construída na presença de Deus e nos seus preceitos. Nesse aspecto, o sentimento religioso de Keppe caminha lado a lado com a análise do mundialmente renomado psicólogo de Harvard, Gordon W. Allport, sobre as crenças religiosas. Como um cientista que tem pesquisado o âmago da personalidade humana, Keppe tem uma personalidade sensível do mundo em todos os aspectos.

Boa, bonita e verdadeira

   A ciência de Keppe pode ser mais bem apresentada em tres formas: l. Ele desenvolve uma visão científica do Homem como uma entidade saudável e madura. Seguindo sua crença de que a existência humana é basicamente Boa, Bonita e Verdadeira, a antropologia cientifica de Keppe é otimista e positiva, diferentemente da psicanálise freudiana, que descreve a realidade humana em previsões derrotistas. Freud nunca nos definiu essa realidade objetiva, nem nunca propôs algum modelo para sua realização. Em contraste, Keppe vê a realidade humana como genuinamente BOA VERDADEIRA e BONITA em sua essência. Imaturidade ou problemas de conduta ocorrem quando um individuo se desvia do seu interior, e começa a procurar a si mesmo externamente, em uma realidade diferente dela própria. Acredito que Keppe deve sua visão sobre a bondade humana a influencia intelectual de Santo Tomás de Aquino.

2. O professor Keppe desenvolveu uma impressionante e cientifica explanação da etiologia das disfunções comportamentais. Novamente segundo a metafísica de Aquino, onde ens est verum, significando que a realidade, a realidade humana é verdadeira e a verdade é a realidade-veritas est quid est, Keppe desenvolve sua teoria sobre a patologia em termos de (a) negação,(b) omissão ou (c) deturpação da verdade e da realidade .Assim , ele escreve:” Doença é uma atitude de ataque à vida, é uma luta contra a realidade, é o desejo de acabar com toda a verdade. A doença psíquica orgânica é sempre conseqüência de uma oposição ao que é real. “

    Desta maneira, a sanidade consiste em estar em contato com a vida em nosso interior, e a doença surge quando a pessoa procura a razão de sua vida e de si mesmo no mundo dos objetos ou dos outros. Keppe afirma que a negação da sanidade causa ansiedade e sentimento de impotência, porque o individuo imerge num mundo que se revela como uma massa de força colossal, poderosa o bastante para aniquilá-lo. A doença é o resultado de um desejo consciente de negar omitir ou deturpar a verdade/realidade, id quid est- aquilo que é. A verdade/realidade é bondade, beleza, verdade da realidade humana, magnificente porque feita à imagem do seu Criador, Deus, o Onipotente e Perfeito Designer.

    Semelhante ao filosofo existencialista Gabriel Marcel e ao fundador da Logoterapia, o vienense, Viktor E. Frankl, Keppe afirma que o Homem contemporâneo sofre de uma enorme obsessão com o antropocentrismo e a teomania, que é o desejo de ser deus. Na verdade, esta é a posição intelectual de muitos seguidores da Escola do Estruturalismo. Por exemplo, Michel Foucault, indo um passo além da declaração da morte de Deus de Nietzche, declarou a morte do Homem. Em resumo, Keppe reafirma sua crença no teocentrismo e na Bondade do Homem.

3. Para lidar com os problemas mentais e emocionais que atormentam o homem moderno, Keppe desenvolveu várias técnicas psicoterapêuticas. Suas idéias e técnicas preventivas são conhecidas como Psicanálise Integral. Ele assim a denominou para chamar atenção para o fato de que, mesmo tendo utilizado alguns conceitos da psicanálise tradicional, complementou as teorias técnicas de Freud com outras, inovadoras. As técnicas psicanalíticas de Freud são, até certo ponto, inadequadas para responder às necessidades do homem moderno, e não são consoantes com a nova e emergente imagem do Homem. As circunstancias históricas mudaram desde Freud. Assim, na base do mal estar do Homem e da sua inabilidade para se ajustar à Realidade Verdadeira, está contraposta a emoção da INVEJA. Keppe está em total acordo com Schopenhauer de que a origo et fons , a base da infelicidade, manifestada em forma de neurose , é a VONTADE. Há um sentimento insaciado no Homem, causado pelo desejo insatisfeito e invejoso de tornar-se Deus. Mas isto é impossível. O homem é finito e Deus é infinito e perfeito. Será possível que Nietszche seja o responsável pelo mal-estar que perturba nossa civilização? Querer tornar-se Deus causa uma reação em cadeia de desintegração da personalidade: o individuo perde o contato com seu próprio interior e se torna alienado. A alienação psicológica aparece em tres formas: total/parcial negação da realidade e do interior, total/ parcial omissão e deturpação.

A verdade vem da boca do paciente: é a dialética real

      Para curar o paciente, Keppe tem o mérito de ter desenvolvido a técnica terapêutica da Análise Dialética, por vezes referida como Dialética Real. Basicamente o médico no estilo de Sócrates, trava um diálogo dialético com o paciente, e através do questionamento socrático solicita respostas que estão contidas no inconsciente do paciente, mas que são, entretanto conscientemente negadas, omitidas e/ou deturpadas. A verdade finalmente vem da boca do paciente. Nesse aspecto o método de Keppe da relação médico-paciente é anti-freudiana, pois não é autoritária.

      Da mesma forma, seu método difere consideravelmente da terapia centrada no paciente de Carl Rogers e dos psicólogos humanistas. Ao contrário dessa abordagem, que consiste em conversar casualmente com o paciente para sentir seus antecedentes e seu contexto, Keppe, baseado em sua visão sobre as raízes da má adaptação comportamental, trava um diálogo socrático por meio do qual o paciente é levado a refletir sobre sua conduta e descobrir a verdade sobre suas disfunções. Keppe chama esta técnica de INTERIORIZAÇÃO. E aceita a forma do diálogo socrático que acreditava ser a vida na Terra, uma sombra de outro mundo, vivendo, portanto o homem em uma fantasia a: isso Keppe chama de INVERSÃO e falsa dialética.

     Para levar o paciente a efetuar a interiorização, através da conscientização da falsa dialética (ou dialética platônica) que ele usa, Keppe trabalha com a inversão do paciente. Por exemplo, o médico requer do paciente que reflita, isto é,que interiorize sobre a ideia de que há um grande valor na fantasia que é  causa do seu estado de sofrimento mental e emocional e um grande valor negativo na realidade.A reflexão leva definitivamente o paciente a perceber a ironia da situação e de sua livre e espontânea vontade, ele irá preferir a realidade à fantasia. A realidade nesse estágio vai apresentar-se com o relacionamento com o Criador. Santo Agostinho estava correto quando exclamou: fecisti nos at et cor nostrum inquietum requiestat inte,- “ tu nos fizeste a Tua Imagem e nossos corações serão infelizes até que repousemos em Ti.”

     Um dos méritos da terapia psicanalítica do Professor Keppe é reconhecer os méritos, benefícios e conquistas da sabedoria religiosa. Muito antes que psiquiatras, psicólogos e terapeutas viessem à civilização a religião estava curando a angústia emocional e mental das pessoas. Eu dou as boas vindas às renovadoras opiniões do professor Keppe, e não tenho dúvidas que os psicólogos e filósofos americanos vão mergulhar em sua riquesa de percepção e sabedoria.

Para saber mais:

http://www.trilogiaanalitica.org/

http://www.keppepacheco.com/curso-online-abc-da-trilogia-analitica.html

https://www.youtube.com/watch?v=HxGHjPgX0T0

 

 

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