A Cor Descontente ou O Dia Que o Amarelo Sumiu Das Caixas de Lápis de Cor

Ana Lúcia Vasconcelos


PERSONAGENS

 NARRADOR

 MAX

 FELIPE

 MARINA

JULINHO

BRANCO - O GUARDIÃO DO REINO DAS CORES

AMARELO

PAULO, O PINTOR.

  

NARRADOR--Um dia, sem mais aquela, o AMARELO desapareceu de todas as caixas de lápis de cor das redondezas. Max foi o primeiro a perceber. Precisava do amarelo para colorir um enorme girassol e...

MAX - Mas eu tenho certeza que o amarelo estava aqui ontem, quando guardei os lápis na caixa.

NARRADOR-Foi quando se lembrou da irmã mais nova que tinha um costume super irritante de pegar os lápis sem avisar.

MAX-Vai ver que a Cristina pegou.

NARRADOR-E resolveu pintar o girassol na escola. Emprestaria de algum colega e não se falava mais no assunto.

 (ENTRA CENÁRIO DE ESCOLA-MESAS, CARTEIRAS, QUADRO NEGRO E MUITAS CRIANÇAS)

MAX-Felipe, você por acaso tem aí um lápis amarelo para me emprestar?

FELIPE - Tem sim, Max, um momento. (PROCURANDO NA CAIXA DE LÁPIS, NA MOCHILA, EMBAIXO DA CARTEIRA) - Estranho, onde está meu lápis amarelo? Eu tenho certeza que estava aqui ontem... Ontem, não, hoje quando arrumei as coisas para vir para cá... Não sei... Será que deixei em casa, ou será que eu perdi o amarelo. Bom, Max, não sei, mas não posso ver isso para você agora porque tenho prova de matemática e tenho que estudar. Desculpa ta? Vê com o pessoal aí... (CONCENTRA-SE NO ESTUDO)

MAX - Mas eu preciso pintar o girassol para a aula de artes plásticas... (E COMEÇOU A FALAR COM O PESSOAL, COM AS GAROTAS E GAROTOS DA CLASSE).

MAX-Julinho, você pode me emprestar o amarelo?

 JULINHO-(CONCENTRADO, ESTUDANDO) - Hein? Ah. o lápis amarelo... (PEGA SEM OLHAR A CAIXA DE LÁPIS E DÁ AO MAX-MAX PROCURA, NÃO ACHA.).

MAX - Mas Julinho, você não tem o amarelo...

JULINHO - Como não tenho evidente que... Cadê o amarelo cara?

MAX - Eu que vou saber... Eu estou pedindo justamente porque não tenho, acho que a minha irmã pegou o meu...

JULINHO - Bom, e agora... Olha Max vê aí com o resto da turma porque eu estou estudando matemática. Aliás, você não vai fazer a prova?

MAX- Vou lógico, mas já estudei, e depois tenho que fazer esse girassol para a professora de Artes Plásticas... Bom, vou ver por aí...

JULINHO- Desculpa, ta?

MAX - Não tem nada, você não tem o lápis, fazer o quê...

MAX-Marina, você tem o lápis amarelo para me emprestar?

MARINA-Lógico que sim. (PEGA A CAIXA E ABRE E COMEÇA A PROCURAR)- Hei cadê meu lápis amarelo? ... Eu tenho todas as cores e em vários tons de amarelo. Minha caixa... Mas que é isso... Onde meus lápis amarelos foram parar?

MAX-Coisa estranha hein... Pessoal, desculpe interromper, mas a coisa aqui está complicada. Quer dizer que ninguém tem o lápis amarelo para me emprestar? 

(JULINHO, FELIPE PÁRAM DE ESTUDAR E OLHAM PARA O MAX)...

FELIPE, MARINA - Nós não temos o lápis amarelo... O amarelo sumiu!

MAX-Como sumiu? Não é possível?

JULINHO-Ah. Não. (SAINDO DO SEU LUGAR, ESQUECENDO A PROVA DE MATEMÁTICA) Assim já é demais. Aqui tem coisa.

MAX-Que tipo de coisa? Não me venha você com as histórias do Sherlock Holmes, que teu pai te conta...

JULINHO-Olha pessoal, esse negócio ta me cheirando a roubo, seqüestro ou qualquer coisa do tipo. Acho que alguém roubou o amarelo!

CRIANÇAS EM CÔRO- Roubou?

FELIPE - Mas quem poderia ter feito semelhante coisa?

MARINA-E depois qual o interesse em roubar uma cor?

MAX-(PEDINDO CALMA)- Vamos com calma pessoal, sem pânico. Acho que é cedo para pensar em coisas tão graves, roubo, seqüestro, vocês estão imaginando coisas. Olha, vamos parar por aqui que vocês estão com síndrome do roubo e do seqüestro, tudo bem eu entendo, mas pessoal, cai na real, o amarelo é uma cor, não é gente, ta?

FELIPE-É, vai com calma, mas que aqui tem uma coisa estranha tem.

MARINA-É verdade, não é uma coisa normal isso, de sumir uma cor... Nunca vi isso na minha vida!

FELIPE - Exatamente com calma vamos descobrir o que aconteceu... Como pode uma cor sumir assim?

TODOS-É verdade precisamos fazer alguma coisa!

 (AQUI O DIRETOR ELABORA ALGUMA COISA, CONFUSÃO, TODOS FALANDO AO MESMO TEMPO).

MAX-Tá legal... Mas não adianta a gente fazer esta confusão... Tenho uma idéia: porque não vamos até a casa do Paulo, o pintor, ver se ele tem o amarelo. Depois a gente pode tirar conclusões, e decidir o que fazer, porque é verdade que eu também nunca vi uma coisa dessas...

(FALAS ENTRECORTADAS)- É mesmo... Nunca vi uma cor sumir... Assim de repente? Pessoas sim, mas uma cor?

JULINHO - É uma boa idéia... Vamos à casa do pintor...

FELIPE-Vamos sim. Pelo menos a gente pode falar com alguém com mais experiência... Em cores.

(ENTRA ATELIER DE PAULO, O PINTOR, QUADROS PELO CHÃO, TINTAS, PINCÉIS).

JULINHO, MAX- Alô, podemos entrar?

 PAULO-(SAINDO DE DENTRO) Ora, mas quanta gente, a que devo a honra da visita? Qual é a causa, pessoal? Ou o caso?

 FELIPE-Paulo estamos aqui numa missão muito importante.

 PAULO-O que aconteceu? Que ar mais grave Felipe!

 FELIPE-É não é só o ar que é grave, estamos com um problema gravíssimo!

 PAULO- Mas então me contem logo, rapazes.

 MAX-O lápis amarelo sumiu de todas as caixas de lápis de cor, já procuramos e não encontramos. Isso é uma coisa normal? Você já viu isso alguma vez na sua vida?

 PAULO-Olha, para falar a verdade já vi e também não tenho uma notícia muito agradável para vocês. Eu também estou sem a cor amarela. Hoje fui pintar umas paisagens, essas que estão aí no cavalete, e não achei o tubo amarelo. Achei estranho, porque há uma semana mesmo comprei vários tubos. Já revirei o atelier e não encontrei nem rastro do amarelo. Como estava precisando muito da cor para pintar os verdes desta paisagem, fui à loja comprar outros tubos. Mas lá também não havia um tubo siquer do amarelo para contar a história.

GAROTOS - Meu Deus, e agora. Que vamos fazer?

JULINHO-Eu não disse pessoal. A coisa é mais grave do que a gente imaginou. Precisamos tomar providencias urgente.

TODOS-Providencias? Mas que tipo de providencias? Como vamos procurar o amarelo?

PAULO-Voces só tem uma saída.

TODOS-E qual é?

PAULO-Ir ao REINO DAS CORES

TODOS-REINO DAS CORES?

PAULO-É o lugar indicado para procurar as cores.

MAX-É isso aí pessoal, falou a voz da experiência. (IRONICO) A melhor coisa que a gente pode fazer é ir até o REINO DAS CORES para ver o que está acontecendo.

MARINA-Sim, Mas como vamos lá. Nunca ouvi falar em semelhante lugar.

FELIPE - Mas eu já, eu li sobre o REINO DAS CORES uma daquelas histórias que falam de reinos fantásticos...

MAX-Sei, mas onde fica o REINO DAS CORES?

PAULO - Ah. É simples, fica além do Arco Íris.

MAX, MARINA E JULINHO- Além do Arco Íris?

PAULO-É garotos, vocês tem que esperar um desses dias de chuva, esses que depois da chuva, aparece o arco íris para poderem seguir em direção do próprio e... chegar ao REINO DAS CORES.

(GAROTOS FAZEM CARAS DE DESÂNIMO, OLHAM UNS PARA OS OUTROS.

FELIPE-Vamos lá moçada, agora não tem volta. Não adianta fazer essas caras de desânimo. O jeito é esperar chover e rezar para sair um arco íris.

NARRADOR-Alguns dias depois... Deu aquela chuvarada, e depois apareceu um lindo íris, colorido, brilhante, com todas as cores... Menos o amarelo...

FELIPE-Olha só que incrível, nem no arco íris tem o amarelo!

MARINA-É mesmo, que coisa impressionante!

JULINHO-É o jeito é então partir em busca do amarelo.

MAX-É isso aí garotada. Vamos lá, Quem vai?

TODOS- Vamos todos, ora essa.

NARRADOR-E lá se foram, os garotos. Eles estavam boquiabertos, mudos de espanto. Nem comentaram o fato.  Só foram andando, andando, sempre olhando na direção do arco íris e depois de um tempão, chegaram na curvinha final. E finalmente estavam no REINO DAS CORES. Será que iriam descobrir o misterioso desaparecimento da cor amarela?

(ENTRA CÉNARIO: IMENSA PORTA E UM MURO DE PEDRAS)

TOC-TOC -TOC (OS MENINOS BATEM NO ENORME PORTÃO)

BRANCO-Sim, o que desejam? Eu sou o BRANCO. Muito prazer!

GAROTOS-O prazer é nosso...

FELIPE-Nós podemos falar com o GUARDIÃO DAS CORES, senhor BRANCO?

BRANCO-Pois sou eu mesmo garoto, do que se trata?

FELIPE-É o seguinte, estamos aqui numa missão muito importante. O senhor poderia nos informar se por acaso o AMARELO está aí?

BRANCO-Não, não está.

JULINHO-Não! Mas então a coisa é bem mais grave que a gente imaginava!

MAX-Mas Senhor GUARDIÃO DAS CORES, se ele não está também aqui, onde poderia estar? Isso é brincadeira? Quer dizer que ele está sumido de verdade? Sem chance de ser encontrado?

MARINA-E ninguém sabe onde ele possa estar?

BRANCO-Não fiquem tão preocupados. Há uma esperança.

FELIPE-Ah. É? Qual esperança?

BRANCO-Ele só pode estar no REINO DAS CORES PERDIDAS. Não é a primeira vez que uma cor desaparece.

MAX-REINO DAS CORES PERDIDAS! Mas só faltava essa agora. E onde fica isso? O senhor poderia dar uma pista deste tal REINO DAS CORES PERDIDAS? Parece até que a gente errou de história. Isso não me parece nada real. Por exemplo, como a gente chega lá?

BRANCO-É evidente que posso. O REINO DAS CORES PERDIDAS fica justamente do lado oposto do arco íris.

JULINHO-Ah. Sim, do lado oposto. E como a gente chega lá Senhor GUARDIÃO DAS CORES. Tem alguma dica para a gente?

BRANCO-Não é difícil. Vocês têm que passar pelo RIO DAS OSTRAS, depois pelo VALE VERDE, a ESTRADA DAS ESMERALDAS e pronto, já vão chegar no REINO DAS CORES PERDIDAS.

MARINA - Simples não? Esses personagens de peças surrealistas acham tudo simples.

MAX-Só isso?  A verdade é que a gente já está bem cansada dessa história seu BRANCO.

BRANCO-Mas não desanimem agora, meus jovens. Logo agora que vocês já estão chegando lá.

JULINHO-É isso aí, pessoal. Quem chegou até aqui vai em frente. Logo agora que a coisa começou a esquentar vocês querem desistir? Sem essa. E depois, histórias de mistério é comigo mesmo. Vamos voltar, e começar a andar em direção do REINO DAS CORES PERDIDAS. Agora que estamos na pista do AMARELO não podemos voltar atrás.

NARRADOR-E os meninos tomaram o caminho oposto, ainda que tudo parecesse muito estranho. Parecia que tudo se passava num outro mundo. Enfim, depois de alguns dias de caminhada, eles finalmente chegaram ao REINO DAS CORES PERDIDAS.  Cansados, bateram no enorme portão e adivinhem quem veio atender?

GAROTOS-AMARELO!

NARRADOR-Gritaram surpresos porque não imaginaram que ia ser tão fácil assim. Era bom demais para ser verdade. Por sua vez, o AMARELO que não esperava uma turma de meninos barulhentos levou tal susto que quase ficou branco. E em pânico, fechou  a porta.

(AMARELO BATE A PORTA NA CARA DOS GAROTOS COM ESTRONDO)

GAROTOS-AMARELO não faça isso, por favor. (TODOS FALANDO AO MESMO TEMPO NA MAIOR BALBÚRDIA). Estamos te procurando há mais de tres dias. Já não agüentamos mais andar na tua pista.

NARRADOR-Emocionado com estas palavras, o AMARELO foi abrindo a porta de mansinho e morrendo de curiosidade. Quem seriam esses meninos tão estranhos que estavam à sua procura a tanto tempo. Será que ele era tão importante assim?

(O AMARELO ABRE A PORTA DE MANSINHO)

AMARELO- Voces não querem entrar?

FELIPE-Lógico que queremos. Estamos na tua pista há dias, cara.

MAX- Queremos que você conte tudo, em detalhes porque sumiu...

MARINA - É isso aí AMARELO, nunca vi isso, uma cor desaparecer, até que gente ultimamente é a última moda, mas uma cor?

JULINHO-Exatamente quer ouvir da sua boca as causas do seu estranho desaparecimento.

 

MAX -Você estava descontente, angustiado, entediado?

 

AMARELO-Então vocês podem se acalmar que eu vou contar.

 

(TODOS SE SENTAM E O AMARELO COMEÇA A CONTAR)

AMARELO-Na verdade, eu nunca gostei muito da minha cor...

 

MARINA-Por que Amarelo? Que coisa mais estranha!

 

JULINHO - Cada um tem a cor que pode...

 

FELIPE-Ou que merece... Sei lá como funciona isso no REINO DAS CORES...

 

AMARELO-Eu sei disso, mas falar é fácil. Se vocês tivessem passado pelas coisas que eu passei... Por exemplo, eu estava cansado de ouvir todos dizerem que o VERDE era o tal, que as cidades tinham que ter mais verde, que tudo era muito cinza e amarelo. Ora, bolas, eu já não gosto muito da minha cor, acho amarelo demais, e então vocês podem imaginar ainda por cima ficar ouvindo todos estes elogios ao verde?

 

MAX-AMARELO estou vendo que você está completamente por fora. Então vai me dizer que você não sabe que para que o verde exista, tem que ter o amarelo? Sem o amarelo, o verde não existe.

 

AMARELO-(FAZENDO CARA DE QUEM NÃO ENTENDEU NADA)- Como assim?

 

FELIPE-É isso mesmo. Você AMARELO é tão importante que Paulo, o pintor desde que você desapareceu, parou de pintar a paisagem que estava fazendo. Porque, sem o AMARELO, ele não consegue fazer o verde.

 

AMARELO-É mesmo? (O AMARELO FICAVA CADA VEZ MAIS ANIMADO) Mas como é isso?

 

JULINHO-É muito simples. Você, o azul e o vermelho são as cores que juntas formam as outras cores. Por exemplo: o amarelo, e o azul juntos quer dizer, misturados, formam o verde. Vermelho e amarelo dá o laranja e o vermelho e o azul dá o violeta.

 

NARRADOR-O AMARELO não cabia em si de contente. Ficou tão contente tão contente que quase mudou de cor...  De novo. Ficou roxo de alegria.

 

(AMARELO PULA DE ALEGRIA, DANÇA COM OS GAROTOS, FAZEM A MAIOR ALGAZARRA).

 

NARRADOR-E já que o mistério que nem era tão misterioso assim, estava desvendado, os meninos e o AMARELO reiniciaram o caminho de volta para casa. E agora, com o AMARELO de volta às caixas de lápis de cor, e na palheta de PAULO, o pintor, MAX pôde finalmente pintar o girassol, e Paulo terminou sua paisagem com os verdes. Os meninos voltaram as suas atividades normais, mas desde então eles não são os mesmos. Tem um olhar às vezes meio sonhador, quando se lembram do REINO DAS CORES PERDIDAS. Eles conversam, chegam a pensar que tudo não passou de um sonho... Mas no fundo sabem que tudo foi muito real.

 

 (AQUI O DIRETOR VAI BOLAR A CENA. OS GAROTOS DE VOLTA À SALA DE AULA, PINTANDO, ESTUDANDO, CONVERSANDO, ALEGRES, E NO ATELIER, PAULO, O PINTOR PINTANDO, FELIZ, SUAS PAISAGENS).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor:

Ana Lúcia Vasconcelos
Atriz, jornalista, escritora é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp.

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