Sumi-ê de Nydia Bonetti
Os poemas de Sumi-ê, de Nydia Bonetti, inventam um jardim, que não é o zen japonês, mas tenta simulá-lo, com seu rigor de pedras. Surgem, aqui e acolá, uma...
Revista digital de Arte e Cultura
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(Fernando Pessoa)
Havia lido que Lisboa, apesar de localizada no Atlântico tem um quê de mediterrâneo. Talvez por seus telhados laranja escuro, casas em tons pastéis, calçadas lindamente decoradas, sempre sendo restaurados, azulejos azuis por toda a parte (D. Manuel I, em visita à Espanha, teria se encantado com os interiores mouriscos azulejados). Acordei num sábado de manhã cedo, no Aeroporto Portela, louca de disposição para conhecê-la. A sensação, após dez horas de voo, é inusitada: fala-se a mesma língua, o que embora nos conforte e tranquilize, causa um certo estranhamento. Uma flor de ambiguidade: estamos e não estamos no estrangeiro. Agora, fecho os olhos para melhor resgatar da memória tudo que possa servir de bússola para futuros viajantes.
O hotel Lisboa, bem localizado, junto à Avenida Liberdade, que me abrigou por apenas um dia, pois antecipara a ida em cima da hora, não é da mesma categoria do outro, onde me hospedei o resto da minha estadia, pertinho da Praça do Rossio, o coração da cidade, contudo o atendimento da recepção foi cordial, rápido e eficiente: enquanto fazia o check in já me engajava no primeiro tour aos arredores, deixando para depois o reconhecimento dos brilhos de um mito que se revelou realidade.
Comecei por Sintra, apelidada de O Glorioso Éden, por Byron, antigo refúgio dos monarcas. Fez-me lembrar de Petrópolis em seus áureos tempos. O lugar oferece aos visitantes, além da beleza natural (botânicos teriam enlouquecido com as espécies de plantas raras que ali florescem) grandiosas edificações como o Palácio Real, com duas enormes chaminés na cozinha, vistas de longe, e o Palácio da Pena, erguido sobre as ruínas de um mosteiro do século XVI. Café e doces deliciosos amenizam o frio de quatro graus (é dezembro, pleno inverno). De lá seguimos para Cabo da Roca (o ponto mais oeste da terra), praia do Guincho (cheia de destemidos surfistas em suas águas geladas), Cascais e Estoril, paraíso dos aristocratas.
De volta do passeio, numa espécie de reconhecimento do terreno, jantamos no restaurante panorâmico do Hotel Mundial, com o magnífico e iluminado Castelo de São Jorge bem ao lado, quase a um esticar de braço. Fomos dormir com a sensação de que já estávamos em terras portuguesas há vários dias.
Aos primeiros raios solares, saímos para ver aquela que renasceu das cinzas por duas vezes. Seguíamos as trilhas sugeridas: atravessar a Ponte 25 de abril, sobre o Rio Tejo (cantado em prosa e verso por Camões e Pessoa), a ponte pêncil mais comprida da Europa. Visitar o Mosteiro dos Jerônimos (uma homenagem às descobertas de Vasco da Gama, financiado pelo comércio das especiarias), o Museu dos Coches (instalado na antiga escola de equitação do Palácio de Belém), o monumento Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém (construída como proteção contra piratas, a fortaleza que serviu de ponto de partida das caravelas). Subir e descer nas escadarias que constituem o labirinto de Alfama, antigo bairro árabe. Dar uma volta na Praça Marques do Pombal, o ministro que reconstruiu Lisboa após o terremoto de 1755. Passear nas ruas do Chiado, bairro criado após um incêndio em 1988.
Já o amplo Parque das Nações, feito para a Expo 98, revela a face moderna da cidade. Nele, muitas são as atrações, porém notável é o Oceanário, magnífico aquário gigante com diferentes habitats: vale a visita com bastante tempo disponível. No shopping Vasco da Gama, ali pertinho, uma surpresa, tolo afago de ego: a loja Ana Guimarães, onde adquiri uma almofada para pescoço a fim de tornar mais confortável o voo de volta ao Brasil. Depois fui ao shopping Colombo, bem maior e mais sofisticado, e aos Armazéns do Chiado (numa fachada antiga recuperada, um espaço interno que abriga seis pisos, boa opção para compras e refeições ligeiras). À noite, tendo feito uma ‘marcação’ (leia-se reserva) fomos ao aconchegante Parreirinha do Alfama ouvir fado (a palavra vem do latim fatum, ou seja, destino. Uma explicação para a sua origem remonta aos cânticos dos Mouros, que permaneceram no bairro da Mouraria, na cidade de Lisboa, após a reconquista cristã).
Dia 31 de dezembro fizemos uma excursão ao passado: Óbidus, pequena vila a 94 kms de Lisboa, rodeada de muralhas de pedras do século XIV, onde se toma a famosa “ginjinha com” (licor de cerejas com elas dentro da garrafa, daí o nome) e se come o melhor pastel de Belém dos muitos que provamos. De lá fomos a Alcobaça. Aí fica a maior igreja do país, o Mosteiro de Santa Maria, onde estão os túmulos de Pedro e Inês de Castro, casal que protagonizou uma das mais trágicas histórias de amor de Portugal. Seguimos para Nazaré, vila pesqueira onde degustamos um peixe fresquinho em mesa comunitária super divertida. Falava-se um pouco de italiano (jovens em lua de mel), um pouco de francês (casal idoso), um pouco de espanhol (cubano que mora em Miami), e, felizmente, o inglês, que todos ‘arranhavam’e propiciou que a comunicação fluísse. Em seguida Batalha, e por fim, Fátima, centro mundial de peregrinação desde que três pequenos pastores disseram ter visto a aparição da Virgem Maria, e onde é impossível não se emocionar, orar e agradecer as bênçãos recebidas ao longo da vida.
Ceamos no restaurante do hotel e saímos antes da meia noite, levando champagne para a passagem do ano na Praça do Comércio: queima de fogos de artifício, show com cantores locais, projeções a laser, espetáculo que, fora o visual da orla da Princesinha do Mar, nada ficou a dever ao nosso de Copacabana (devidamente registrado, para quem quiser conferir).
Dia 1º de janeiro acordamos tarde, no maior silêncio, tentando espantar a preguiça. Continuamos a percorrer o roteiro sugerido: Castelo de São Jorge, erguido no topo de uma colina, Elevador Santa Justa (outra vista também deslumbrante), o tradicional café A Brasileira, e, após a clássica foto com a estátua de Fernando Pessoa, almoçamos no simples João do Grão, mais conhecido dos lisboetas do que por turistas (dica de uma amiga da terrinha). E quando a gente não quer só comida, mas também arte deve ir ao Museu da Fundação Calouste Gulbenkian. As Igrejas da Sé (Catedral), a mais antiga, e a de Santo Antônio, o santo casamenteiro, são outros tesouros arquitetônicos que merecem ser apreciados. E ainda o Palácio de Queluz, o Versailles de Portugal, a apenas quinze quilômetros de Lisboa.
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
(Vinicius de Moraes)
Alugamos um carro para ir a Coimbra, capital do país entre 1139 e 1256. Depois de nos instalarmos num antigo hotel às margens plácidas do rio Mondego, partimos para a Universidade, que data de 1290. Sua torre é o cartão-postal da cidade. Visitamos a Biblioteca Joanina (obra engendrada por ordem do Rei D. João V: três amplas salas decoradas com laca verde, vermelha e dourada) e a Capela de São Miguel, onde se destaca um imponente órgão barroco. Vimos a igreja chamada Sá Velha.
Nessa noite, jantamos debaixo de forte chuva, no restaurante do Hotel Quinta das Lágrimas, uma boa experiência gastronômica. Palco de encontros do romance interditado de Pedro (herdeiro do trono português e filho de D. Afonso IV) e Inês (filha de Pedro Fernandes e Castro, da Espanha), ocupa uma área de dezoito hectares, com piscinas, campos de golfe, área de lazer e salões de jogos. Há árvores com mais de duzentos anos. Reza a lenda que Pedro condenou à morte os assassinos de sua amada com requintes de crueldade e mandou desenterrá-la para ser coroada rainha, numa cerimônia de beija-mão ao cadáver imposta a toda a corte da época.
Vimos ainda a Igreja de Santa Clara, “a nova” e Portugal dos Pequeninos, onde estão reproduzidos em tamanho reduzido os mais famosos monumentos do país e de suas colônias.
Se quiser adquirir a fina porcelana Vista Alegre, a fábrica fica a 50 quilômetros de Coimbra, com visita guiada mostrando a produção até o produto final (para quem não conhece de excelente qualidade).
E para os que se interessam por sítios arqueológicos, há um, Conimbriga, o mais bem preservado conjunto de vestígios romanos, com parte aberta ao público.
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões...
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
(Caetano Veloso)
Tornamos a pegar a estrada, agora com destino ao Hotel Mercure Batalha, na praça do mesmo nome, no coração do Porto, com seu casario típico tombado como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. O que recomendo? Coma, pra variar, um bacalhau, no Tripeiro. Descubra o centro antigo por meio de caminhadas. Suba se for capaz, os duzentos e tantos degraus da Torre dos Clérigos, curta a paisagem e se seu ouvido suportar, ouça, as doze e às dezoito horas, a tempestade musical do repicar de quarenta e nove sinos. Visite a Catedral da Sé, a Igreja de São Francisco, o prédio da Bolsa. Vá a Praça da Liberdade e admire a escultura de D. Pedro IV, de Portugal, o nosso Pedro I. Desfrute do comércio da Rua das Flores. Flane pela Rua Santa Catarina e tenha sorte de encontrar o Lourenço, onde provará o autêntico queijo Serra da Estrela. Almoce na região das Antas, em Portogalia (de preferência, uma galinha à cabidela), e faça uma degustação de vinho (do Porto, of course!), em Vila Nova de Gaia, onde estão situadas várias caves.
À noite, nos despedindo, fazendo pela primeira vez uma refeição no restaurante do hotel, nos surpreendemos com o requinte e o esmero no preparo, na apresentação dos pratos e com as sobremesas incríveis, até hoje me lembro de clarinhas de fão, um creme de gemas acompanhado de doce de abóbora. Se gostar da ideia, experimente.
De Mercedes (o trivial, todos os táxis são dessa marca) rumamos para o Aeroporto:terminava aqui a temporada lusitana, Barcelona nos aguardava.
Ana Guimarães é carioca, psicanalista e publica no seu blog
http://ogozodaletra.blogspot.com.br/2011/10/o-gozo-da-letra.html
e nos seguintes sites:
http://www.gargantadaserpente.com/
http://www.germinaliteratura.com.br/ana_guimaraes.htm
http://www.blocosonline.com.br/home/index.php
http://www.jornaldepoesia.jor.br/anaguimaraes.html
http://cronopios.com.br/contosdenatal/anaguimaraes.htm