Poemas
chão descoberto onde me faço e me descubro até que me cubras e eu me desfaça - em chão o não sonhado queria ter sido - não...
Revista digital de Arte e Cultura
chão descoberto
onde me faço e me descubro
até que me cubras
e eu me desfaça - em chão
o não sonhado
queria ter sido - não foi
já foi já era - foi
de certa forma somos
também o que não fomos
pois sempre estamos
se estamos somos
o que pudemos ter sido
até além do imaginado
- o não sonhado é
o que chamamos vida
muitos
um anjo
- agora são dois
com seus pés vermelhos
suas asas brancas
caminhando lendo
pelas ruas de pedra
da cidade que habito
colhendo sementes
um deles me olha
como se dissesse
— agora crê?
e segue
colhendo sementes
pelas ruas de pedra
da cidade que habito
caminhando lento
com seus pés vermelhos
suas asas brancas
- agora são muitos
anjos
nenhuns
singelos ou loucos vamos
fazendo poesia
pois que somos todos
uns ou outros
ambos talvez
nenhuns
toada
o salmo
o sal
a mó
a mão
que move
vê
que tudo
canta
e conta
no poema
que sinta
quem
lê
leva-me
leva-me palavra
donde
meus pés e olhos
não
me levaram
por não saber ou não
poder
querer quem sabe não
sonhar ou
por não haver
estrada
hera
olhos antigos
queimam
hipotética chama
dilatadas pupilas
branca-flor
perdida
hera
que não ousou
ir além
- e o muro
nem era assim
tão alto
trilha possível
queria sol
e um céu pequeno
sobre minha cabeça
trilha possível
e um chão sereno
sob meus pés descalços
flores à margem
nem precisava
eu as recriaria
chuva miúda
bastaria
tourada
olhos do touro
nos olhos do toureiro
a lâmina
o casco
vermelhas as areias
o sangue inocente
as meias
do homem que mata por prazer
animal
asas aflitas
fase silenciosa
antes do amanhecer
(como demora o sol
quando se espera por ele)
asas aflitas o pressentem
(sou do bando dos pássaros
acordadores do sol)
desde sempre assim
(antiga sina)
eu espero por ele
ele espera por mim
- e a noite perpetua
rebeladas penas
é tanto sol
que uma pena da minha asa preguiçosa se soltou
voou leve lá fora
do meu ninho pude ver o vôo silencioso das penas
que flutuam
outras tantas se rebelam agora - mal posso contê-las
ansiosas asas se contorcem
e o vento e o sol e o vento - fui... ganhei o céu
preces quase
1.
meu coração é um redil
de ovelhas loucas
contidas
por contornos tão frágeis
apascenta meu coração
(se me amas)
2.
perdão senhor
não fui capaz de cumprir
teu maior mandamento
(amei tão pouco)
o homem do farol
1.
amanhã
o dia vai ser bonito
o sol mais uma vez vai colorir
a multifacetada crosta
da terra
mesmo vazia - a casa
portas e janelas abertas
irão saudá-lo
2.
em algum lugar
um velho barco regressa
velas feridas tanto sal
olhos aflitos
braços abertos que se fecham
em
abraços
quantos faróis no caminho e o homem
do farol
como suporta
enquanto gira
o velho artefato a indicar por onde
ir
3.
de que lugar escuro a concha
que vai secar
de onde os pássaros que povoam
a ilha
o vento que sopra nuvens agora
e deixa
um pedaço de céu estrelado
posso ver
4.
quantos cabelos e varais mulheres
lavadeiras quantas
lençóis quarados sobre pedras quentes
quantos
amores sobre
lençóis
quantos nãos
camas vazias mãos
quantos olhos
homens e mulheres na sina
dos dias iguais
5.
ondas que se quebram areias quentes
o galo
prestes a cantar
um pio
é quase dia
vai ser bonito
pesam meus olhos na janela
renasce a vida
me entrego
à quase morte do sono
da lida
sem sonhar
cheiro de café com pão
em algum lugar
dizem
que o homem do farol é feliz
Nydia Bonetti, engenheira civil, nasceu em Piracaia, interior de São Paulo, onde reside. Mantém o blog L o n g i t u d e s (http://nydiabonetti.blogspot.com) Colaboradora na Revista Mallarmargens. Tem poemas publicados em revistas e sites literários e culturais: Revista Zunái, Portal Cronópios, Musa Rara, Eutomia, Germina Literatura, e outras. Faz parte da coletânea QASAÊD ILA FALASTIN (Poemas para a Palestina), Selo ZUNAI e da Antologia Digital Vinagre - Uma antologia dos poetas neobarrocos.Publicada em 2012, pela Coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo, na antologia Desvio para o vermelho (Treze poetas brasileiros contemporâneos), organizada pela poeta Marceli Andresa Becker.Também em 2012, publicada pelo Projeto Instante Estante, de incentivo à leitura, curadoria de Sandra Santos, Castelinho Edições. Participou da Poemantologia da Revista Arraia PajéuBR, numa iniciativa conjunta com o Portal Cronópios. Lançou oficialmente o Sumi-ê em janeiro de 2014, à venda no catálogo da Editora Patuá.